Reportagens






Editorial:
Ciência e contingência
Carlos Vogt
Reportagens:
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Artigos:
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Isaac Epstein
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Geraldo Cavagnari Filho
O direito das atividades espaciais no ano 45 da era espacial
José Monserrat Filho
Programa espacial brasileiro: autonomia ou inserção periférica?
Paulo Augusto Sobral Escada
A herança da bomba nas pesquisas nucleares
Afonso de Aquino e Martha Vieira
Guerra e ciência: dois lados da mesma moeda humana
Clóvis Brigagão
Antropologia e política: uma primeira aproximação
Guilhermo Ruben e André de Mattos
Forças armadas, educação e ciência
Adler Fonseca de Castro
O uso de software livre em criptografia: razões históricas
Ricardo Ungaretti
Poema:
Mal-du-siècle
Carlos Vogt
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Bibliografia
Créditos
  Guerra e Ciência
A herança da bomba nas pesquisas nucleares

Afonso Rodrigues de Aquino e
Martha Marques Ferreira Vieira


As bombas nucleares lançadas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente, determinaram mais do que o fim da Segunda Grande Guerra Mundial, elas inauguraram a era da big science e da ciência engajada.

O Projeto Manhatan, considerado até hoje como o maior empreendimento científico/tecnológico realizado, é o modelo gerencial de pesquisa mais copiado. O programa espacial americano, embora com um caráter militar um pouco menos acentuado, apresenta nítidas influências desse modelo gerencial.

A bomba provocou uma corrida armamentista que envolveu quase todas as nações; mesmo países de menor expressão científica criaram suas Comissões Nacionais de Energia Nuclear, buscando conhecer e disciplinar o uso das técnicas advindas das atividades relacionadas com a área nuclear. Os mais desenvolvidos criaram programas para o uso pacífico dessa nova forma de energia, porém sempre com um programa militar paralelo. O Brasil integrou, em 1946, a Comissão de Energia Atômica criada pela ONU, presidida no seu início pelo Almirante Álvaro Alberto, que também instituiu em janeiro de 1955, no âmbito do CNPq, a Comissão Nacional de Energia Atômica. Foi no período pós-bomba que teve início o desenvolvimento dos primeiros reatores nucleares de potência para a geração de energia elétrica. Quando ocorreu a crise do petróleo em 1973, e o seu preço teve o valor multiplicado por vinte, os reatores nucleares de potência eram a única forma confiável para a geração de energia elétrica em grande quantidade que, desta forma, podiam substituir as usinas termoelétricas movidas a combustíveis fósseis.

Uma questão se destaca nesse contexto: é muito mais fácil fazer bomba nuclear do que reator para geração de eletricidade.

Os resultados práticos das pesquisas nucleares influenciam a vida moderna e abrangem desde novos materiais, incluindo metais, polímeros e cerâmicas avançadas, passando por técnicas de medição e controle, até sofisticadas tecnologias de comunicação.

Dois exemplos atuais são: a Internet, filha da guerra fria, concebida pela força armada americana em meados dos anos 60 e a World Wide Web (WWW), criada por físicos nucleares em 1989/90 com o objetivo de trocar dados e resultados de pesquisa, a longa distância, de forma rápida e segura e que também pudessem incluir imagens e sons.

Muitas das atividades de pesquisa desenvolvidas no pós-guerra estavam relacionadas com a bomba nuclear. A indústria aeronáutica desenvolveu aviões que pudessem permanecer o maior tempo possível no ar; os programas espaciais objetivavam construir mísseis teleguiados capazes de atingir qualquer parte do planeta, reatores nucleares compactos foram especialmente projetados para a propulsão de submarinos.

Os desdobramentos dessas atividades implicaram no desenvolvimento de inúmeras outras tecnologias. As telecomunicações tiveram um considerável avanço, tanto nas possibilidades de transmissão de dados quanto nos sistemas de segurança. A busca de materiais inorgânicos e orgânicos mais resistentes à radiação colaborou para a criação de um novo ramo da tecnologia, a engenharia de materiais. As técnicas e equipamentos para detecção de radiação ganharam novo impulso com a revolução dos computadores.

O estudo das reações nucleares aumentou o número de elementos químicos na tabela periódica. O elemento químico mais pesado conhecido até 1945 era o amerício, de número atômico 95. Pelo menos dois elementos, o einstênio e o férmio com números atômicos 99 e 100, respectivamente, foram isolados do material resultante da primeira explosão termonuclear.

