Robótica,
principais
tendências e direções
Luiz
Marcos Garcia Gonçalves
Neste artigo,
apresentamos alguns conceitos
em robótica, bem como um pouco da sua história
(recente) no Brasil e sua crescente popularidade conseguida pelos
pesquisadores e estudantes, principalmente com as
competições. Colocamos ainda como foi iniciado o
modelo de integração da linha, conseguido pela
comunidade atuante no Brasil, e o reconhecimento alcançado
junto a entidades internacionais, através de
ações dos pesquisadores ligados à
área.
A
robótica é uma
área de pesquisa interdisciplinar, por natureza. Pode-se
afirmar, a grosso modo, que ela emprega ferramentas, metodologias e
tecnologias inerentes a grandes áreas como a engenharia
mecânica, engenharia mecatrônica (com
história também recente e poucos cursos no
Brasil), engenharia elétrica e eletrônica e
engenharia de computação. A robótica
utiliza-se de conceitos teóricos de grandes áreas
como matemática, física, química,
biologia, até educação, e busca
também muita inspiração em
áreas mais centradas no entendimento do cérebro e
do corpo humano como neurologia, fisiologia e psicologia. Assim,
poderia-se concluir facilmente que um bom roboticista necessitaria
realizar, como base de seus estudos, graduação em
uma gama ou em quase todas as áreas acima. Felizmente, cada
pesquisador trabalha em uma especialidade. É comum em um
laboratório de robótica experimental encontrar-se
partes de um robô espalhadas, como se fossem partes de um
corpo humano sendo estudadas separadamente, e que, no conjunto,
formariam o robô como um todo. Ainda, laboratórios
diferentes atacam partes diferentes, como movimentos,
inteligência, visão, etc.
Mas, seria interessante,
antes de tudo, entender o conceito do que seja um robô e a própria
robótica, para a comunidade de cientistas da especialidade (usamos
o jargão carinhoso de roboticistas para designá-los), para depois
traçarmos o rumo desta área no Brasil. Há várias
definições contrastantes, desde os primórdios em que
Asimov usou a palavra tcheca robota, que significa trabalhador forçado
(ou aquele que trabalha sem receber remuneração), para designar
os seus personagens de ficção, seres mecânicos, até
conceitos mais coerentes encontrados atualmente, por exemplo, na página
da Wikipedia: “Em
uso prático, um robô é um dispositivo autônomo ou
semi-autônomo que executa suas tarefas controlados diretamente por seres
humanos, ou ainda parcialmente controlados, sob a supervisão humana,
ou ainda de forma completamente autônoma”. Robôs podem ser
ainda móveis (com pernas ou rodas) ou montados sobre bases, tipicamente
com características de manipuladores. Aplicações envolvendo
robôs móveis em ambientes dinâmicos são as mais
interessantes, exigindo um sistema robusto e versátil capaz de manter-se
operacional diante de mudanças imprevisíveis na estrutura desses
ambientes. Esse tipo de sistema deve possuir mecanismos de controle que, sistematicamente,
adaptam os robôs às novas situações encontradas.
Várias arquiteturas foram propostas na literatura a respeito, como
por exemplo a arquitetura subsumption, de Rodney Brooks (MIT).
Finalmente, uma distinção deve ser feita entre os termos robótica
e automação. Nos desejos, talvez ainda um pouco distantes, dos
roboticistas e da Inteligência Artificial, na robótica estaria
a capacidade de um robô ser um ser inteligente, capaz de interagir com
o seu ambiente e com outros seres, tomando decisões de forma autônoma,
enquanto que a automação visa repassar à máquinas
tarefas que são ou que outrora foram executadas por seres humanos,
visando industrialização em massa. Uma vez entendidos os conceitos
básicos do que seja a robótica e os robôs para os roboticistas,
passemos à sua história (rápida) e prospecção
recente no Brasil.
