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  Guerra e Ciência
Guerra, teoria de jogos e terrorismo

Isaac Epstein

"A guerra é a origem de todas as coisas. e de todas ela é soberana. A uns ela apresenta-os como deuses, a outros, como homens; de uns ela faz escravos de outros, homens livres."
HERÁCLITO, Frag.53, Hipólito



Os saberes sempre estiveram a serviço da guerra; seja desenvolvendo estratégias e táticas, seja inventando objetos e artefatos militares. Os espelhos com que o sábio Arquimedes, diz a história ou a lenda, queimou a frota romana, a "Nova Física" do século XVII, cuja influência da carência de métodos exatos de cálculo das trajetórias dos projéteis dos canhões é inegável, até o projeto Manhatan de construção da primeira bomba atômica, aconselhado por um sábio pacifista, Einstein, para deter a barbárie nazista, são apenas alguns dos inúmeros momentos históricos em que a guerra inspirou o desenvolvimento da ciência e da tecnologia.

Bacon reconhecia na ciência um método de subjugar a natureza e também, em conseqüência, a subjugação do homem pelo homem. Neste sentido precedeu de alguns séculos os autores da Teoria Crítica, especificamente seu herdeiro, Herbert Marcuse.

Desde a antigüidade, muitos filósofos têm sido ambíguos [1] na sua valorização da guerra: negativa, pelo sofrimento causado e positiva na celebração das virtudes marciais dela decorrentes. Apenas recentemente tem sido questionada concretamente a inevitabilidade da guerra e proposta a possibilidade de uma paz permanente [2].

O saber da guerra, das disputas, das batalhas, dos conflitos, dos enganos e astúcias da persuasão e dissuasão, se constitui historicamente num segmento à parte das grandes divisões tradicionais da filosofia e da ciência. No sentido Aristotélico, esse saber seria uma técnica e, como tal, algo superior à experiência, mas inferior à razão. Não obstante essa técnica, ou melhor, técnicas, foram sempre valorizadas estudadas e comentadas devido à freqûencia histórica dos conflitos, guerras e lutas pelas várias formas de hegemonia e domínio.

Com Maquiavel esse segmento da tecnologia do poder teve seu status recuperado a ponto de esse pensador ser considerado, por muitos, como o primeiro filósofo político da modernidade.

O livro clássico Da Guerra (Von Kriege) de Clausewitz (CLAUSEWITZ, 1968) exerceu enorme influência no pensamento militar e político durante e após o século XIX. Clausewitz definia a guerra como "um ato de violência cuja intenção é compelir nosso oponente a realizar nosso desejo". Dentro desta lógica decorria logicamente que cada guerra deveria terminar com a completa vitória de um lado sobre o outro e que a "moderação na guerra é um absurdo" desde que a falha em utilizar toda a força de que se dispõe contradiz o objetivo da guerra.

A importância da obra de Clausewitz é ressaltada no denso estudo que lhe dedica Raymond Aron (ARON, R., 1986). Atualmente muitos autores sublinham a importância das aplicações das novas tecnologias à problemática das estratégias, aspectos psicológicos das estratégias dos conflitos, etc (FAYARD, P., 2000).

Em termos de Teoria de Jogos a guerra seria então um jogo "soma zero", isto é aquele, no qual o que uma parte ganha é precisamente o que a outra perde e vice versa. A Teoria de Jogos, desenvolvida por Von Neumann e Morgenstern (VON NEUMANN, J & MORGENSTERN, O, 1944) para dar conta de problemas econômicos, cedo tornou-se paradigmática para determinadas situações de conflito militar.

A produção de milhares de ogivas nucleares pelas duas superpotências mudou o paradigma clássico da guerra descrito por Clausewitz. Se os dois lados possuem meios, cada qual de liquidar o oponente simultânea e reciprocamente, instala-se uma conjuntura formalmente semelhante à uma situação paradoxal descrita ainda pela Teoria de Jogos com o nome de Dilema do Prisioneiro (EPSTEIN,I, 1995).

