Próteses aproximam
homem de robô
A interação
homem-máquina que tem povoado o imaginário,
no cinema e na literatura de ficção, é um tema amplamente
discutido e pesquisado há alguns anos pelas mais variadas áreas
do saber, da filosofia e ciências humanas, à engenharia, ortopedia
e neurologia. Há seis anos, Nicholas Negroponte, do Laboratório
de Mídia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em
Inglês), já afirmava que existiam mais robôs do que pessoas,
considerando a automação das fábricas e o comportamento
robótico de máquinas, como por exemplo, os elevadores que param
de fechar, conforme a mão se aproxima das portas. Em sua coluna para
o jornal Folha de S. Paulo, em 1999,
Negroponte ainda complementou: “Há quem diga que deficientes físicos,
que têm braços, pernas ou outros membros artificiais no corpo,
são cyborgs”.
O termo cyborg é freqüentemente
atribuído a um texto de Manfred Clynes, de 1960, que mesclava as palavras
cybernetic e organism, para designar a mistura do orgânico
com o maquínico, ou a engenharia da união entre sistemas orgânicos
separados. As próteses de fato promovem essa mistura homem-máquina,
hoje em um nível muito mais elaborado do que quando o termo foi cunhado.
Edmilson
Takehiro Takata, chefe do setor de quadril, da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), explica que a evolução das
próteses de articulações vem num crescente desde
as décadas de 50 e 60, quando o cirurgião inglês
John Charnley escreveu um livro clássico na abordagem
não-cirúrgica das fraturas. Desde então, as
próteses desenvolveram-se principalmente em virtude de pesquisas
de novos materiais, com menor capacidade de desgaste e oferecem maior
biocompatibilidade, ou seja, provocam menor rejeição do
organismo e menos efeitos deletérios.
Takata explica
que, apesar das pesquisas nacionais, a oferta da indústria
brasileira se concentra no polietileno como material para as
próteses, e na cerâmica e no metal, materiais mais
investigados atualmente para superfície das próteses.
Segundo ele, esses novos materiais necessitam de alta tecnologia para
serem desenvolvidos, a qual o país não domina. “A
pesquisa também depende da oferta de materiais das
multinacionais, que muitas vezes oferecem cursos, treinamento e doam
esses materiais”, diz Takata.
Com
relação às próteses externas, como de
mãos, braços ou pernas, o chefe do setor de quadril da
Unifesp diz que inicialmente tinham função apenas
estética, e que hoje já permitem movimentos
proporcionados, por exemplo, por impulsos elétricos provenientes
dos músculos da parte do corpo que se liga à
prótese, mas a maior parte dessas próteses também
é importada. Takata acredita que o desenvolvimento das
próteses em países do primeiro mundo pode estar
relacionado à ocorrência das Grandes Guerras, e faz uma
ressalva: “nós aqui (no Brasil) temos mais casos de
atropelamento e acidentes automobilísticos, mas também
há relatos de casos de pacientes que chegam ao hospital em
condições que lembram as de uma guerra civil, por
exemplo, de confrontos no Rio de Janeiro”.
Fransérgio
Leite da Cunha, atual coordenador do curso de mecatrônica da
Universidade Centro Leste, desenvolveu em seu doutorado um
protótipo de prótese de mão eletrônica junto
ao Laboratório de Biocibernética e Engenharia de
Reabilitação (Labciber), da Escola de Engenharia de
São Carlos (EESC) da USP. Conhecida como “Mão de
São Carlos", a prótese, que continua sendo desenvolvida
sob orientação do engenheiro biomédico Alberto
Cliquet, pode captar sinais elétricos dos músculos do
usuário e interpretá-los, para então se
movimentar. Uma das grandes inovações do Labciber
é que a prótese de mão pode ser programada para
reconhecer esses sinais do usuário, em outras palavras, a
prótese é um robô que pode ser programado e
encaixado em um braço parcialmente amputado. Assim, enquanto nos
casos de próteses convencionais, a pessoa freqüentemente
precisava receber um treinamento para poder comandá-las, no caso
da Mão de São Carlos, é como se o aparelho
recebesse esse treinamento para responder aos comandos do
usuário. Cunha explica que isso não exime o paciente de
receber treinamento, mas nesse caso a adaptação é
muito mais fácil. Além disso, as características
externas da prótese são bastante próximas das
humanas, além de possuir sensores de temperatura e
pressão, que transmitem essas sensações
táteis ao portador.
A aliança
entre computação, medicina, engenharia e desenvolvimento
de materiais é responsável por pesquisas como essa. Na
área de neurologia, Miguel Nicolelis, ligado ao Instituto
Internacional de Neurociências (em construção no
Rio Grande do Norte) e à Universidade de Duke, na Carolina do
Norte (EUA), divulgou no ano passado um trabalho na revista Neurosurgery em que sinaliza que o
homem, a exemplo do que foi demonstrado concretamente em macacos na sua
pesquisa, também pode, em tese, controlar robôs e
próteses por meio da atividade elétrica de seus
neurônios.
