Histórico
do planejamento energético no Brasil
Em 1964, quando o regime militar assumiu o poder
com um golpe de Estado, a proposta era de estabilizar a economia brasileira,
debelar a inflação e iniciar um novo ciclo de expansão
do setor elétrico. Dessa forma, foi organizada uma estrutura de investimentos
com recursos das próprias empresas, do governo e com financiamentos externos.
A Eletrobras, embora constituída em 1962, apenas a partir da década
de 70 assumiu posição ativa no setor elétrico nacional.
A partir daí, a postura e atuação da estatal foram decisivas para a consolidação da nova estrutura produtiva
e financeira do setor de energia elétrica.
A política energética da Eletrobras foi pautada por quatro
itens: prioridade atribuída à opção hidrelétrica,
em oposição à termoelétrica; estratégia de
construir grandes usinas geradoras de alcance regional em termos de mercado
consumidor; constituir-se em holding estatal e elaborar um padrão de
financiamento do setor elétrico nacional, conjugando recursos de diferentes
fontes: tarifária, impostos, empréstimos compulsórios e
empréstimos do sistema financeiro internacional.
Aliado a isso, no decorrer da década de 70, ocorreram mudanças
significativas no setor elétrico e nas atividades de planejamento energético
em todo o mundo, entre elas o choque mundial do petróleo, em 1973. Algumas
dessas transformações tiveram reflexo direto no Brasil.
Impacto dos choques do petróleo
O primeiro choque mundial do petróleo, em 1973, não afetou tão
drasticamente a economia brasileira, devido ao ‘milagre econômico’
que, entre 1968 e 1973, levou o PIB a crescer a uma taxa média anual superior
a 10%. O Brasil não escapou, porém, do segundo choque, em 1979,
que teve reflexos importantes na economia nacional, destacando-se: a aceleração
do processo inflacionário; a redução das taxas de crescimento
do PIB; o desemprego e o desequilíbrio das contas públicas.
A redução do crescimento econômico fez com que a demanda
energética apresentasse taxas declinantes, o que gerou capacidade ociosa
no setor elétrico nacional. Isso implicou no aumento dos prazos de amadurecimento
do capital investido e na diminuição da capacidade de autofinanciamento
do setor.
O impacto da percepção mundial da dependência do petróleo levou o mundo todo, pela primeira vez, a abordar o planejamento
energético por uma ótica multissetorial, ou seja, integrando o setor elétrico e de petróleo.
Além disso, buscou-se uma maior interação entre oferta
e demanda nos planos para o setor.
Gilberto De Martino Jannuzzi, professor da Unicamp, completa esse panorama
observando que “o preço do petróleo durante os anos 70 determinou
maiores esforços do Brasil em termos da redução da dependência
externa deste combustível, com a canalização de investimentos
para exploração, produção nacional e maior uso de
hidreletricidade. Programas de substituição de combustíveis
como o Programa Nacional do Álcool (Proalcool), foram iniciados, com
o objetivo de aumentar a produção doméstica de combustível
como uma mercadoria estratégica”.
Durante a vigência do modelo setorial estatal, no Brasil, coube em geral
à Eletrobras e à Petrobras realizar as tarefas para,
respectivamente, os setores elétrico e de petróleo e gás,
restando ao Ministério de Minas e Energia o papel de homologá-las.
No início dos anos 80, a preocupação ambiental passou
a fazer parte da agenda do planejamento energético, só que esta
preocupação foi colocada em prática de forma corretiva
e não preventiva. Isso mudou no final dessa mesma década, quando
se começou a trabalhar a preservação ambiental de maneira
pró-ativa, isto é, buscando-se empreendimentos de menor impacto
ambiental. Ainda nesse período, devido à queda nos preços
do petróleo, houve uma diminuição no interesse pelas energias
renováveis, principalmente no que diz respeito ao fomento a essas fontes.
Redução do papel do Estado
As soluções para os problemas enfrentados pelo setor elétrico
no final dos anos 70 e em toda a década de 80 foram se delineando no
sentido de mudar qualitativamente a atuação do Estado no setor.
A nova estrutura construída na metade dos anos 80 esteve voltada para
a diminuição da participação e intervenção
direta do Estado, substituindo-a por uma função de agente regulador
e financiador, culminando no processo de privatização.
