Propriedade
intelectual é questão para universidades
A apropriação
econômica do conhecimento pela universidade, que envolve outros
atores, tais como as agências de fomento e os próprios
pesquisadores, é um tema recente nos debates sobre a missão
das universidades no Brasil. Mais recente ainda é tratar
da questão do licenciamento das patentes, que é o
que pode trazer algum tipo de retorno financeiro para as partes
envolvidas. A necessidade de a universidade gerar inovações
ainda gera polêmica, até mesmo entre os especialistas
no assunto. É papel da universidade garantir o registro de
patentes para o país ou este é um papel unicamente
do setor privado? Esta questão pode ser ainda mais conflitante.
Para
o reitor da Unicamp, Carlos Henrique de Brito Cruz, tanto a universidade
como a empresa podem gerar patentes, mas o que a experiência
dos países desenvolvidos mostra é que a maior parte
delas é gerada na indústria. Isso porque a empresa
tem necessidade de proteger a sua invenção de seus
concorrentes. No caso da universidade, sua missão é
avançar o conhecimento e educar as pessoas. É com
esse fim que se realizam as pesquisas. "Gerar patente não
é e não deve ser o objetivo principal da atividade
de pesquisa numa universidade, o que não impede que a universidade
gere patentes", diz Brito Cruz.
Esta
é também, em parte, a opinião da coordenadora
de cooperação técnica do Instituto Nacional
de Propriedade Industrial (INPI), Maria Beatriz Amorim Páscoa.
"Concordo com a idéia de que o conhecimento tem que
ser aberto e livre. Essa é a missão da universidade,
formar recursos humanos e produzir conhecimento", diz ela.
Porém, nas parcerias que muitas vezes são realizadas
com o setor privado e das quais surgem descobertas patenteáveis,
Páscoa acredita que se a universidade não proteger
esse conhecimento desenvolvido quem o fará será a
empresa e, certamente, irá depois cobrar por isso. Assim,
a universidade perde a prerrogativa de não querer cobrar.
"Se ela patentear, pode não cobrar ou pode cobrar pouco,
podendo usar sua invenção de forma mais social, por
exemplo na área de saúde pública", completa
ela, lembrando da área de medicamentos, na qual uma patente
pode ser usada para o bem público, produzindo remédios
mais baratos, por exemplo.
Páscoa
recorda que a COPPE/UFRJ, que desenvolve tecnologia de exploração
de petróleo em águas profundas, sendo esta uma área
da pesquisa tecnológica avançada, não tem nenhuma
participação no aproveitamento da tecnologia. Quem
detém os direitos é a Petrobras. Por acaso é
uma empresa cuja maioria das ações é estatal,
então isso pelo menos está no Estado, mas, e se fosse
outra empresa?", questiona a coordenadora do INPI. Para ela,
parte dos royalties poderiam ser revertidos para a COPPE, que poderia
investir este recurso em mais pesquisas, em outras áreas,
como a de engenharia ambiental, ou outras que podem melhorar a qualidade
de vida das pessoas. "Captar recursos com parte do conhecimento,
através de licenciamento de patentes, pode cobrir um déficit
em outras áreas.
Ações
federais
A Unicamp é a universidade brasileira que tem o maior número
de patentes solicitadas ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI) - 144 solicitações no Brasil e uma no exterior
-, mas a cultura de patentear certas descobertas, ainda não
é comum a todos os centros acadêmicos. A preocupação
em ampliar essa cultura a um número maior de universidades,
levou o INPI a realizar, em 2002, o primeiro grande mapeamento
sobre universidades e seus núcleos de proteção
intelectual, que confirmou a percepção geral de que
existem poucas universidades preparadas para proteger o seu conhecimento.
O que ficou claro também é que poucas patentes têm
sido solicitadas. No entanto, segundo Maria Beatriz Amorim Páscoa,
o maior gargalo está na comercialização. Segundo
ela, as universidades que conseguiram estruturar o seu escritório
e que solicitaram patentes ao INPI, tiveram um aproveitamento muito
similar ao que a coordenadora de cooperação técnica
do INPI observou nas cinco universidades que visitou nos Estados
Unidos. "Mais ou menos metade das patentes que são solicitadas
ao órgão similar ao INPI são concedidas. Ou
seja, 50% das solicitações encaminhadas se tornam
protegidas e, dessas, metade são comercializadas de imediato.
Isso dá um aproveitamento de 25% das patentes solicitadas,
que viram produto. No Brasil, as universidades que enviaram solicitações
de patentes tiveram um aproveitamento de 34%, no entanto, apenas
de 12 a 16% delas foram comercializadas. É bem menos do que
nos Estados Unidos", compara Páscoa. Para ela, esses
índices demonstram a necessidade de se desenvolver essa competência
no Brasil. O levantamento feito pelo Inpi indicou também
que, das 143 instituições pesquisadas, apenas 27 possuíam
núcleos relacionados ao assunto.
18 |
número
de instituições que já solicitaram
patentes no Brasil |
334 |
número
de solicitações de patentes |
16 |
número
de solicitações de patentes no exterior |
118 |
número
de patentes concedidas às universidades |
|
Dados
obtidos no mapeamento do Projeto "Estímulo à
criação e consolidação de núcleos
de propriedade intelectual e transferência de tecnologia
em instituições de ensino e pesquisa brasileiras"
|
Na
Unicamp essa cultura de proteger o conhecimento desenvolvido na
universidade já está mais presente no dia-a-dia. "O
que ainda precisamos desenvolver, e estamos nos empenhando nisso,
é a forma de licenciar as patentes", diz Brito Cruz.
Em geral, quando se fala de patentes, pensa-se apenas no registro,
mas um dos objetivos desse registro é poder licenciar a patente
para alguém. Segundo o reitor da Unicamp, as universidades
brasileiras têm muito pouca experiência nisso.
Edgar
Zanotto, coordenador do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Nuplitec), diz que uma das atribuições
do Núcleo é auxiliar os pesquisadores e instituições
paulistas a licenciar o seu invento para uma empresa, além,
é claro, de auxiliá-los na redação e
depósito da patente e ainda na identificação
de produtos ou processos patenteáveis. "Uma patente
em si só gera despesa, o que interessa de uma patente é
que ela seja efetivamente transformada em um produto e seja licenciada
a uma empresa", destaca Zanotto. Ele afirma, em concordância
com o reitor da Unicamp, que a maioria das universidades só
atuam até o depósito da patente junto ao Inpi.
Mas,
Brito Cruz enfatiza que existe, hoje, um mito de que a propriedade
intelectual pode ser uma fonte de receita para as instituições
acadêmicas, e não é bem assim. Ele salienta
que em nenhum lugar do mundo isso acontece, nem mesmo nos EUA, onde
o assunto propriedade intelectual já está estabelecido.
"Algumas universidades americanas conseguem uma receita apreciável
com os licenciamentos mas, mesmo assim, eles têm uma despesa
grande com a estrutura para buscar o licenciamento. O registro é
caro e o licenciamento mais ainda", diz. Dificilmente uma universidade
vai se sustentar com direitos sobre propriedade intelectual.
Titularidade
A titularidade da patente é outra questão que cerca
o tema maior que é a propriedade intelectual na universidade.
Quem deve deter a titularidade? A universidade? O inventor? A agência
de fomento que apoiou a pesquisa?
No
estudo sobre o impacto das políticas de apoio à pesquisa
das três principais agências de fomento do país:
CNPq, Finep e Fapesp, desenvolvido pela professora do Centro Universitário
Nove de Julho, Eva Stal, em parceria com a pesquisadora da Faculdade
de Economia da USP, Asa Fujino, as autoras questionam a intenção
das agências de fomento de ficarem com a titularidade das
patentes de invenções desenvolvidas na universidade.
Segundo
Eva Stal, mesmo que em discurso se valorize a transferência
de tecnologia, com previsão de distribuição
de receitas da exploração das patentes, as diretrizes
das agências, expressas nos contratos não são
de todo estimuladoras da transferência efetiva dos resultados.
Isso porque não garantem autonomia suficiente às instituições
acadêmicas para as negociações.
Mas
Zanotto, do Nuplitec, acredita que a autonomia da universidade e
dos inventores esteja sendo respeitada no aspecto do licenciamento
na medida em que, é o próprio inventor quem sugere
duas ou mais empresas que possam ter interesse pelo produto. Ele
afirma que, neste momento, entra o escritório com o apoio
administrativo e um financiamento para que o inventor faça
viagens para apresentar o seu invento para as empresas, após
um contato preliminar. O apoio do Nuplitec inclui o financiamento
para apresentar o protótipo em feiras nacionais ou internacionais,
contato com advogados e reuniões na Fapesp ou outros lugares.
"Isso nenhuma universidade faz", afirma ele.
No
ano passado, o INPI realizou um fórum com agências
de fomento e universidades para discutir a Lei de Inovação
e um tema amplamente abordado foi este, que traz a questão
das agências de fomento reclamarem a titularidade das patentes.
Segundo Maria Beatriz Amorim Páscoa, após uma ampla
discussão, as universidades se posicionaram contra as agências
deterem essa titularidade. Ela conta que o CNPq, por exemplo, considera
que as universidades não têm estrutura suficiente para
tocar sozinhas a questão da propriedade intelectual, e que,
por esta razão está se estruturando para dar suporte
a elas.
Mas,
com isso, o CNPq tem chamado os pesquisadores para depositarem a
patente através da agência. "Eu tenho a impressão
de que isso vai dar problema no futuro, porque as universidades
que já tiverem seus regimentos internos, que determine que
o pesquisador não pode tomar decisões sobre o conhecimento
que ele gera, porque está usando a estrutura da universidade,
não irão aceitar isso", salienta. Para ela, o
caminho é via universidade, como no modelo internacional.
Ela recorda que nos Estados Unidos, as grandes agências tomaram
a direção contrária a que estão querendo
tomar as brasileiras, abrindo mão da titularidade para estimular
os escritórios nas universidades. No fórum ficou claro
que há a necessidade de discutir esse problema.
O
reitor da Unicamp, Brito Cruz, confirma que a Unicamp tem uma política
de propriedade intelectual determinada pela Lei de Patentes, de
1996 (Lei 9.279/96) que estabelece que nas instituições
públicas, toda patente gerada é de propriedade do
empregador. "Esse é um primeiro marco legal, mas há
algumas excessões a isso, dependendo do tipo de convênio
que se estabelece e do aporte de recursos de cada parceiro, mas
a política geral é essa", afirma o reitor. Segundo
ele, a Unicamp pode também negociar parte dessa propriedade
com os parceiros.
Mas
deter a titularidade não significa exclusividade sobre os
direitos aos resultados econômicos advindos da invenção.
Segundo Brito Cruz, na prática, apesar de pouca experiência,
o que tem sido feito é uma divisão entre a universidade
e os pesquisadores. A divisão com mais parceiros, sejam agências
de fomento, empresa privada ou pública, ou mesmo outras instituições,
tem que ser estudada caso a caso e estabelecido no contrato de parceria
que se firma", completa. Zanotto explica que nos contratos
estabelecidos até agora, cada uma das partes - agência,
instituição e inventor - recebe um terço dos
lucros.
Capacidade
do INPI
A
expectativa de um sucesso cada vez maior das políticas
nacionais de inovação tende a sobrecarregar
a atual estrutura do INPI, que desde o início dos anos
90 sofreu um desmonte e necessita urgentemente recompor o
seu quadro de pessoal.
Sergio
M. Paulino de Carvalho, pesquisador da Empresa de Pesquisa
Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro - Pesagro-Rio
e coordenador do "Estudo sobre tendências focalizadas
em propriedade intelectual, transferência de tecnologia
e informação tecnológica", desenvolvido
pelo Grupo de Estudos sobre a Organização da
Pesquisa e Inovação (Geopi) da Unicamp, destaca
que o empenho das universidades e institutos de pesquisa em
direção à proteção do conhecimento
deverá provocar um impacto na atuação
do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (NPI), que
é o órgão no Brasil, autorizado a registrar
as patentes.
Porém,
para recompor o corpo técnico do Instituto, uma das
medidas necessárias é capacitar pessoal para
atuar nesse setor. O estabelecimento de redes de pesquisa
nessa área, com articulação entre grupos
de pesquisa sobre propriedade intelectual em universidades,
institutos de pesquisa, representações empresariais
e profissionais, seria outra forma de melhorar a atuação
do Instituto. Carvalho sugere por exemplo, que se criem cursos
de capacitação vinculados a projetos de pesquisa,
de média duração (especialização
lato sensu) e de longa duração, de forma
a se disponibilizar em quantidade e qualidade recursos humanos
já exigidos na conjuntura atual. Para ele, a produção
de conhecimento na área de gestão e política
de propriedade intelectual é elemento relevante para
fazer frente aos novos desafios que despontam, assim como
para a formulação de políticas e por
essas razões, deve ser vista com mais atenção.
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(SP)
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