Laboratórios
nos Estados Unidos e na Europa já fabricam próteses de
alta tecnologia semelhantes às da Mão de São
Carlos. Um exemplo é o novo modelo de prótese de
mão criado na Universidade Southampton (Inglaterra), pela equipe
de Paul Chappell . O modelo recentemente divulgado
utiliza seis motores e um sistema de engrenagens que permite a
movimentação independente dos dedos, proporcionada por
estímulos mioelétricos, ou seja, estímulos
elétricos gerados quando o músculo se contrai.
crédito:
divulgação
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Uma
geração precedente da Mão de Southampton (A
previous generation of Southampton Hand)
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Já no projeto ArteSImit (Artefact Structural Learning through Imitation),
da Universidade de Munique (Alemanha), que visa desenvolver um robô com
capacidade de aprender comportamentos através da imitação
do ser humano, o movimento da prótese é proporcionado pela “aprendizagem
da máquina”. Trata-se de um braço robótico
no qual todo o sistema de controle deverá ter como base os sistemas nervosos
biológicos. De acordo com a divulgação feita pela revista
Inovação Tecnológica, há
um sistema visual-motor (uma câmera digital) na prótese, que funciona
a partir da observação do ambiente e do reconhecimento dos gestos
do instrutor, a partir de um banco de dados pré-definido de gestos, para
tomar as decisões necessárias para imitar esses gestos. Assim,
esse sistema identifica a seqüência apropriada de movimentos necessários
para acionar os dedos, a mão e o braço robóticos. São
cenários e pesquisas como essas que fazem emergir a idéia presente
entre muitos cientistas de que as máquinas não apenas poderão
copiar movimentos humanos, como aprimorá-los, conformando uma nova relação
entre homem e máquina.
Em entrevista ao
Jornal da Unifesp, Walter
Manna Albertoni, médico da área de ortopedia e
traumatologia e atual pró-reitor de extensão da Unifesp,
afirma que em certa medida a imagem de seres humanos robotizados
já é uma realidade. Numa descrição que
dá a dimensão dessa mistura homem-máquina na
atualidade, ele disse: “Cheguei a observar no Japão, em
uma grande fábrica, um indivíduo que tinha uma
amputação de mão. Ele tinha uma prótese de
mão ligada a um eletrodo comandado por sua musculatura. Quando
ia fazer seu trabalho, ele tinha a mão normal de um lado e uma
auxiliar, do outro, usada como pinça. Ele movimentava o ombro e
os dedos respondiam segurando o objeto que ele queria. Com a outra
mão ele tinha a precisão. Ele usava essa prótese
especial, inteligente, robotizada, exclusivamente na prancha de
trabalho. Quando saía da fábrica, guardava-a no
armário”.
Diferentes maneiras de encarar a prótese
Apesar desse cenário,
nem sempre “próteses” são entendidas da mesma forma.
Lucila Santarosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo
subdivide as próteses em físicas e mentais dependendo do uso da
tecnologia. Segundo ela, as próteses físicas são os conjuntos
de dispositivos e procedimentos que têm por objetivo o desempenho de funções
que o corpo não pode ou tem dificuldades de executar devido a uma deficiência.
Por outro lado, próteses mentais, uma metáfora, são intervenções
da tecnologia que objetivam o desenvolvimento cognitivo, sócio-afetivo
e de comunicação. “Utilizamos a expressão como metáfora
da intervenção da tecnologia funcionando como a implantação
de um chip, que mobiliza estruturas cognitivas”.
Segundo
Santarosa, a evolução da humanidade modifica sua cultura
e os modos de cognição, e hoje é afetada pelas
tecnologias em desenvolvimento. Assim, a interação com a
tecnologia é entendida como prótese mental, o que amplia
o conceito de prótese e da própria relação
homem-máquina. De acordo com ela, são consideradas como
próteses mentais as tecnologias que oferecem
interação e mobilizam processos de desenvolvimento
cognitivo. “No trabalho que desenvolvemos com educação especial no
Núcleo de Pesquisa Informática na Educação
Especial (Niee), a tecnologia é trabalhada nessa perspectiva de
desenvolvimento da cognição”, explica ela.
Santarosa afirma
que desde a metade da década de 1980, desenvolve-se no Brasil
uma série de pesquisas e projetos na área de tecnologias
voltadas para deficientes visuais ou auditivos, e para a
educação especial como um todo. Apesar disso, ela detecta
um desinteresse da indústria nacional no desenvolvimento dos
equipamentos necessários.
(MK)
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