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Ciência e contingência
Carlos Vogt
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José Monserrat Filho
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Guerra e ciência: dois lados da mesma moeda humana
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O uso de software livre em criptografia: razões históricas
Ricardo Ungaretti
Poema:
Mal-du-siècle
Carlos Vogt
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  Guerra e Ciência
Medicina de guerra e de emergência são semelhantes

A medicina de emergência foi, no princípio, um esforço exclusivo da medicina militar. Era necessário cuidar dos feridos e, para isso, havia durante os combates uma equipe responsável por socorrê-los e levá-los a um lugar seguro para as devidas atenções. Atualmente, os hospitais de emergência, em que muitos dos atendimentos se assemelham aos prestados em um fronte de guerra, são uma necessidade inquestionável da vida civil.

Descobertas científicas ajudaram a salvar feridos de guerra (veja texto)

Foi no século XVI que começaram a surgir os primeiros especialistas em medicina de guerra. Nesse tempo, as tensões nos combates haviam aumentado muito, em conseqüência do uso da pólvora. Foi também nesse período que apareceram os modelos pioneiros de ambulâncias para transportar feridos. O cirurgião francês, Ambroise Paré (1510-1590), foi o criador das primeiras formas de ambulâncias, movidas por cavalos.

Entretanto, alguns países, como é o caso da Argentina, só foram aplicar as técnicas de medicina de guerra muito mais tarde, no século XX. Quando houve a Guerra das Malvinas não havia antecedentes de aplicação da medicina de guerra no país e tampouco médicos que pudessem transmitir suas experiências de assistência a feridos em combates. "Em Malvinas muitas vezes se teve que improvisar", afirmam os médicos José R. Buroni e Enrique M. Ceballos, autores do livro La medicina em la Guerra de las Malvinas. Nesse livro, editado em 1992, os médicos contam o trabalho desenvolvido no Hospital Militar de Puerto Argentino, improvisado em edifício construído para hotel. Durante a existência desse hospital (de 12 de abril a 15 de junho de 1982) foram internados quase dois mil pacientes, mais de 80% com patologias relacionadas diretamente com os combates.

Em um trecho do livro, os médicos afirmam que a partir da experiência cirúrgica no hospital Militar de Puerto Argentino houve uma mudança de mentalidade, de hábitos e de técnicas no atendimento de urgência. É a medicina de guerra servindo de base para a medicina de emergência.

Médicos brasileiros se sentem na guerra
Atender a um número cada vez maior de pacientes com ferimentos graves em função do uso de armas mais potentes deixa os médicos de hospitais de emergência brasileiros com a impressão de que estão em um campo de batalha. A afirmação: "entrar na emergência é como um treinamento para a guerra" é comum entre médicos dos hospitais Miguel Couto e Salgado Filho, no Rio de Janeiro.

O Claves

Um dos temas de estudo do Claves é a Violência e seu impacto na Saúde. As pesquisas do Centro buscam identificar os grupos mais vulneráveis e definir sobre quais a violência incide com maior gravidade, tendo como finalidade a formulação de políticas públicas. O Claves participou, por exemplo, da elaboração da Política Nacional de Prevenção à Acidentes e Violência, publicada pelo Ministério da Saúde, em maio de 2001.

Mas quem pensa que essa observação foi feita há alguns dias, após os recentes confrontos entre narcotraficantes e policiais nas favelas cariocas, está enganado. Em 1996, pesquisadores do Centro Latino Americano de Estudos sobre Violência e Saúde (Claves), grupo da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), acompanharam durante um mês, em cada um dos hospitais, as equipes de plantão (diurno e noturno) e verificaram que o agravamento da violência já era percebido pelos médicos. "Os resultados apontaram para o crescimento da violência. Os médicos têm consciência da mudança da gravidade dos ferimentos, estão lidando com pacientes feridos com fuzis e granadas, armas usadas em guerra e com uma destruição física maior", afirma Edinilsa Ramos de Souza, coordenadora executiva do Claves. Outra constatação, segundo ela, é de que o fenômeno da violência está obrigando os hospitais de emergência a se expandirem, tanto em espaço físico quanto em recursos humanos.

A realidade dos serviços de emergência do Rio de Janeiro é a mesma dos hospitais de São Paulo, Recife e Vitória. No caso do Rio de Janeiro, a maioria dos feridos por arma de fogo é vítima do narcotráfico, mas há também feridos em conflitos interpessoais, como os provenientes de discussões no trânsito, em bares e com vizinhos. "Esses conflitos acontecem em função do acesso fácil à arma de fogo. O que antes não passaria de um briga física se tornou uma ação mais grave, quando não letal", avalia a pesquisadora do Claves.

Brasil mais difícil que na guerra
O coordenador de saúde do movimento Médicos Sem Fronteira, Mauro Nunes, já trabalhou em duas áreas de guerra, em Angola e Moçambique (África), mas, no entanto, considera mais difícil o trabalho realizado na zona urbana do Rio de Janeiro. "Na guerra você sabe onde é a fronteira, onde está cada lado, a hora que pode cruzar a fronteira, a hora da troca da guarda e até a hora do bombardeamento. Na realidade atual do Rio, não se sabe a hora, quando e nem onde vai estourar um tiroteio. Você pode estar em casa, dentro do carro ou na rua e levar uma bala perdida", comenta.

Embora tenha chegado em Moçambique no período de reconstrução do país, Nunes ainda acompanhou as divergências entre o partido dos rebeldes e do governo. Ele prestava serviços na área dominada pelos rebeldes e morava na área do governo, o que o obrigava a cruzar o fronte todos os dias. O que mais o impressionou foi perceber o quanto a guerra "animaliza" os seres humanos. A guerra, na opinião dele, faz com que as pessoas percam seu referencial de humanidade e cometam atos de imensa brutalidade de que não seriam capazes em situações normais.

Essas mesmas reações de "animalidade e irracionalidade" comum nas guerras, Nunes encontra nos conflitos urbanos do Rio de Janeiro. "Nas favelas se ouve certas histórias de assassinatos com requintes de brutalidade semelhantes aos que ocorrem nas guerras. São iguais aos estupros na Bósnia e às mutilações em Serra Leoa", afirma.

Nos países em guerra, o Médicos Sem Fronteiras presta auxílio aos feridos e distribui alimentos. No Brasil, o movimento tenta minimizar a exclusão social, oferecendo aos mais carentes oportunidade de acesso à saúde. O trabalho teve início, em 1991, na assistência aos índios Ianomâmis, na Amazônia. Com a implantação dos distritos sanitários pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa), as atividades nessa área foram abandonadas.

Atendimento do Médicos sem Fronteiras no Brasil. Fonte:MSF

Atualmente, os 25 profissionais brasileiros e dois estrangeiros estão concentrados na região Sudeste. No Rio, trabalham nas comunidades carentes de Vigário Geral, Costa Barros, Barros Filho e Acari, bem como com moradores de rua do centro da cidade. Antes de estabelecerem as atividades que vão desenvolver - pode ser assistência domiciliar ou implantação de posto de saúde - os médicos identificam as necessidades de cada população.

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Atualizado em 10/06/2002
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