A corrida armamentista nuclear, ao contrário de uma corrida armamentista tradicional, não poderia causar a vitória de qualquer das partes, mas a destruição de ambas. Rapoport (RAPOPORT, A., 1969), em plena guerra fria, assume duas alternativas estratégicas para as duas potências que se enfrentavam: a alternativa do desarmamento (X) ou do armamento crescente (Y). A estratégia Y é determinada pelo interesse de cada parte visto o "jogo" como de soma zero e a estratégia X pelo interesse comum. Esta última demanda um fator novo que não existe nos jogos de soma zero: a confiança mútua. Haverá uma possibilidade de se racionalizar a escolha cooperativa? Em outras palavras, é possível racionalizar a confiança mútua? Confiar no oponente significa supor que ele não escolherá a estratégia (Y) e isto é o mesmo que lhe negar a racionalidade da estratégia dos jogos soma zero. De outro lado ser digno de confiança significa descartar a estratégia (Y) em favor da estratégia (X), o que, por sua vez não é um desempenho racional à luz de um jogo de soma zero. O último tratado de desarmamento entre os Estados Unidos e Rússia parece ter mostrado a decisão de ambos os países em dar mais um passo para para superar o dilema do prisioneiro em que estavam envolvidos no momento em que um novo e ameaçador inimigo instaurava um novo tipo de guerra: o terrorismo.

O chamado terrorismo tem se revelado uma técnica de combate eficiente e barata. O atentado às torres de Nova York que causou um prejuízo de cerca de bilhões de dólares custou algumas centenas de milhares de dólares (RUTHVEN, M., 2001). A forte orientação religiosa dos seguidores de Bin Laden, aliada à sua estrutura difusa, torna a organização Al Queda difícil de ser penetrada. A importância do fator religioso como motivação de seus seguidores tem sido ignorada (WILCOX, P.C., 2001). Al Queda tem uma rede organizacional semelhante a uma multinacional cujos braços vão das Filipinas até os Estados Unidos. Um grupo central móvel presidido por Bin Laden formula a política geral e outros comitês subordinados respondem por ações terroristas, interesses comerciais consultoria legal etc. Os seguidores mais pedestres das ordens as seguem cegamente sem mesmo saber como elas se enquadram na estratégia mais global. O ataque de Nova York foi executado com grande proficiência técnica (MAKIYA, M. & MNEIMNEH, H., 2002).

O terrorismo, por sua vez, tem raízes estratégicas numa modalidade de guerra que tem uma longa tradição histórica, a guerrilha (CHALIAND,C., 1990).

A guerrilha opõe a exércitos regulares bem armados e equipados, com uma direção central, grupos dispersos, extremamente móveis e altamente motivados. Esta motivação pode ser a de libertação nacional contra o dominador estrangeiro como ocorreu com os resistentes da segunda guerra mundial, com os vitoriosos vietcongs, com os combatentes da guerra de libertação da Algéria e tantos outros. Os guerrilheiros podem estar também motivados na luta contra governos nacionais ditatoriais, como ocorreu em Cuba, em 1959. Um dos comandantes da guerrilha cubana, Che Guevara, chegou a escrever um livro sobre este tema (GUEVARA, E.C., 1989). Diz Guevara que "frente à rigidez dos métodos clássicos de guerrear, o guerrilheiro inventa sua própria tática e surprende constantemente o inimigo". À enorme superioridade hard (armamento e efetivos) do exército regular, a guerrilha opõe recursos soft de astúcia, uma enorme mobilidade e pequenos efetivos altamente motivados. Antonio Conselheiro, o comandante fanático da guerra dos Canudos, é um belo exemplo dos métodos da guerrilha na descrição dos Sertões de Euclides da Cunha.

O terror desencadeou uma reação mundial e uma dispendiosa operação militar americana no Afganistão de eficácia ainda a comprovar. A contínua ação dos homens (e mulheres) bomba no Estado de Israel parecem comprovar, até o momento, a ineficácia da imensa superioridade armada de Israel sobre os palestinos, na supressão dos homens-bomba. Uma estranha aliança entre o pré moderno das crenças religiosas, em matiz fundamentalista, a extrema juventude ou a formação em disciplinas técnicas, engenheiros e técnicos dos engajados nos atos terroristas compõe a personalidade destes cognominados de "mártires" por um lado e abomináveis "terroristas" por outro. Para se compreender um pouco estas mentes será necessário fugir deste maniqueísmo.

