Universidades:
urgências
Carlos
Vogt
No
simpósio sobre A universidade e os desafios da inovação,
de que participei como expositor, na Conferência Nacional
de Ciência, Tecnologia e Inovação, realizada
em Brasília, em setembro de 2001, além de aspectos
estruturais atinentes ao tema, duas questões foram fortemente
enfatizadas por mim, por outros participantes da mesa e nas intervenções
do público.
O texto
que apresentei - Ciência, Tecnologia e Inovação:
desafios e contraponto - e que pode ser encontrado na revista
ComCiência,
nº 25, de setembro de 2001 ou no Observatório
da Imprensa, nº 138, de 12/09/01, ou ainda no JCmail,
nº 1874, de 14/09/01, frisa essas duas questões e as
coloca como fundamentais para o bom desempenho de nosso sistema
de ciência, tecnologia e inovação.
A primeira
dessas questões diz respeito à urgente necessidade
de se ampliar o mercado de trabalho, tanto acadêmico, quanto
empresarial, no Brasil, para que possam ser absorvidos os mestres
e doutores que, a cada ano, se formam em número cada vez
maior pelas nossas universidades ou por programas no exterior. No
ano de 2000 foram 5.700 doutores e 17.000 mestres. Em 2001, 6.000
doutores e 20.000 mestres. Dos 5.700 doutores formados em 2000,
menos da metade tem vínculo de trabalho. Esses números
tendem a aumentar, tanto pelo lado dos que se formam quanto pelos
que, titulados, não encontram trabalho formal em universidades
ou em centros de pesquisa acadêmicos ou empresariais.
A apreensão
entre os que estudam fora do país é também
crescente pois não vêem, com a perspectiva da volta,
possibilidade de encontro de trabalho nas áreas de sua formação
e de sua competência.
O assunto
é, pois, urgente e é com urgência que é
preciso motivar o nosso mercado empresarial para o problema: sem
pesquisadores nas empresas não há inovação
tecnológica, nem inovação de produtos e, em
conseqüência, não há competitividade e
o país fica a ver navios, não os que exportam o que
produzimos, mas os que chegam para trazer o que importamos. Enquanto,
é claro, pudermos pagar.
A segunda
questão, que se liga à questão anterior, pelo
menos no que diz respeito à expansão do mercado acadêmico,
é a da qualidade do ensino oferecido pelo sistema privado
de universidades no Brasil.
Como
se sabe, além do baixo índice populacional na faixa
de 18 a 24 anos com matrícula em cursos superiores (cerca
de 11% apenas), 65% do total dessas matrículas estão
em instituições privadas. Quando considerado apenas
o estado de São Paulo este número sobe para algo em
torno de 84%.
Quando
se consideram o número de doutores e, por exemplo, o número
de projetos na Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo (Fapesp), tem-se, contudo, um quadro
em que se sobressai, de modo espetacular, o sistema público
de ensino superior, conforme se pode verificar pelos dados abaixo:
Instituições
superiores de ensino e de pesquisa no estado de São
Paulo
Número de doutores e de projetos Fapesp
|
|
Número
de Doutores |
% |
Números
de projetos FAPESP |
% |
Instituições
públicas de ensino e pesquisa |
4.596 |
66.9 |
6.404 |
85.3 |
Instituições
públicas de pesquisa |
1.141 |
16.6
|
678 |
9.0 |
Total
públicas |
5.737
|
83.5 |
7.082 |
94.4 |
Instituições
particulares de ensino e pesquisa |
1.136 |
16.5 |
424 |
5.6 |
Total
pública + particulares |
6.873
|
100
|
7.506
|
100 |
|
Algo
disso tem, sem dúvida, a ver com a estrutura jurídico-institucional
do sistema privado de ensino superior, profundamente comprometido,
de um modo geral, com os aspectos comerciais da educação
como negócio e, consequentemente, com os fins lucrativos
do empreendimento.
É
preciso dar, definitivamente, um sentido público ao sistema
de ensino superior, como um todo, que é, por definição,
um bem público.
Transformar
a estrutura jurídico-institucional do ensino superior privado
no país e dar-lhe um caráter eminentemente fundacional,
sem fins lucrativos, é, pois, desafio premente e tarefa inadiável.
E é claro, para que não haja solução
de continuidade, por resistências e lobbies corporativos e
por vazios de financiamento, pode-se legislar para frente, o que
já seria uma mudança de qualidade enorme no quadro
institucional de nossas universidades e uma condição
de qualidade sem precedentes aos requisitos de funcionamento de
nossas escolas superiores.
E para
que não se invoquem argumentos privatistas baseados na experiência
de outros países, é bom que se diga, desde logo, que
na Inglaterra 99% dos alunos estão em universidades públicas,
na França, 92,2% e nos Estados Unidos, avocado sempre como
campeão do privativismo, 78%, como se pode ver pelo quadro
abaixo:
Tipos
de cursos |
Cursos
de 4 anos |
Cursos
de 2 anos |
Totais
por tipos de instituição |
% |
Instituições
públicas |
5.814.545 |
5.277.255
|
11.091.800 |
78,0% |
Instituições
privadas sem fins lucrativos |
2.853.890
|
74.920 |
2.928.810
|
20,6% |
Instituições
privadas com fins lucrativos |
100.817
|
105.388 |
206.205 |
1,4% |
Totais
por tipos de cursos |
8.769.252 |
5.457.563
|
14.226.815
|
100,0% |
|
No
âmbito das condições estruturais de funcionamento
das universidades públicas federais, é sempre oportuno
lembrar a necessidade, até agora reconhecida mas de solução
sempre postergada, de constituir-se a sua autonomia de gestão
financeira, experiência que por mais de uma década
vem sendo levada a efeito pelas universidades estaduais paulistas
com resultados que, podendo ser continuamente melhorados nos ajustes
finos, têm-se mostrado, contudo, conceitual, metodológica
e operacionalmente eficientes, eficazes e de alta relevância
para a qualidade do ensino da pesquisa e dos serviços prestados
pela USP, pela Unicamp e pela Unesp.
