Fontes
renováveis de energia para o desenvolvimento sustentável
Ennio
Peres da Silva
Ao tratar das fontes renováveis de energia,
este artigo não poderia iniciar-se de outra maneira senão com
as definições dos dois conceitos fundamentais envolvidos: quais
são as fontes de energia e qual o significado do termo renovável.
Quanto às fontes de energia, considera-se aqui toda substância
(petróleo, carvão, urânio, biomassa) capaz de produzir energia
em processos de transformação (combustão, fissão
nuclear) como também as formas de energia (energia solar, gravitacional),
associada ou não ao movimento dos corpos, fluidos (energia das ondas,
hidráulica) e gases (energia eólica), ou à temperatura
das substâncias (energia geotérmica), cuja transformação
em outras formas de energia pode ser realizada em larga escala.
Considerando-se as fontes de energia hoje conhecidas, pode-se classifica-las
em dois tipos: fontes primárias, originadas de processos fundamentais
da natureza, como a energia dos núcleos dos átomos ou a energia
gravitacional, e secundárias, derivadas das primeiras, representando
apenas transformações e/ou diferentes formas daquelas, tais como
a energia da biomassa (energia solar) e a das marés (energia gravitacional).
Quanto à renovabilidade das fontes, em princípio todas podem
ser produzidas e repostas na Natureza. Entretanto, para várias delas
o processo de reposição natural envolve milhares de anos e condições
favoráveis (como é o caso do petróleo), enquanto que a
reposição artificial quando não é impossível
é absolutamente inviável, envolvendo um gasto de energia igual
ou superior à quantidade de energia a ser obtida, ou custos proibitivos
(como é o caso da energia nuclear). Estas fontes são aqui classificadas
de não renováveis.
Da mesma forma, em princípio nenhuma fonte de energia pode ser considerada
inesgotável. Entretanto, aquelas cuja utilização pela humanidade
não representa qualquer variação significativa em seu potencial,
que em muitos casos está avaliado para uma duração de vários
milhões (ou bilhões) de anos (energia solar, gravitacional), e
aquelas outras, cuja reconstituição pode ser feita sem grandes
dificuldades em prazos de apenas alguns anos e até menos, como no caso
da biomassa, são aqui designadas fontes renováveis de energia.
A Figura 1 mostra a classificação geral das fontes de energia
conhecidas adotada neste artigo.
O uso das fontes de energia pelo homem tem se constituído em motivo
de progresso e de devastação, associado sempre às opções
sociais e políticas dos povos e civilizações. Não
é intenção deste texto aprofundar qualquer análise
histórica do uso da energia, mas apenas salientar alguns aspectos necessários
à compreensão do atual perfil de consumo das diferentes fontes
de energia, cuja origem remonta à Revolução Industrial.
De fato, a partir deste período histórico, iniciado na Inglaterra
no final do século XVIII, o desenvolvimento da humanidade tem sido acompanhado
da substituição das fontes renováveis de energia, majoritariamente
utilizadas até então, por um vertiginoso uso de fontes não
renováveis, no princípio o carvão mineral e vegetal, e
após os anos 30 do século passado pelo petróleo.
Fatores predominantemente econômicos e políticos determinaram
esta completa inversão da relação energia renovável/não
renovável. O antigo perfil de consumo, baseado principalmente na biomassa
(madeira), incluindo a energia solar (aquecimento e secagem) e a eólica
(moinhos e barcos à vela), foi estigmatizado como "atrasado",
símbolo de subdesenvolvimento.
O novo perfil, baseado na exploração e utilização
intensiva com critérios exclusivos de redução de custos
e máxima produção, ignorando aspectos sociais, como as
formas de produção destes energéticos (são conhecidas
as condições subumanas de exploração de minas de
carvão em todo o mundo no início da Revolução Industrial
e muito tempo ainda depois dela), os efeitos no meio ambiente (uso de compostos
de chumbo na gasolina automotiva), etc., possibilitou o aumento progressivo
do consumo de energia não renovável, criando e disseminando o
conceito da relação direta entre consumo de energia e desenvolvimento,
fatores que apesar de possuírem uma correlação entre si,
esta não é tão obrigatória e linear, como pode ser
verificado nas economias modernas, onde nas últimas décadas muitos
países tem apresentado uma estabilização, ou até
mesmo redução do consumo de energia, apesar de continuarem a crescer
economicamente.
Adotadas as fontes não renováveis de energia, todo o desenvolvimento
tecnológico subseqüente se deu sobre estas fontes, realimentando
cada vez mais as necessidades destas energias. Chegou-se então aos dias
de hoje, sendo que em 1998, segundo as Nações Unidas o consumo
mundial de energia primária proveniente de fontes não renováveis
(petróleo, carvão, gás natural e nuclear) correspondeu
a aproximadamente 86 % do total, cabendo apenas 14 % às fontes renováveis.