Afora aplicações
práticas com o uso de manipuladores e sistemas de automatização
em fábricas e montadoras (não devem estes ser confundidos com
robôs), pesquisas em robótica são recentes, principalmente
no tocante à percepção e inteligência, visando
reação. Pode-se estabelecer a década de 90 como o marco
inicial da integração da área não somente no Brasil,
mas também no mundo. Pode-se dizer que o advento dos computadores possibilitou
a realização de operações em tempo real, principalmente
na área de sensores (visão robótica). Com isso, começou
também a se delinear a atual comunidade atuante em robótica
no Brasil. Pode-se encontrar pesquisadores em robótica espalhados por,
basicamente, três grandes áreas (ou sociedades), a Sociedade
Brasileira de Computação (SBC), a Sociedade Brasileira de Automática
(SBA) e a Associação Brasileira de Engenharia e Ciências
Mecânicas (ABCM). Obviamente, os interesses e tópicos de pesquisa
são diferentes, mas de algum modo podemos dizer que convergem para
um núcleo comum, visando operacionalizar o mesmo produto, ao final
da pesquisa: o robô.
Ainda na
década de 1990,
vislumbrou-se na robótica uma área
interessantíssima de pesquisa e as maneiras encontradas para
imprimir um ritmo melhor à área foram
através de disseminações em congressos
científicos e de competições de
robótica. Em meados da década de 90, alguns
pesquisadores visionaram a possibilidade de montar times de
robôs para competições internacionais,
muitos dos quais desestimularam ou desistiram das
competições e atualmente atuam em outras
sub-áreas ligadas à robótica. Tivemos
na década de 90, o primeiro campeonato brasileiro de futebol
de robôs. Ainda, obtivemos colocação
honrosa em campeonato mundial. No tocante a eventos
científicos, grandes eventos como o Cobem (Engenharia
Mecânica), o CBA (Automática) e o Sbia/Enia
(Computação) começaram a ceder
espaço para publicações na
área. Surgiu o Simpósio Brasileiro de
Automação Inteligente, com muitos artigos em
robótica, e realizou-se o Workshop de Robótica
Inteligente, em Brasília (única
edição). Ainda, surgiram vários cursos
de engenharia de computação, mais voltados
à hardware, bem como engenharia mecatrônica, e
manutenção e melhoria nos cursos de engenharia
elétrica e mecânica, que, todos juntos,
possibilitaram avanços sensíveis no tocante
à disponibilização de recursos humanos
para pesquisa na área de robótica no Brasil.
Mas foi mesmo a
partir de 2000 que a
área se organizou de vez e começou a crescer nas
três sociedades. Em 2001, ocorreu na Unicamp a primeira
“Guerra de robôs”, que na verdade
trata-se de manipulação de veículos (e
não de robôs na sua essência) via
controle remoto, visando a destruição uns dos
outros. O vencedor seria aquele que ficasse operacional por mais tempo.
Apesar de aparentemente grotesca do ponto de vista social e humano e de
caráter mais tecnológico, do ponto de vista dos
roboticistas, pode-se dizer que esta demonstração
de força iniciou novamente a era das
competições. Por outro lado, os eventos
científicos aumentaram ainda mais o seu espaço
para disseminações na área de robótica. No
CSBC, em Fortaleza, 2001, houve um minicurso de
robótica (lotado) e as sessões do Enia relativas
ao tópico também lotaram as salas. No CBA, em
Natal, em 2002, houve cerca de 90 artigos apresentados na
área, bem como um mini-curso cheio. Em 2003, num pioneirismo
entre pesquisadores da SBC e SBA, foi realizada a Primeira
Competição IEEE Brasileira de Robótica
para Estudantes juntamente com a sua versão latino americana
(em sua segunda edição) junto com o Sbai, em
Bauru. Foi um sucesso de público e
participação, com times da Argentina,
México, Chile e Brasil. No ano seguinte (2004), a mesma
competição (apenas a versão nacional)
foi realizada junto com o Congresso da Sociedade Brasileira de
Computação, em Salvador, estreitando ainda mais
os laços entre as duas sociedades. A versão
latino americana foi realizada no México, com equipes
representando o Brasil. Ainda, em 2004, foi um marco pioneiro do
Comitê Gestor o contato com a Federação
Robocup Mundial (Futebol de Robôs) e a conseqüente
realização da Primeira Robocup Brasil. Foi
também realizado em Salvador (2004) o primeiro Encontro de
Robótica Inteligente da SBC, com salas lotadas novamente,
que deve se repetir em 2006, em Campo Grande, MS. Em 2005,
recentemente, em setembro, realizou-se no SBAI, em São Luis,
a IV Competição IEEE Latino Americana juntamente
com a Robocup Latino Americana Open
e com mais
publicações na área de
robótica que na versão anterior do
próprio SBAI. Neste mesmo ano, contamos ainda com o apoio da
IEEE para o evento científico relacionado (SBAI/LARS).
