Acertos
e erros do sistema de pós-graduação brasileiro
O sistema de pós-graduação brasileiro tem
contribuído fortemente para o desenvolvimento da
ciência e tecnologia. Esse sistema tem aumentado a
participação de autores brasileiros em
artigos de periódicos internacionais relevantes,
além de qualificar proporções crescentes de
docentes universitários, elevando a qualidade do ensino de
graduação brasileiro. Apesar das vantagens, esse sistema
tem recebido várias criticas de pesquisadores, pós
graduandos e docentes, o que tem despertado discussões no
meio acadêmico e estimulado as pesquisas sobre a
pós-graduação no Brasil.
De forma geral, os estudos sobre o sistema de
pós-graduação no Brasil abordam
dois aspectos diferentes. O primeiro trata do
financiamento do sistema, incluindo análises de fluxo de
recursos federais para a pesquisa e ao sistema de pós
graduação como um todo. Abrange
também considerações sobre as
políticas de concessão de bolsas das agências
de apoio à pesquisa e a pós-graduação.
O segundo aspecto se relaciona à adequação
do formato da pós-graduação frente ao
desenvolvimento das áreas ou sub áreas em
questão, e trata também de temas
polêmicos como os ciclos seqüenciais, sua
relação com a pesquisa, os
critérios uniformes de avaliação de
cursos, o impacto da produção científica nacional,
entre outros.
Jacques Velloso é professor titular de
Economia da Educação da Universidade de
Brasília, e um dos estudiosos da
pós-graduação brasileira com várias
publicações a respeito. Ele conta que a
pós-graduação compreende os
programas de sentido estrito, incluindo doutorado e mestrado,
e os cursos de sentido lato, que são os de
especialização. Os cursos de mestrado e
doutorado estão concentrados nas universidades
públicas estaduais e federais. As instituições
particulares oferecem grande quantidade de cursos de
especialização. Para ele, o maior problema
enfrentado pelo sistema de pós
graduação nacional é a falta de investimentos
do setor privado em ciência e tecnologia.
Na opinião de Luciano Rezende Moreira,
pós-graduando da Universidade Federal de
Viçosa e Coordenador Geral da
Associação Nacional de Pós-Graduandos, o sistema
está passando por um momento de crise, o que reflete diretamente
na qualidade de vida dos pós-graduandos brasileiros. Ele chama
a atenção para a atual escassez de bolsas para mestres
e doutores "O sistema de concessão de bolsas vem encolhendo
face à demanda e há mais de oito anos não
são reajustadas. Vários programas de
fomento estão virtualmente paralisados. Isso
coloca em xeque um setor estratégico para o
desenvolvimento do país, componente fundamental da
agregação de valor a produtos e
processos", comenta Moreira.
A política de concessão de
bolsas e financiamento de pesquisa por agências de
fomento nacionais como a Capes, o CNPq e as Fundações
de Amparo à Pesquisa dos estados, principalmente da Fapesp,
foi no passado e ainda é uma peça chave para o
desenvolvimento e crescimento do sistema de
pós-graduação brasileiro e,
consequentemente, para o desenvolvimento do sistema de C&T
nacional. O problema é que o número de
bolsas, que havia se expandido nos anos 90, não
tem acompanhado o número de matrículas nos
cursos de mestrado e doutorado. De forma geral, os
pós-graduandos afirmam que enfrentam dificuldades
para conciliar trabalhos remunerados e a
finalização das pesquisas dentro dos prazos exigidos.
Para eles, a dedicação integral é fundamental
para uma pesquisa de boa qualidade que possa ser publicada em
periódicos relevantes. Essa, entre outras
críticas dos pós-graduandos ao sistema,
é compartilhada pela Associação
Nacional dos Pós Graduandos (ANPG).
A ANPG também questiona a
criação de mestrados profissionalizantes
pela CAPES que, segundo Moraes, são resultantes do sistema
de pós-graduação atual, que não tem
verbas suficientes para pesquisas acadêmicas que requerem
altos investimentos e tem baixo retorno econômico "Não
é à toa que a portaria da Capes que regulamenta o
assunto afirma que os mestrados profissionais têm
vocação para o auto financiamento", diz
ele. "O perfil excludente do mercado de trabalho do
pós-graduando acaba pressionando uma
formação pós graduada menos densa em pesquisa
e mais profissional", diz ele.
Apesar da falta de empregos ser uma queixa
freqüente dos pós-graduandos, Velloso diz
que existem dados mostrando que a falta de perspectivas
no mercado de trabalho é muito mais mito do que realidade.
"Os dados obtidos pela pesquisa que recentemente coordenei,
sobre mestres e doutores titulados no país na década
de 90 mostram que, nas 15 áreas do conhecimento estudadas,
é pequena a proporção dos mestres que informaram
estar procurando trabalho, sendo diminuta a fração
dos doutores nessa situação. Apenas em duas áreas,
na Agronomia e na Física, as taxas de desemprego dos mestres
apresentaram níveis preocupantes, da ordem de 4%. Entre os
demais mestres entrevistados, formados nas outras 13 áreas,
as taxas de desemprego, embora não desprezíveis, giravam
em torno de 1,5%, incomparavelmente menores do que as vigentes no
país para o conjunto da força de trabalho", conta
o pesquisador.