Outra contribuição foi na determinação das partículas fundamentais constituintes da matéria que levaram ao Modelo Padrão com seus seis tipos de quarks (up, down, charmoso, estranho, top e bottom), seis tipos de léptons (e-neutrino, elétron, m-neutrino, múon, t-neutrino e tau) e quatro diferentes interações de forças (fraca, forte, eletromagnética e gravitacional). Certa vez, o físico Enrico Fermi disse para seu estudante, e futuro Prêmio Nobel, Leon Lederman, se referindo aos nomes usados na física das partículas: "jovem, se eu conseguisse lembrar os nomes dessas partículas, teria sido um botânico!".

A devastação causada pelas bombas nucleares favoreceu os estudos dos efeitos biológicos das radiações. O conhecimento adquirido teve como conseqüência a ampliação dos usos médicos das radiações. Novos reatores de pesquisa e aceleradores de partículas viabilizaram a produção em larga escala de diversos radioisótopos (isótopos radioativos) usados no diagnóstico e no tratamento de diferentes tipos de doenças. A radioterapia no tratamento de câncer se consolidou como prática tradicional.

Além disso, a radiação é usada para esterilizar seringas descartáveis e luvas cirúrgicas, fraldas e absorventes higiênicos, talco, vários produtos farmacêuticos e embalagens para medicamentos. Catéteres, tecidos sintéticos, válvulas e outros materiais cirúrgicos podem ser submetidos à esterilização depois da embalagem ter sido hermeticamente fechada.

A indústria alimentícia se beneficia da energia nuclear com a esterilização de embalagens, o retardamento da formação de brotos na batata, desinfecção do trigo, controle do mofo na uva e no morango, controle microbiano em peixe, camarão e frango e no aumento da validade de especiarias. Esta área desperta interesse cada vez maior pela possibilidade da diminuição do preço de alimentos com o aumento da sua vida útil.

A radiação nuclear é usada na engenharia para medir a extensão de lençóis freáticos, vazão de rios, direção de correntes marinhas, na prospecção e controle do bombeamento de petróleo, determinação da presença de trincas em vasos de pressão e tubulações e medição do nível de tanques. Outra aplicação é no aumento da resistência de fios e cabos elétricos. A inativação biológica do lodo originado em estações de tratamento de esgotos é mais uma aplicação da energia nuclear na engenharia. A indústria de jóias usa a radiação nuclear para a coloração de pedras semipreciosas conseguindo obter resultados estéticos originais.

Na pesquisa, é utilizada a marcação radioativa de moléculas ou células específicas que são usadas para desvendar mecanismos químicos e biológicos. A linha de imunotraçadores busca o desenvolvimento de radiofármacos capazes de fornecer diagnósticos in vivo e in vitro nas áreas de oncologia e endocrinologia. Foram desenvolvidas técnicas de análise isotópica para determinar a maioria dos elementos químicos.

Algumas "contribuições" dos materiais radioativos são únicas, como na datação radioisotópica, que permite saber a idade das formações rochosas com uma pequena margem de erro. A maioria dos isótopos radioativos tem taxas rápidas de decaimento, perdendo a radioatividade em alguns dias ou anos. Alguns isótopos, entretanto, decaem lentamente e são estes os utilizados em datação: C-14, K-40, Ar-40, Sr-87 e Rb-87. O decaimento natural do urânio em chumbo também é usado para datar rochas.

Hoje, é quase impossível existir um estudo científico/tecnológico que não envolva vários ramos do conhecimento; os avanços se dão de forma interdisciplinar, sendo matéria transversal para qualquer área da ciência, o que insere as técnicas nucleares em praticamente todas as atividades de P&D.

EXCERTOS DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Art. 21o, XXIII, § a

Compete à União: explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

Art. 4o , X, § único
A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando a formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Fonte: Constituição Federal de 1988, Senado Federal, República Federativa do Brasil. [grifo dos autores]

O Brasil talvez seja o único país que, além de assinar e ratificar todos os tratados de não proliferação de armamentos nucleares, colocou na sua constituição (veja abaixo) que o uso da energia nuclear é um monopólio do Estado com fins pacíficos. Além disso, se obriga buscar a integração com os demais países do continente, impedindo a formação de uma mentalidade bélica que incentive uma corrida armamentista na região, passando obrigatoriamente pelas questões nucleares.

A lição deixada em 1945 ensina que as técnicas nucleares, com sua gênese controversa, devem ser usadas somente quando são únicas, insubstituíveis ou representam uma economia significativa em relação às outras.


 



Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN.

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Atualizado em 10/06/2002
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