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Robôs trabalham. Sobram operários

Nas utopias de um mundo do futuro é freqüente a imagem de uma fábrica em que só os robôs trabalham. Ao mesmo tempo em que essa visão do futuro traz a idéia de “folga” no trabalho, na realidade, temos dois caminhos que se contradizem e se complementam. Ao mesmo tempo em que cresce a capacidade produtiva, cresce também o desemprego. Assim, as máquinas substituem os homens no processo produtivo, mas os beneficiados são os donos do capital constante. A divisão entre capital constante e capital variável é importante para uma análise do sistema capitalista. O capital constante são os fixos no território, os meios de produção, isto é, as fábricas, as máquinas. Já o capital variável é a parte do capital a ser investido na compra da força de trabalho – para se pagar o salário do trabalhador. Essa questão, no entanto, não é nova. Parte desse problema já foi abordado pelo filósofo alemão Karl Marx [1818 - 1883] em sua obra mais importante, O capital. O conhecimento que Marx produziu sobre a natureza de exploração capitalista é um dos caminhos para se entender o período atual.

De acordo com Raul Luis Assunpção Bastos, da Fundação de Economia e Estatística de Porto Alegre (RS), a teoria de Marx se mantém relevante no presente. Para ele, quando Marx trata do processo de acumulação de capital e de seus efeitos sobre o mercado de trabalho - em particular em um contexto de elevação da composição orgânica do capital, que expressa a relação entre o capital constante e o capital variável – ou seja, a reprodução capitalista como um processo social, historicamente determinado e mediado por relações conflituosas - ele está abordando, “a difusão do progresso técnico e a maior tecnificação dos processos produtivos, que tornam parte da população trabalhadora um excedente de mão-de-obra ou, de acordo com suas categorias [de Marx], uma superpopulação relativa”, explica Bastos.

O período atual parece ser perverso para alguns e libertador para outros. Ao mesmo tempo em que aumentam relativamente as funções técnicas e que requerem menor esforço físico, as possibilidades de emprego para uma parcela grande da população ficam mais reduzidas. O período atual, que o geógrafo Milton Santos denominou "meio técnico científico-informacional" é marcado pela rapidez do avanço tecnológico e pelo aumento na racionalização da produção, com efeitos importantes sobre o emprego. Com os novos processos produtivos é possível uma menor quantidade de trabalho humano por produto fabricado. Atualmente, teríamos ainda um acelerado desenvolvimento tecnológico que transforma a relação sociedade-espaço, causando alterações na paisagem que denotam uma “artificialização do planeta”.

Marx e a contemporaneidade

Marx, na tarefa de entender a submissão do trabalho ao capital e as transformações nas relações sociais de produção, utiliza dois conceitos para explicar ao que chamou de “subsunção do trabalho ao capital”. Num primeiro momento, ele explica essa relação por meio da subsunção formal do trabalho ao capital, para depois expor a subsunção real do trabalho ao capital. O trabalho é formalmente subsumido (incluído, tornado parte) ao capital quando há uma primeira transformação nas relações sociais de produção, quando o artesão passa a ser um proletário. Apesar das transformações no processo produtivo e de uma nova configuração espacial terem surgido com as fábricas, o trabalhador ainda tinha a capacidade de conhecer todos os caminhos da fabricação do produto, mesmo estando submetido, ou seja, mesmo vendendo sua força de trabalho ao capitalista. A subsunção passa a ser real com o advento da primeira Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII. Nesse momento, de acordo com Marx, está completo o processo do conhecimento técnico, que foi transferido do trabalhador para o sistema de máquinas. Essa transferência de conhecimento torna o trabalhador subordinado ao capitalista e, ao mesmo tempo, à máquina. O conhecimento se torna segmentado e o operário não conhece mais o processo produtivo por completo.

Para a professora do Instituto de Economia da Unicamp, Márcia de Paula Leite, a análise marxista não explica totalmente a complexidade do período atual. Para ela, agora estamos vivendo em um período em que a indústria está mais desenvolvida. “Há uma mudança no paradigma tecnológico no interior da fábrica, ou seja, não é uma passagem da produção não-industrial para uma industrial, mas há um processo de substituição de máquinas, isto é, passamos do domínio de uma tecnologia eletro-mecânica para um domínio da tecnologia micro-eletrônica”. Para Paula Leite, no interior dessas novas relações sociais de produção fica muito difícil acreditar que o avanço tecnológico implicaria em diminuição da jornada de trabalho para a humanidade. “O avanço tecnológico tem um potencial libertador, mas ele precisa ser inserido em novas relações sociais e novas relações de trabalho”. Ela acredita que as pessoas não trabalham menos porque o capital resiste em diminuir a jornada de trabalho e, assim, esse potencial libertador tecnológico não consegue desenvolver seu papel.

Além dos dois pontos citados pela pesquisadora - a resistência em diminuir a jornada de trabalho e o avanço tecnológico -, ela ainda destaca um terceiro fator responsável pelo desemprego na sociedade atual: a estagnação econômica brasileira. De acordo com ela, a política macroeconômica do governo inibe o processo de crescimento. “Você tem a introdução de uma tecnologia altamente produtiva num contexto de relações sociais e relações entre o capital e o trabalho onde a economia não cresce ou cresce a taxas muito baixas”.

Márcia Leite, que faz parte do grupo de pesquisa “Novas institucionalidades e negociação das relações de trabalho”, diz que o Brasil vai crescer em 2005 menos que a taxa média da economia mundial ou seja, “está crescendo menos do que seria possível”, critica. Para ela, a substituição do trabalhador pela máquina não é o único problema. “Já tivemos outros momentos de revolução tecnológica que criaram desemprego. Essa trajetória de uma economia que cresce muito pouco se perpetua há duas décadas e meia. Desde os anos 1980 que o Brasil não cresce a taxas significativas”, explica.

Os efeitos do avanço tecnológico no emprego podem ser combatidos de diversas formas. De acordo com Raul Bastos, uma das formas seria o crescimento econômico, pois este gera emprego e a outra é a redução da jornada de trabalho. “Creio também que o processo de globalização traz implicações sobre o emprego, pois na medida em que as economias se tornam mais abertas, acirra a concorrência e colocam-se novos parâmetros de competitividade para as empresas. O que acontece é que os setores que estão mais envolvidos com competitividade internacional são os mais afetados”. Bastos lembra que com exceção de alguns países da Ásia, o resto do mundo está num período modesto de crescimento e, portanto, há um agravamento dos problemas de desemprego.

A pesquisadora da Unicamp lembra ainda que é incorreto atribuir o desemprego ao despreparo do trabalhador em lidar com as novas tecnologias. Ao aceitar essa proposição, fica subentendido que há uma perfeita adequação entre a quantidade de empregos disponíveis e a população economicamente ativa (PEA), o que “Ao meu ver isso é uma falácia, pois essa relação não existe”, destaca. E continua, “a partir dessa visão poderíamos pensar que há desempregados porque eles não conseguem ocupar os postos de trabalho por falta de qualificação. Mas as pessoas estão desempregadas não por falta de qualificação e sim porque não existe emprego para todos. Há uma desestruturação do mercado de trabalho”, finaliza.

(AG)

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Atualizado em 10/10/2005

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