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Cana brasileira: combustível para todo o mundo

A cana-de-açúcar, matéria prima mais antiga do Brasil, traz inúmeros benefícios para a economia do país, gera açúcar, álcool anidro (aditivo para a gasolina) e álcool hidratado para os mercados interno e externo. Colabora ainda na produção de alimentos, papel, plásticos, produtos químicos, além de fornecer energia elétrica. A região de Ribeirão Preto, localizada no nordeste do estado de São Paulo, é considerada o principal pólo sucroalcooleiro do mundo. Isto porque além de produzir mais de 35% do álcool do país, também é o centro do conhecimento mundial na área, onde se desenvolve e exporta toda a tecnologia para o setor. As 82 cidades da região têm cerca de 40 usinas e mais de 300 empresas de equipamentos agroindustriais.

O município de Ribeirão Preto, hoje com cerca de 600 mil habitantes, cresceu com a cana-de-açúcar. “As maiores indústrias da cidade, como a Companhia de Bebidas Ipiranga, fabricante dos produtos Coca-Cola e a Dabi Atlante, de equipamentos odontológicos, surgiram em função do cultivo da cana-de-açúcar e, por muito tempo, foram subsidiadas pelo setor sucroalcooleiro até ganharem autonomia econômica”, confirma Maurílio Biagi Filho, integrante do Conselho de Desenvolvimento Social e Econômico, órgão de assessoramento da Presidência da República e presidente da Usina Moema, em Orindiúva, SP.

O desenvolvimento econômico gerado pela cana-de-açúcar no país, em especial o centro sul do estado de São Paulo, que engloba a região de Ribeirão Preto, deve continuar em 2005 e nos próximos anos, segundo Luís Carlos Corrêa Carvalho, presidente da Câmara Setorial do Setor Sucroalcooleiro, criada pelo governo federal. “Vários países estão interessados no nosso álcool. Há mercados em vias de serem abertos, caso da Alemanha e do Japão (em uma das etapas das negociações, a usina São Martinho, de Pradópolis, recebeu a visita do primeiro ministro japonês), além da Índia, que importou 400 milhões de litros nesse ano, repetirá a compra do mesmo volume em 2005”, acrescenta Carvalho.

O consumo interno do álcool combustível (anidro) também avança, seja no caso do álcool hidratado ou no formato flexível (veículos que aceitam gasolina ou álcool). De março de 2003 até março de 2004 foram produzidas e vendidas cerca de 94 mil unidades de veículos flex fuel ou o triplo de carros a álcool postos no mercado brasileiro em 2003, o que representa 25% das vendas de carros novos. Para atender toda essa demanda, que deve continuar crescendo, o Brasil precisa agregar mais 5 milhões de hectares de cana e investimentos de U$ 6 bilhões.

“Há regiões do estado de São Paulo que ainda é possível crescer o plantio de cana. Cerca de 65% da área próxima de Andradina, Barretos e Jaboticabal (na região de Ribeirão Preto) são tomadas por pastagens”, exemplifica Carvalho. A estimativa, segundo a Única (União da Agroindústria Canavieira do Estado de São Paulo), é produzir 20 bilhões de litros de álcool até 2010, em consequência do aumento do consumo de veículos bicombustível. A produção brasileira é de 14 bilhões de litros/ano. Além disso, a Petrobras investirá US$ 200 milhões em logística para o álcool, ligando Ribeirão Preto ao Rio de Janeiro por dutos.

Contrastes sociais

Mas não são só riquezas que rodeiam a região. Como toda cidade que sofre influência do sistema capitalista, Ribeirão Preto não podia ser diferente. O censo da Secretaria Municipal do Planejamento Social da Prefeitura de Ribeirão apontou um crescimento de mais de 50% no número de pessoas que residem em favelas nos últimos onze anos. De 4.540 pessoas, em 1993, para 10.383, em 2003. “Esse aumento é fruto da migração interna. A região continua atraindo mão-de-obra desqualificada, sem oferecer trabalho. É o ‘efeito mídia’ da Califórnia Brasileira, apelido dado a Ribeirão Preto na década de 80, devido a aparente riqueza econômica”, explica o mestre em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos, Delson Ferreira.