Além disto, de acordo com a Agência Internacional de Energia ,
do total de energia consumido em 1999 cerca de 53 % ocorreu nos 24 países
denominados pelas Nações Unidas como de economias desenvolvidas,
ficando os cerca de 100 demais países, denominados de economias em transição
ou países em desenvolvimentos, com os 47 % restantes.
Esta enorme dependência de fontes não renováveis de energia
tem acarretado, além da preocupação permanente com o esgotamento
destas fontes, a emissão de grandes quantidades de dióxido de
carbono (CO2) na atmosfera, que em 1996 foi da ordem de 23 bilhões de
toneladas , aproximadamente o dobro da quantidade emitida em 1965 (a taxa média
de crescimento desta emissão verificada na década de 90 foi de
0,5 % ao ano). Como conseqüência, o teor de dióxido de carbono
na atmosfera tem aumentado progressivamente, levando muitos especialistas a
acreditar que o aumento da temperatura média da biosfera terrestre, que
vem sendo observado a algumas décadas, seja devido a um “Efeito
Estufa” provocado por este acréscimo de CO2 e de outros gases na
atmosfera, já denominados genericamente “gases de efeito estufa”,
conhecidos mundialmente pela sigla GHG (Greenhouse Gases).
Se por um lado não há ainda entre os especialistas um consenso
sobre a real existência deste “Efeito Estufa”, por outro a
preocupação com este crescimento do teor de GHG na atmosfera começou
a fazer parte de discussões internacionais (Rio-92, Kioto-97, Bonn-2001
e subseqüentes), a ponto de inúmeros países, notadamente
aqueles que mais contribuem com as emissões destes gases, já se
comprometerem com algum tipo de controle destas emissões, mesmo que até
o momento estes compromissos tenham ficado mais ao nível da retórica
do que terem provocado ações efetivas dos governos neste sentido.
Espera-se que a entrada em vigor do Protocolo de Kioto, prevista para início
de 2005, venha a acelerar a introdução destas medidas de controle.
No momento não faz mais sentido discutir se a adoção majoritária
das fontes não renováveis constituiu-se de uma solução
adequada ou não e quais as alternativas existentes na época. É
muito mais importante, fundamental mesmo, constatar as conseqüências
desta opção e implementar medidas mitigadoras, entre elas a redução
da participação destas fontes no consumo mundial de energia.
Ainda mais, o uso dos combustíveis fósseis tem provocado, em
muitas regiões onde se concentram intensa atividade industrial, grande
número de veículos, a presença de usinas termoelétricas,
etc., uma poluição ambiental acima de padrões aceitáveis
(Los Angeles e Cidade do México, por exemplo), além de chuvas
ácidas resultantes da emissão de óxidos de enxofre (genericamente
denominados SOx) e de nitrogênio (NOx), que reagem com o vapor d’água
da atmosfera formando respectivamente ácido sulfúrico e ácido
nítrico .
Por outro lado, é forçoso constatar-se que mais cedo ou mais
tarde a oferta destas fontes não renováveis será reduzida,
obrigando a utilização de outras fontes de energia. Neste ponto,
muitos especialistas apontam as fontes renováveis como a única
solução de suprimento de energia para um desenvolvimento econômico
e ambientalmente sustentável, e propõem mesmo que a substituição
das fontes não renováveis se inicie imediatamente, reduzindo desde
já os efeitos ambientais de seu uso, de forma que a transição
para um novo perfil de consumo de energia ocorra de forma lenta mas progressiva,
sem as instabilidades que advirão de uma mudança brusca, obrigada
por escassez ou preços elevados dos energéticos.
Genericamente definido como “satisfazer as necessidades da geração
atual sem comprometer as necessidades das gerações futuras”,
o conceito de desenvolvimento sustentável foi introduzido pela Comissão
Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento em 1987 , e mantém-se até
hoje como uma das poucas alternativas para evitar-se o colapso da civilização
a nível global.
O conceito de desenvolvimento sustentável é bastante amplo, implicando
em ações em todas as áreas da atividade humana, tais como
planejamento familiar, alterações nos processos agrícolas
e industriais, etc., e também a criação de taxas para os
impactos ambientais inevitáveis provocados por algumas atividades essenciais,
como por exemplo a geração de energia, o que elevará os
custos principalmente das fontes não renováveis.
Apesar de não estarem isentas de provocarem inúmeras alterações
no meio ambiente, pois todas as atividades humanas em maior ou menor grau assim
o fazem, as fontes renováveis de energia aparecem hoje como as melhores
(ou como as menos ruins) opções para um futuro sustentável
para a humanidade.
Ennio Peres da Silva é coordenador do Laboratório de Hidrogênio
do IFGW/Unicamp e pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento
Energético.
4 . A Chuva que não queremos - E. Humeres,
Rev. Ciência Hoje, V. 11, n. 62, p. 63-65, 1990.
5 . Our common future - World Commission on Environment and Development (Brundtland
Commission), 1987.
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