Nesse contexto de discussões, um
sistema de avaliação da
pós-graduação é fundamental para
identificar as deficiências e melhorar o sistema. Atualmente
a avaliação da pós-graduação
é feita pela Capes, "e em geral goza de legitimidade
acadêmica", salienta Velloso. Diferente da
graduação, os cursos de
pós-graduação vêm sendo avaliados
há muito tempo, através de relatórios anuais
que os programas de pós-graduação enviam para
a Capes. "Alguns dos itens centrais da avaliação
são: produção intelectual dos programas;
vínculos entre essa produção e as
linhas de pesquisa do programa; conexões entre
estas e a concepção e estrutura curricular
do programa; prazos médios de titulação
dos mestres e doutores" explica Velloso "Os resultados
das avaliações estão associados ao credenciamento
dos programas (antes chamava-se reconhecimento) e à quantidade
de bolsas que a CAPES concede aos programas. Os diplomas expedidos
pelos programas que alcançam níveis satisfatórios
têm validade nacional; os demais, não. Os programas
que alcançam melhores níveis recebem uma maior
proporção de bolsas em
relação ao seu alunado", complementa " Nos
últimos anos da década passada, as
avaliações passaram a ser trienais em vez
de bienais e a classificação dos
programas, que era feita numa escala de cinco conceitos (de
E, o mais baixo, a A), passou a ser efetuada numa escala de 7 conceitos
(de 1 a 7). A avaliação trienal permite avaliar melhor
a produção intelectual dos programas, pois sabe-se
que prazos mais longos refletem melhor as tendências da atividade
acadêmica. A escala ampliada permitiu diferenciar melhor a
qualidade acadêmica dos programas".
Velloso reconhece os aperfeiçoamentos
que vêm sendo feitos constantemente no sistema de
avaliação mas este ainda pode ser
melhorado. Uma das críticas de Velloso está
na aplicação de uma mesma "fita métrica"
para medir o desempenho de diferentes áreas do conhecimento.
Para exemplificar o que isso significa, Velloso faz a seguinte
citação:
"... começam os comitês a
medir tudo pela fita métrica de sua
própria área, bem estreitinha. Pior, criam-se
critérios de avaliação adequados à
área de física que são impostos às
outras, às ciências sociais, cujos procedimentos
de pesquisa são muito diferentes. ... A avaliação
da ciência é qualitativa; não adianta publicar
50 artiguinhos vagabundos numa revistinha cocoroca" (Cláudio
de Moura Castro, em depoimento para o livro organizado por M.
Ferreira e R. Moreira, Capes, 50 anos, Capes e CPDOC/FGV,
Brasília e Rio de Janeiro, 2002, p. 101). |
No entanto, para Velloso, as
avaliações - mesmo sendo passíveis
de críticas - contribuem para que o sistema de
pós-graduação brasileiro seja admirado pelos
outros países da América Latina dadas as suas qualidades.
Velloso aponta algumas diferenças do sistema brasileiro com
relação aos demais países latino americanos.
"A proporção de estudantes de mestrado e doutorado
no país, em relação ao alunado de
graduação, é a maior da
região. Isso em parte se deve ao fato de que a
matrícula no nosso ensino superior ainda é
pequena em relação aos jovens da faixa etária
correspondente, quando comparada à de outros países
da região como, por exemplo, à da Argentina e à
da México. Mas o número de mestres e doutores no Brasil
em relação à população está
entre os maiores da região. Outra diferença relevante
está em nosso sistema de avaliação que, sem
dúvida, é o mais bem consolidado e desenvolvido da
região".
Pesquisa
caracteriza pós-graduação brasileira
Jacques Velloso coordenou um estudo
sobre a pós graduação
brasileira que foi publicada em 2002 no livro "A
Pós-Graduação no Brasil:
Formação de Trabalho de Mestres e
Doutores no País". A pesquisa, apoiada pela Capes,
foi realizada com apoio da Unesco (Organização
das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura). Segundo Velloso, a pesquisa
apresenta um retrato ilustrativo da formação
e trabalho de mestres e doutores titulados no país
na década de 90, em 15 áreas do conhecimento:
Administração, Agronomia, Bioquímica,
Clínica Médica, Engenharia Civil, Engenharia
Elétrica, Física, Química e Sociologia;
Direito, Economia, Engenharia Mecânica, Geociências,
Odontologia e Psicologia. "Um importante objetivo da
investigação foi identificar e documentar as
origens e o destino profissional dos titulados, com especial
atenção para as relações entre
formação e trabalho", explica. Os resultados
dessa pesquisa salientados pelo pesquisador seguem abaixo:
- Em
todas as áreas, cerca de 3/4 dos doutores trabalham
na academia (instituições de ensino superior
e institutos de pesquisa).
- Em
diversas áreas, em geral as de caráter mais
profissional e menos acadêmicas, parcelas expressivas
dos mestres não trabalham na academia, geralmente
concentrando-se em empresas, serviço público,
consultórios e escritórios.
- Nas
áreas de Administração, Direito, Economia,
Engenharia Elétrica, Odontologia Engenharia Civil,
Engenharia Mecânica, Geociências e Psicologia
cerca de metade dos mestres provavelmente não irão
seguir doutorado nem irão, no futuro, trabalhar na
academia.
- Os
mestres informaram qual tem sido a contribuição
da formação em pesquisa que obtiveram no mestrado,
considerando as atividades que exercem. A avaliação
dessa contribuição em geral é bastante
positiva. Mas em cerca de metade das áreas estudadas,
para os egressos que atuam em empresas ou no serviço
público, a contribuição tem sido bem
menor do que para os titulados que trabalham na academia
(universidades e institutos de pesquisa).
- Considerando
o caráter acadêmico dos mestrados brasileiros,
esses dados sugerem que, nos mestrados das áreas
de Administração, Agronomia, Engenharia Civil,
Engenharia Elétrica, Engenharia Mecânica,
Geociências, Clínica Médica
e Odontologia a formação em
pesquisa não está tão bem sintonizada
com as atividades profissionais que seus titulados efetivamente
exercem. A estrutura curricular desses mestrados mereceria
atualização, possivelmente no sentido de
diversificá-la.
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(JS)
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