O discurso do presidente Bush, em setembro de 2001, anunciou que os Estados Unidos "não distinguiriam entre os terroristas que cometeram o atentado e os países que os acolheram". Esta declaração que preparava a invasão do Afeganistão vinha em oposição às normas aprovadas pelas Nações Unidas que, no caso de uma agressão, o Conselho de Segurança precisaria autorizar uma resposta armada de uma ou mais nações. As leis de guerra, tradicionalmente sancionadas por convenções internacionais proíbem danos à não combatentes em caso de ações militares. A confusão entre a ação de polícia contra criminosos comuns e o combate militar entre nações inimigas provoca inevitavelmente mortes e danos a civis não combatentes. Foi o que ocorreu no Afganistão e na invasão de Janin na faixa ocidental.

O fanatismo e o ódio suicida dos terroristas islâmicos e sua crença no martírio e até no prêmio divino tornam as ações de retaliação em massa pouco efetivas. O que é capaz de intimidar ou deter um homem-bomba?

As teorias tradicionais das estratégias e táticas dos combates militares têm pouco a dizer ao que parece constituir a principal preocupação militar do século XXI, o terrorismo. O que se necessita com urgência são teorias compreensivas do fenômeno do terror suicida e os fatores que o propiciam. Ainda mais, quando se pensa que cada vez mais é viável a sua posse dos meios de destruição em massa.

Isaac Epstein é engenheiro e pesquisador em filosofia, comunicação e linguagem. É professor do Programa de Pós-graudação em Comunicação da Universidade Metodista de São Paulo.

Bibliografia:

  • ARON, R. (1986). Pensar a Guerra, Clausewitz. Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, Volumes 71 e 72.
  • CHALIAND,G. (org.) (1990). Anthologie Mondiale de la Stratégie, Paris: Robert Laffont.
  • CLAUSEWITZ, C.V. (1968). On War, New York: Penguin Books.
  • EPSTEIN, I. (1995). O dilema do prisioneiro e a ética, Estudos Avançados, 9 (23),149-163.
  • FAYARD, P. (2000). O Jogo da Interação, Caxias do Sul-RS: EDUCS, 2000.
  • GUEVARA, E.C. (1989). La Guerra de Gerrillas, La Habana: Ed. De Ciências Sociales.
  • MAKIYA, M. & MNEIMNEIH,H. (2002, November 17). Manual for a Raid, The New York Review,18-31.
  • RAPOPORT (1969). A Strategy and Conscience, New York: Schocken Books.
  • RUTHVEN, M. (2001, December). Singposts on the road (The terror business). The Times Literary Supplement, 7, 3-4.
  • VON NEUMANN, J. & MORGENSTERN, O. (1944). Theory of Games and Economic Behavior. John Wiley & Sons.
  • WILCOX, P. C. Jr (2001 September 19). The Terror, The New York Review, 4.


  • Notas
    1. Platão, por exemplo, via os dois lados da guerra se bem que não lhes dava o mesmo peso. Kant, embora vendo a paz permanente como o ideal e objetivo da lei moral, isto não o impedia de dizer que "a paz prolongada favorece o predomínio de um espírito meramente comercial e com isto o desenvolvimento do egoísmo e a covardia cuja tendência seria a degradação da nação". Hegel não era nem ambivalente, pois considerava a guerra como um corretivo para a corrosiva influência da paz. [voltar]
    2. Foi necessária a primeira guerra mundial, com seus milhões de mortos, aleijados e feridos para que a humanidade despertasse em direção a um projeto capaz de dirimir os conflitos, evitando as guerras: a Liga das Nações. Sabe-mos dos resultados de sua ineficácia: uma guerra ainda mais feroz e sangrenta. Mais uma tentativa, a Organização das Nações Unidas cuja eficácia se limita, quando muito, a guerras locais. A terceira guerra mundial, afinal, só foi evitada devido ao enorme poder de aniquilação de cada super potência.[voltar]
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    Atualizado em 10/06/2002
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