Em
busca do senso comum
Imagine
o seguinte diálogo. “Preciso ir ao banco mas estou aguardando
uma visita importante de um amigo, o Eduardo”. “Pode ir, eu aviso
a ele que você saiu mas não vai demorar mais que 20 minutos”.
Pesquisadores da área de ciência da computação
e inteligência artificial, de várias partes do mundo, querem
tornar um diálogo parecido com esse, possível, mas não
entre duas pessoas e sim entre uma pessoa e uma máquina. Para tanto
é necessário que esta última compartilhe noções
consideradas como “senso comum”. O termo se refere a reações
e opiniões sobre fatos do cotidiano sobre os quais as pessoas tendem
a não pensar muito. Pesquisas na área computacional concluíram
que o que faz um computador parecer tão pouco inteligente em relação
às tarefas corriqueiras e diárias é exatamente o fato
deles não possuírem um senso comum. Esse é o principal
objetivo do Open Mind Common Sense: ensinar às máquinas esse
tipo de pensamento fazendo com elas reajam a situações do cotidiano.
“Quando
falamos em dar senso comum aos computadores, estamos falando de dois problemas
distintos: dar aos computadores o conhecimento de senso comum e torná-los
capazes de raciocinar com senso comum. O primeiro problema está relacionado
à base de dados propriamente dita, ou seja, através dela provemos
o computador dos milhões de fatos de senso comum que possuímos.
O segundo problema relaciona-se às formas com as quais os sistemas
com senso comum trabalharão esses fatos. Essas formas de trabalho utilizam
técnicas computacionais, principalmente da área de Inteligência
Artificial como inferência, analogia etc”, afirma o grupo Open
Mind Commom Sense no Brasil ligado ao Laboratório de Interação
Avançada (LIA) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
O
Open Mind é um projeto desenvolvido, desde setembro de 2000, pelo Laboratório
de Mídias do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT, sigla em
inglês), nos Estados Unidos. Sua base de dados sobre o cotidiano já
contabiliza 750 mil fatos. A versão brasileira, que entrou no ar no
final de maio deste ano, através de uma parceria entre o MIT e o LIA
da UFSCar, conta com 64 mil fatos.
O
site
Open Mind Common Sense visa a obtenção de fatos relativos ao
senso comum para serem armazenados num banco de dados. Qualquer usuário
da Internet pode acessá-lo, cadastrar-se e começar a contribuir,
respondendo às perguntas que surgem na tela. Por se tratar de pequenos
detalhes do dia-a-dia é que a participação de milhares
de pessoas do mundo todo é fundamental para a constituição
do banco de dados. Os fatos fornecidos pelos usuários são usados
para retroalimentar o sistema através da composição de
novas frases que serão usadas na obtenção de novos dados.
A intenção
do projeto é a de explorar os limites da interatividade entre máquinas
e humanos, fazendo com que se torne possível conversar com um computador
(ou um celular ou um eletrodoméstico) e explicar um determinado problema,
para que ele o resolva da melhor maneira possível: “você
vai passar férias na China e acaba caindo de uma bicicleta. Quer ir
ao hospital e, em vez de ter que procurar em um dicionário várias
palavras até conseguir dizer ‘hospital’, digitando apenas
‘acidente’ (em português) o computador lhe fornecerá
todas as frases em chinês que você precisa saber nesse contexto”.
Apesar de ser um exemplo simples, os pesquisadores do LIA, em entrevista concedida
coletivamente, lembram que, do ponto de vista da computação,
isso exige um certo esforço da máquina. “O começo
de tudo isso é ter uma base de dados com fatos que a maioria das pessoas
têm como de senso comum, por exemplo ‘se você sofreu um
acidente deve ir ao hospital’”.
Mais
uma vez os limites entre a realidade e a ficção científica
parecem estreitos e para quem imagina que esse tipo de aplicação
faz parte de um futuro distante basta observar a aplicação do
Open Mind Common Sense em andamento na área da robótica:
através de uma parceria com o MIT, a empresa Honda está utilizando
uma base Open Mind para o treinamento de robôs.
O projeto,
intitulado Open
Mind Indoor Common Sense, tem como objetivo coletar dados específicos
para serem utilizados na instrução de robôs voltados para
tarefas domésticas. Ao completar sentenças como Uma faca
é usada para ...; Um computador está desligado quando a ...
é ...; Uma sala na qual você geralmente encontra uma mesa de
jantar é para...; o usuário colabora com o banco de dados
especificamente criado para o treinamento dos robôs. “O foco do
website, voltado para o ambiente da casa e para atividades domésticas,
levou à obtenção de dados úteis para um robô
antecipar desejos, entender causalidade e interagir com objetos”, afirmam
Mykel J. Kochenderfer e Rakesh Gupta, do Instituto de Pesquisa da Honda na
Califórnia, nos Estados Unidos.