Essas pessoas que ainda vêm para Ribeirão Preto em busca de trabalho encontram um setor quase em extinção. É que o corte manual da lavoura de cana-de-açúcar está sendo substituído pela mecanização. De 1992 a 2003, quantidade de empregos na lavoura canavieira do país diminuiu 33%, conforme dados do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostras Domiciliares). O professor doutor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da Esalq (Escola Agrícola Luiz de Queiroz) da USP (Universidade de São Paulo), Carlos Eduardo de Freitas Vian, acredita que na região de Ribeirão Preto, por estar mais avançada do resto do país, a mecanização seja maior, ficando entre 60 e 80%. “Falta uma discussão mais ampla com o estado e o município para combater esse desemprego na lavoura de cana”, destaca Vian.

A grande tendência é a eliminação do corte de cana, pois a mecanização traz vantagens significativas para o setor. Além de melhorar a qualidade da cana e aumentar a rentabilidade das usinas, a mecanização também elimina as queimadas, beneficiando o meio ambiente. Até 2020, em São Paulo, as queimadas devem terminar e as áreas mecanizáveis serão ocupadas por máquinas.

Segundo o sociólogo, essa lógica econômica é a mesma utilizada na escravidão. No início da colonização do Brasil até o final do século XIX, o negro era trazido da África para trabalhar, especialmente, na lavoura de cana-de-açúcar e na mineração de ouro. Depois da abolição da escravidão, o negro foi trocado por imigrantes, que vieram para o país em busca de trabalho. “Hoje, o setor sucroalcooleiro está dispensando os trabalhadores da lavoura, que eles mesmos trouxeram de outras regiões do Brasil. É uma lógica capitalista e de exclusão”, acrescenta Ferreira.

Pensando no futuro dos rurícolas, algumas usinas da região estão investindo nos funcionários para que eles não fiquem excluídos do mercado de trabalho. Como é o caso da Companhia Energética Santa Elisa, de Sertãozinho, que realiza treinamentos de qualificação para o trabalhador rural, recolocando-os em outras áreas da empresa, evitando, assim, o desemprego no setor.

“Porém, esse desemprego na lavoura canavieira é inevitável, lamentavelmente. A empregabilidade está voltada para a mão-de-obra qualificada. Quem tem capacidade e qualificação tem emprego garantido”, finaliza Ferreira.

História da cana-de-açúcar no Brasil

A cana-de-açúcar chegou ao Brasil em 1500, junto com os portugueses. As primeiras mudas vieram em 1532, na expedição marítima de Martim Afonso de Souza. Aqui a planta espalhou-se em solo fértil, com a ajuda do clima tropical quente e úmido e da mão-de-obra escrava vinda da África. O registro dessa nova colônia enriqueceu Portugal e espalhou o açúcar brasileiro – assim como aquele produzido na América Central, na colonização de franceses, espanhóis e ingleses – por toda a Europa.

A crise de 1929, com a queda dos preços internacionais prejudicando o desempenho das exportações do açúcar, abriu espaço para a intervenção do Estado na economia açucareira. O governo brasileiro incentivou o consumo de álcool combustível e tornou obrigatória a mistura de 5% de etanol na gasolina utilizada no país, em 1931.

O crescimento da produção de etanol expandiu a cultura de cana-de-açúcar no Sudeste, especialmente em São Paulo, com o produto ganhando mais espaço na mistura carburante diante das dificuldades de importação de petróleo, na Segunda Guerra Mundial.

O apoio do governo à produção de álcool se intensificou com as duas crises internacionais do petróleo, em 1973 e 1979. Mas a interferência estatal estava com os dias contados. Ao final dos anos 1990, o mercado estava livre e, desde então, desenvolve sua auto-regulação.

Em 1975, visando autonomia energética, o Brasil desenvolveu o Programa Nacional do Álcool (Proálcool). A solução operacional foi criar procedimentos, incentivos e facilidades que permitisse, num primeiro momento, misturar etanol à gasolina consumida no país e posteriormente contar quase exclusivamente com esse combustível para abastecer a frota de veículos leves nacionais.

Em 1979, surgiu o carro a álcool brasileiro e com ele as raízes de um parque produtor com capacidade anual instalada de 18 bilhões de litros de etanol combustível, equivalente a 100 milhões de barris de gasolina por ano. O desenvolvimento de tecnologia específica conquistou os brasileiros e a frota nacional chegou a se formada por 85% de veículos leves movidos a etanol, no final dos anos 1980.

(JC)

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Atualizado em 10/12/2004

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