Convém ressaltar que as competições
citadas são apoiadas, além da SBC e SBA,
também pela IEEE Latino Americana (R/9), principalmente
através do seu Conselho
de Robótica e pela
Robocup Federation. A “guerra de robôs”
continua ainda atualmente, tendo sido, em 2005, apoiada pela IEEE
seção Bahia, porém como uma
minimização do seu caráter de
“Guerra”, mesmo porque já vivemos num
mundo tão conturbado que não faz sentido dois
robôs promoverem agressão um ao outro. Como
já ocorreu em 2005, na sua versão realizada em
Salvador, também para as próximas
edições, a idéia é que ela
se torne uma espécie de olimpíada
tecnológica, incluindo palestras e seminários,
com um caráter também mais científico
e técnico.
Em 2005,
iniciou-se discussão
entre os pesquisadores do grupos atuantes na SBC e na SBA
(paralelamente) visando a criação de
Comissões (ou Comitês) Especiais de
Robótica naquelas Sociedades. O da SBA foi aprovado
recentemente e o da SBC ainda aguarda decisão do seu Conselho e
Diretoria. Com a criação destes
comitês, a tendência é a área
se fortalecer ainda mais como inter-disciplinar, mas havendo sempre uma
integração muito boa entre os pesquisadores de
robótica mesmo que atuem em sociedades diferentes. Assim,
além dos comitês manterem o caráter
interdisciplinar, uma necessidade para a pesquisa nos dias atuais,
principalmente em robótica, valendo destacar que este
esforço é uma realização
conjunta de toda a comunidade que atua em robótica e possui
o intuito de agregar a comunidade e fomentar novas pesquisas,
permitindo ao mesmo tempo que os pesquisadores possam escolher pela
Sociedade na qual desejarem ter uma atuação maior.
Convém
ressaltar que a robótica, segundo estudos realizados no
Japão e
EUA, deve ser uma das 10 linhas de pesquisa com mais trabalhos, a
nível mundial, nas próximas décadas.
Como citado anteriormente, o avanço tecnológico
tem permitido a realização de cálculos
computacionais necessários em tempo real, e este fato tem
possibilitado que novas descobertas e aplicações
possam ser feitas em sistemas de robótica, tornando essa
área uma fonte quase que inesgotável de pesquisa.
Assim, com a criação das Comissões (ou
Comitês) dentro das sociedades, está sendo
iniciado um trabalho que visa inovação
científica e tecnológica, portanto assegurando a
continuidade da linha no Brasil. A robótica exerce uma
substancial fascinação sobre nossos estudantes e
pesquisadores, atraindo pessoas e adeptos, permitindo, portanto, a
divulgação da ciência à
comunidade. Isso vem crescendo atualmente e pôde ser notado
nos últimos 4 anos em todas as
competições e congressos em que
robótica era um dos temas de pesquisa.
Temos atualmente
pesquisadores brasileiros
como membros do Conselho IEEE Latino Americano de Robótica,
bem como do Conselho Robocup Latino Americano, recém criado,
com sua primeira reunião ocorrida em São Luis, em
setembro de 2005. Assim, criação dos dois
Comitês Técnicos de Robótica, dentro
das Sociedades e dos Conselhos latino americanos, com a
participação de vários brasileiros,
visa fomentar a área na América Latina.
Convém ressaltar que as competições e
apresentações de trabalhos das equipes trazem
centenas de participantes e assistentes aos congressos associados, como
pôde ser verificado nos últimos anos,
além dessas competições
possuírem um caráter científico, onde
tarefas visando um certo grau de autonomia e raciocínio
são propostas aos robôs. Ainda, é um
importante meio de divulgação da ciência, um dos
objetivos de todos os pesquisadores.
Há
indicativos de que a robótica, como grande área de
pesquisa,
reconhecida pelo CNPq e outros órgãos de fomento
já é uma idéia que pode ser
trabalhada, aos poucos, dentro das Sociedades. Muito há que
se discutir em prol ou não da decisão por
formação de uma Sociedade própria,
não sendo este o objetivo imediato da comunidade, mas sim
parece que a idéia é trabalhar para aumentar o
número de pesquisas em robótica no Brasil e
desmistificar a idéia negativa que a robótica
tinha antes (tirador de empregos), quando era confundida com a
própria automação.
Luiz
Marcos Garcia Gonçalves é professor do
Departamento de Engenharia de Computação e
Automação da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte.