Dilemas
da universidade pública na sociedade contemporânea
Questões relacionadas com a autonomia universitária,
a privatização e descentralização do
ensino, a expansão administrativa com aumento da qualidade
e controle dos custos, os baixos salários do corpo docente
e as novas pressões trazidas pelo mundo on-line,
estão na ordem do dia. Mas um item em particular,
tem sido motivo de grande preocupação para
os sistemas educacionais: a competitividade. Nesse
cenário, pairam dúvidas de como deve ser entendida
a produção e a gestão do conhecimento. Formas
convencionais de ensino têm entrado em colapso. Novas modalidades
de aprendizagem, como as universidades cooperativas, os MBAs e uma
variedade de modelos de educação à distância
entraram em cena, sobretudo, para ampliar as oportunidades de trabalho.
Novos paradigmas pontuam os avanços
nessa área. Modelos deficitários
também estão sendo analisados. Um grande
debate sobre o ensino superior e o papel da universidade
pública foi desencadeado pela Conferência Mundial de
Educação Superior da Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura), realizada em Paris, em outubro
de 1998. Desde então, inúmeros
fóruns têm procurado identificar os
principais problemas que as instituições educacionais
do mundo em desenvolvimento enfrentam hoje em dia, tendo em vista
as mudanças conjunturais produzidas nas últimas
décadas.
As Conferências Ibero-Americanas de
Reitores de Universidades Públicas, iniciadas em
1999, em Santiago do Chile, têm dado significativa
contribuição para esse debate na América
Latina. No Acordo de Santiago, documento final do primeiro
Encontro, os reitores resgataram a definição de
universidade pública: "o público é
o que pertence a todo o povo; universidade
pública é a que pertence à
cidadania e está a serviço do bem comum".
Quatro características definem a
universidade pública, segundo o documento: "sua
vinculação: faz parte do Estado ou
é pública e autônoma por lei; seu financiamento:
é de responsabilidade do Estado; sua missão: é
o seu compromisso social. Esse compromisso é em realidade
um compromisso do Estado com a sociedade, inscrito na
Constituição e cumprido através da
universidade. Neste sentido, a universidade
pública é uma instituição que responde
a valores constitucionais e não a políticas contingentes.
Daí se origina o conceito de autonomia, que garante o
exercício desses direitos. Por fim, seu conceito
de conhecimento: como um bem social e não um bem
privado".
Por isso, os reitores manifestaram a
opinião de que a universidade pública deve
responder a todos os desafios da globalização,
"desenvolvendo além da instrução profissional
uma formação que ajude os estudantes a aprender a
pensar criticamente e a familiarizar-se com sua própria
tradição intelectual".
O professor Carlos Antunes, que foi indicado
pelo ministro da Educação, Cristovam
Buarque, para assumir a Secretaria do Ensino Superior do
MEC (Sesu), avalia que "é preciso repensar a universidade.
Sua estrutura está superada. A sociedade mudou e a universidade
não. A universidade é um espaço complexo de
produção de conhecimento e que irradia esse conhecimento.
Mas o conhecimento também mudou. Hoje, ele é
construído na fronteira entre as ciências,
de forma interdisciplinar, e a universidade tem que
compreender isso para que ela possa atingir seus
objetivos."
De acordo com o Censo 2000, do Sistema de
Avaliação do Ensino Superior do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em
30/04/2000, existiam 10.585 cursos de graduação
presenciais no país, oferecidos por 1.180
Instituições de Ensino Superior (IES), nos
quais achavam-se matriculados 2.694.245 alunos. Dessas
IES, 176 são públicas (61 federais, 61
estaduais e 54 municipais) e 1004 privadas (85% do total).
Além do estado caótico em que se
encontram as universidades públicas, a ampla
diferença de alunos matriculados nas universidades
particulares pode ser explicada também, pelo fato destas
procurarem atender à demanda de profissões que
estão sendo mais requisitadas na atualidade,
conseqüentemente, estão sempre abrindo novas
vagas para cursos potencialmente importantes, ampliando
assim sua área de atuação. Ou seja,
os dados confirmam a principal vocação das universidades
privadas: formar profissionais para o mercado de trabalho, enquanto
nas universidades públicas o ensino está voltado mais
para a formação de docentes e pesquisadores.
A proliferação de cursos MBA (Master
in Business Administration), é bem o espelho
das necessidades atuais das empresas para ter profissionais
capacitados para enfrentar os desafios da sociedade
contemporânea. O Brasil é visto hoje como
um grande potencial para a educação
executiva, conforme projeções de universidades
norte-americanas, que constatam uma grande procura por
seus cursos de MBA internacional por parte de executivos
brasileiros que atuam em empresas multinacionais.
Esse é o caso da Universidade de
Pittsburgh e da Thunderbird. A primeira chegou ao
país há três anos trazendo o Katz
Graduate School of Business, um curso que incorpora
aspectos do impacto global e da dimensão humana em seu
currículo. Considerada a quinta mais antiga
escola de administração dos Estados
Unidos, ela forma em junho de 2003, sua terceira turma
no Brasil.
Outro investimento que algumas empresas
têm feito, para manter seus funcionários em
constante formação, são as chamadas
Universidades Cooperativas. Nos Estados Unidos, já
são mais de 2000. No Brasil, somam 20. Apesar do nome
"universidade", elas não têm reconhecimento
do Ministério da Educação (MEC)
como instituições de ensino superior.
Funcionam como cursos de aprimoramento, voltados para as
necessidades e o dia-a-dia das empresas.
Essa opção tem merecido tanta
atenção que já ganhou novos
desdobramentos. Em um acordo firmado na última
Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável,
o ministro das Relações Exteriores da Noruega informou
sobre a doação de 2 milhões de dólares
destinados à criação de uma nova sede da
Universidade das Nações Unidas (UNU), que
abrigará a Universidade Mundial Virtual (UMV). A
UMV será implementada conjuntamente entre a
UNEP/GRID-Arendal, a Agder University College e a ONU,
que pretendem estabelecer uma rede internacional de Universidades
Corporativas.
A intenção da UMV é
ministrar educação para o futuro comum,
proporcionando conhecimentos científicos para apoiar a
gestão adequada do meio ambiente e para ajudar a
desenhar as vias nacionais e regionais que levem ao
desenvolvimento sustentável. Os estudos
aumentarão a sensibilidade e a participação
das pessoas na busca de soluções para os problemas
ambientais e de desenvolvimento. Os programas dos cursos virtuais
serão elaborados por uma rede global de
instituições acadêmicas
colaboradoras e os estudos serão descentralizados,
com enfoque nos países em desenvolvimento. Serão
utilizadas informação e tecnologias de
comunicação de ponta, a fim de dar acesso
e facilitar uma aprendizagem de qualidade em todas as
regiões, com custos acessíveis.
Seguindo esta linha de reorientar a
educação para promover a
capacitação em temas relacionados com o desenvolvimento
humano, em reunião acontecida em 20 de janeiro, o Conselho dos
Reitores das Universidades Brasileiras (CRUB), recebeu a
ministra da Assistência e Promoção
Social, Benedita da Silva, que apresentou uma proposta
de operacionalizar o Programa Universidade Cidadã,
constituindo um grupo de trabalho integrado por representantes de
cada segmento das universidades, um representante do Fórum
de Extensão, e de um representante do Ministério,
que assumirá a coordenação do GT.
O Presidente do CRUB, reitor Paulo
Alcântara Gomes, aceitou o convite e
comprometeu-se a ter uma proposta amadurecida em documento para
lançar, formalmente, o programa Universidade Cidadã,
na primeira semana de abril, por ocasião da próxima
reunião plenária do Conselho, a ser realizada em
Florianópolis.
(MP)
|