No entanto, não foi apenas a crise econômica que provocou a diminuição
da participação do Estado no setor elétrico. Nos anos 90,
a "onda neoliberal"que tomou conta do cenário econômico
mundial, em decorrência da queda do socialismo e do fenômeno da
globalização, aliada à ineficiência das empresas
do setor por influências políticas, fizeram com que, no Brasil,
o setor elétrico seguisse em direção à privatização.
Em vista dessas mudanças e da instituição de um aparato
legal em prol da privatização, a década de 90 foi marcada
pela competição. Sérgio Valdir Bajay, professor da Unicamp,
explica que “a implantação de um novo modelo setorial, privilegiando
a busca de competição, onde ela for possível, e a atração
de investimentos privados, valorizaram em excesso a atividade de auto-regulação
do mercado e relegaram a um segundo plano a formulação de políticas
energéticas e a realização de exercícios de planejamento.
Isto ocorreu não só no Brasil, mas também em alguns outros
países que estavam passando por esta mesma transição na
organização de suas indústrias de suprimento de energia”.
Neste período, o Brasil passou por profundas transformações
no setor elétrico. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso foi
implantada a livre concorrência para promover a eficiência no setor,
uma regulação e fiscalização, em busca de transparência
para atrair o capital privado. A perspectiva era de privatizar praticamente
todo o setor de distribuição de energia elétrica como condição
necessária à alocação de recursos, a criação
de um programa de termelétricas (Programa Prioritário de Termelétricas
- PPT) e a implantação do Mercado Atacadista de Energia (MAE).
Foi então criada a Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel) como agente regulador do setor.
O novo modelo para o setor elétrico não chegou, porém,
a ser totalmente implementado nos oito anos do governo FHC, pois o processo
de privatização não foi concluído, da mesma forma
que o PPT não se realizou. Além disso, permaneceram as incertezas
regulatórias, o que desestimulou o investimento privado. O governo ainda
enfrentou uma crise de desabastecimento de energia em 2001, que evidenciou a
fragilidade do setor.
A busca do planejamento
Essas transformações motivaram o surgimento de teorias e técnicas
de planejamento que buscaram equacionar riscos e incertezas. Antes, com o setor
dominado por empresas estatais, partia-se do pressuposto de que o risco não
era grande problema porque os eventuais prejuízos eram socializados.
Diante do novo cenário, os empresários, para simular a reação
de seus competidores, investiram pesado em técnicas para equacionar riscos
e incertezas.
Nesse período, o governo afastou-se do exercício de planejamento
energético, por acreditar que o mercado poderia resolver tudo. Segundo
Bajay, houve uma maior preocupação com os impactos ambientais
globais, procurando-se diminuir a emissão dos gases de efeito estufa,
e a volta de programas de conservação de energia.
Hoje, o Estado busca retomar o papel central das decisões
no setor elétrico. Ainda de acordo com Bajay, não se trata de
uma volta ao passado, mas a busca da melhor forma de intervenção
do Estado no setor por meio de políticas energéticas adequadas, regulação
e planejamento. Na opinião do pesquisador, o Brasil mostra uma tendência de voltar a intervir na política energética do que em geral ocorre em outros paísesl.
Novo modelo
Com esse novo modelo do setor elétrico nacional, implementado pelo governo
Lula, o Ministério de Minas e Energia (MME) passou a ser o poder concedente
e centralizador das decisões do setor. Tem a responsabilidade pela escolha
dos dirigentes dos órgãos responsáveis pela operação
do sistema elétrico, assim como pelas licitações de compra
de energia das geradoras pelas distribuidoras.
Desde
então, as empresas só podem comprar energia por meio de licitações
pelo menor preço. O objetivo é oferecer, no futuro, menores tarifas
ao consumidor. Outra mudança implementada pelo governo atual é
que a prestação de serviços na área de estudos e
pesquisas, destinadas a subsidiar o planejamento do setor, passa a ser feita
pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), criada a partir da Lei 10.847/04.
Nesse novo modelo, todos os esforços estão voltados para a modicidade
tarifária e a estabilidade regulatória, para atrair investimentos.
(FG)
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