No
caso brasileiro, um dos objetivos da equipe da UFSCar, responsável
pelo Open Mind Common Sense no Brasil, é desenvolver programas voltados
para a educação, auxiliando, por exemplo, um aluno, numa busca
sobre um determinado assunto. “Temos a possibilidade de desenvolver
agentes inteligentes que utilizem os fatos Common Sense da base
Open Mind para sugerir material relevante considerando o contexto no
qual o aluno estiver estudando. Por exemplo, se o aluno tem interesse em florestas
tropicais, o agente pode sugerir material sobre a Mata Atlântica”,
afirmam os pesquisadores. Nesse caso, portanto, o computador poderia oferecer
material de acordo com o perfil do usuário. “Se o aluno é
do ensino fundamental receberá informações básicas
de acordo com o que se espera aprender nesse nível escolar. Se for
um aluno de universidade, ele poderá receber informações
mais apropriadas para o terceiro grau” lembra Junia Coutinho Anacleto
Silva, coordenadora do Open Mind Common Sense no Brasil, e seus colegas da
UFSCar.
Visão
computacional
Se
o principal objetivo do Open Mind Common Sense é incrementar a interatividade,
conferindo uma identidade mais “humana” aos computadores para
que eles possam interagir melhor com seus usuários, o que dizer de
uma máquina que seja capaz de reconhecer a identidade das pessoas ao
“olhar” para os seus rostos?
A tridimensionalidade
captada pelo olho humano já se faz presente na inteligência artificial
através do Sistema Óptico de Reconhecimento de Face (Sorface).
“O projeto foi feito todo em português, financiado pelo CNPq e
desenvolvido por pesquisadores brasileiros” afirma Jorge Muniz Barreto,
professor titular do Departamento de Informática e Estatística
da Universidade Federal de Santa Catarina e diretor do Laboratório
de Conexionismo e Ciências Cognitivas (L3C). Barreto foi o coordenador
do projeto e faz questão de lembrar que a palavra Sorface é
apenas a abreviação do nome do projeto, sem nenhuma referência
à palavra surface (superfície em inglês).
A
inspiração para o Sorface veio da própria natureza, especificamente
dos peixes abissais, espécies que habitam o oceano a 4 mil metros de
profundidade, onde a luz do sol não chega e que, por isso, precisam
produzir sua própria luz. Esses peixes possuem um tipo de pedúnculo
luminoso, parecido com uma pequena lâmpada na ponta de uma antena, localizado
bem acima dos olhos e repleto de veias e artérias. Esses vasos sanguíneos
filtram a luz produzida pelo pedúnculo e projetam sombras sobre o que
está ao redor dos peixes, permitindo, assim, que eles identifiquem,
através do volume, se se tratam de pequenas presas ou de predadores
maiores. A sombra é traduzida em volume e, dessa forma, é que
os peixes abissais conseguem “enxergar” no escuro do oceano.
A equipe
em torno do Sorface se inspirou, num primeiro momento, no modo de enxergar
desses peixes para criar uma tecnologia que utiliza um método óptico
para a medição de formas de faces humanas. Juntou à essa
tecnologia, ferramentas da Inteligência Artificial para o reconhecimento
desses rostos. Segundo Barreto, várias inovações estão
envolvidas no processo de funcionamento do Sorface: desde o princípio
do sistema óptico de captura da imagem do rosto até a utilização
de Redes Neurais Artificiais (RNA) e Raciocínio Baseado em Casos (RBC)
para a análise da imagem capturada.
O Sorface
aplica uma iluminação estruturada (uma luz que projeta linhas
paralelas) sobre o rosto de uma pessoa. Uma câmera de vídeo digital,
então, capta uma imagem da face a ser analisada. O segundo passo é
processar a imagem obtida e extrair um conjunto de dados que descrevam a geometria
de uma face humana. Esse processamento é que permite reconhecer a identidade
do indivíduo.
A identificação
feita através do Sorface pode ser bastante útil nas áreas
de segurança e automação bancária. Para ser utilizado
nesses casos, o sistema necessita de um banco de dados com os rostos fotografados
das pessoas que devem ter acesso permitido a uma determinada área.
Jorge Muniz
Barreto fez um pedido de registro de patente e aguarda o resultado para que
o sistema possa ser produzido industrialmente.“O reconhecimento através
da impressão digital é passível de fraude. A leitura
da íris do olho também pode falhar porque ela varia de acordo
com a saúde da pessoa. Restam as medidas antropométricas e,
nesse caso, aquelas que permitem uma identificação mais confiável
são as do rosto”, afirma Barreto ao tratar da confiabilidade
do Sorface em relação aos outros sistemas de identificação
existentes.
(CC)