Ligado
à essa falta de autonomia de gestão financeira, apresenta-se
o problema crônico da total falta de uma política de
recursos humanos para as universidades federais que se reflete de
forma poderosamente negativa na política salarial dessas
instituições que, padecendo ainda de um outro mal
endêmico - o da carência de políticas regulares
e sistemáticas de fomento -, correm o sério risco
de não só terem comprometidas suas atividades fim,
como o de, por isso, comprometerem, sem volta, qualquer iniciativa
de planejamento programático do setor de ciência, tecnologia
e inovação.
A imprensa,
de um modo geral, tem dedicado atenção particular
ao momento delicado por que passa o sistema de Ciência, Tecnologia
e Inovação (C,T&I) no Brasil. E mais delicado
ainda, quando se considera que, sem dúvida alguma, se trata
do melhor e mais bem montado sistema da América Latina, o
que colabora para pôr em evidência os problemas por
que estamos passando.
Sobre
um fundo de arquitetura inteligente e, teoricamente, bem estruturado,
sobressai o problema crônico da irregularidade dos repasses
de recursos para as instituições públicas de
pesquisa e para os grandes programas inovadores, produtos desse
desenho. É o caso dos Núcleos do Programa Nacional
de Excelência (Pronex), do CNPq, que entre outras adversidades
econômicas já enfrentadas, só deverão
receber os recursos de 2002 em 2003, quando o atual governo já
terá dado lugar ao novo governo eleito.
As
universidades federais espalhadas pelos estados brasileiros vivem
momentos críticos em virtude do atraso de repasses, a ponto
de uma grande instituição como a Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ) chegar ao estado de inadimplência
e ter a energia elétrica cortada por falta de pagamento.
Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada
em 1º de novembro, outras universidades estão vivendo
situação semelhante, sob ameaça de fecharem
o ano sem poder pagar fornecedores, sempre pela mesma razão,
a irregularidade e o atraso no repasse de recursos.
O mesmo
fenômeno tem ocorrido com o CNPq e, há pouco tempo,
foi necessária a intervenção direta do presidente
da República para que o órgão pudesse retomar
o fluxo contínuo no dispêndio de recursos já
concedidos e contratados.
Os
fundos setoriais, que são parte importante desse desenho
original e criativo do sistema de C,T&I brasileiro, não
conseguiram executar, no geral, mais do que 20% dos recursos que
se anunciavam quando de sua criação.
O fato
é que a irregularidade econômico-financeira constante
acaba por gerar a assistematicidade técnica do sistema, de
modo que o que era ótimo virtualmente acaba por ser menos
que sofrível na realidade.
O outro
efeito perverso, decorrente do mesmo fenômeno, é a
total falta de possibilidade de qualquer planejamento, efeito esse
que perpassa, como uma corrente de alta voltagem, negativa, toda
a espinha dorsal do sistema, desde a sua arquitetura organizatória,
no centro, até a execução, pelos usuários
dos programas financeiros, nas pontas.
Embora
não seja condição suficiente para solucionar
esses problemas, a autonomia de gestão financeira dessas
instituições é, contudo, condição
necessária para deles tratar de forma adequada e eficaz.
A experiência
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de São Paulo (Fapesp), criada, no Estado, em 1962, e das
universidades estaduais paulistas, desde 1989, mostram o acerto
e a justeza das decisões que instituíram a sua plena
e total autonomia de gestão financeira.
No
caso da Fapesp, que recebe, por lei constitucional, 1% da receita
tributária do Estado ao longo de seus 40 anos de existência,
a possibilidade de seu bom funcionamento está diretamente
ligada à sua autonomia e, consequentemente, à sua
capacidade de planejamento e de provisionamento dos projetos concedidos
e das despesas contratadas.
A importância
dessa autonomia, e da capacidade de planejamento decorrente, cresce
ainda mais nos momentos críticos, como esse da crise cambial
que afeta o coração da pesquisa brasileira, já
que a grande maioria dos equipamentos e dos insumos necessários
ao seu desenvolvimento são importados e, assim, contratados
e pagos em dólar.
Com
autonomia e planejamento a Fapesp tem conseguido, juntamente com
a comunidade científica paulista, responsável por
mais de 50% da produção brasileira no setor, singrar
o mar revolto das adversidades cambiais e navegar, com expectativa
confiante para mares mais propícios de estabilidade nos cenários
econômicos nacionais e internacionais.
Nesse
sentido, no momento de mudanças políticas por que
passa o País, não é demais lembrar que, embora
não seja panacéia, adotar a autonomia de gestão
financeira das instituições federais de fomento à
pesquisa e também das universidades públicas federais,
seria uma boa iniciativa do novo governo e uma boa forma de iniciar,
na prática, um bom diálogo com a comunidade científica
nacional que há muitos anos luta, reclama e propugna por
ela.
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