|  
            
             Crise 
              nos hospitais universitários   
            O Sistema 
              Único de Saúde (SUS), organização que 
              reordenou os serviços e ações de saúde 
              dos órgãos e instituições federais, 
              estaduais e municipais após a constituição 
              de 1988, integra 6 mil hospitais, dos quais 154 são reconhecidos 
              pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério 
              da Saúde como entidades de ensino. São os denominados 
              hospitais escola ou universitários, que têm como função 
              a formação de todos os estudantes da área de 
              saúde de nível superior e abrigam a maior parte dos 
              cursos de pós-graduação do país, a realização 
              de pesquisas, além do atendimento à população. 
              Por suas funções, instalações e recursos 
              humanos e materiais, esses hospitais também oferecem estrutura 
              e concentram o atendimento e tratamento de casos de alta complexidade, 
              inserindo-se no sistema de saúde no denominado nível 
              terciário-quaternário, 
              relativo ao oferecimento de serviços mais complexos e diversos. 
              Os serviços oferecidos e as atividades exercidas por esses 
              hospitais lhes conferem as três principais funções 
              das universidades: ensino, pesquisa e extensão. 
            De 
              acordo com a Associação Brasileira de Hospitais Universitários 
              e de Ensino (Abrahue), entidade fundada em 1989, que congrega atualmente 
              113 hospitais universitários, esses hospitais foram responsáveis 
              em 2001 por 9% dos leitos, 12% das internações e 24% 
              dos recursos do SUS. No mesmo período, realizaram 50% das 
              cirurgias cardíacas, 70% dos transplantes, 50% das neurocirurgias 
              e 48,12% do total nacional de internações de alta 
              complexidade. A visível importância desses hospitais 
              choca-se nos últimos anos com a crise financeira que vêm 
              enfrentando. 
            Os 
              hospitais universitários recebem verba do SUS e um valor 
              adicional, o Fideps (Fundo de Incentivo ao Desenvolvimento do Ensino 
              e Pesquisa). De acordo com o DataSUS, banco de dados do Sistema 
              Único de Saúde, o Ministério da Saúde 
              gastou em 2001 quase 500 milhões de reais pagando esse adicional. 
              Para Amâncio Paulino de Carvalho, presidente da Abrahue e 
              diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, 
              da Universidade Federal do Rio de Janeiro, a crise atual associa-se 
              a uma forma de financiamento problemática do SUS, que remunera 
              de acordo com valores subestimados dos procedimentos realizados 
              pelos hospitais. Segundo Carvalho, isso vem sendo reavaliado sistematicamente 
              pelo Ministério da Saúde. 
            Na 
              opinião do presidente da Abrahue, dos 154 hospitais universitários, 
              os 45 hospitais ligados às universidades federais sofrem 
              uma crise mais aguda, porque, durante a década de 1990, a 
              política do governo Fernando Henrique Cardoso era de não 
              permitir a ampliação do quadro de pessoal do governo 
              federal, que praticamente não realizou concursos públicos 
              para contratação de novos funcionários. Carvalho 
              explica que isso levou a um déficit cumulativo que foi sendo 
              compensado pela contratação de pessoal terceirizado 
              por meio das fundações de apoio às universidades. 
              A quantidade de funcionários terceirizados nesses 45 hospitais 
              chegou a um nível em que foi necessário utilizar os 
              recursos do SUS, que deveriam ser destinados apenas para o custeio 
              dos hospitais, para o pagamento de pessoal. Em 2001 já havia 
              20 mil funcionários terceirizados, representando uma despesa 
              de 190 milhões de reais. "As despesas com pessoal acabaram 
              impossibilitando a manutenção dos custos dos hospitais. 
              A instabilidade econômica de 2002, o aumento da inflação 
              e a variação do dólar agravaram a crise e afetaram 
              particularmente a compra dos produtos importados utilizados pelos 
              hospitais, que passaram a acumular dívidas", diz Amâncio 
              Paulino de Carvalho. 
            De 
              acordo com levantamento da Abrahue, 18 dos 45 hospitais de universidades 
              federais tinham uma dívida, no final do ano de 2002, de 135 
              milhões de reais. "Pior do que a dívida é 
              o déficit mensal que demonstra a tendência de crescimento 
              dessa dívida e, portanto, a impossibilidade de negociá-la. 
              A conseqüência mais grave é o problema de abastecimento 
              dos hospitais que começou a prejudicar insumos fundamentais 
              como medicamentos e até alimentos", alerta o presidente 
              da entidade. 
            Segundo 
              Paulo Eduardo Rodrigues da Silva, que foi superintendente do Hospital 
              de Clínicas da Unicamp de 1991 a 1994 e de 1997 a 2002, os 
              hospitais das universidades estaduais paulistas são uma exceção, 
              pois apesar de enfrentarem problemas, sua situação 
              é melhor do que a dos hospitais ligados às universidades 
              federais. "Os hospitais da Unicamp, USP e Unesp não 
              reduziram sua produção, mas os hospitais das universidades 
              federais foram obrigados a fazê-lo para garantir as condições 
              mínimas necessárias ao ensino, pesquisa e atendimento 
              da população. Mantidas as atuais formas de financiamento, 
              através de tabelas defasadas do SUS, ao invés de contratos 
              de gestão que garantam o custeio dos hospitais de referência, 
              a tendência dos hospitais das universidades estaduais paulistas, 
              será o mesmo das instituições federais", 
              diz ele.  
            Entre 
              os problemas dos hospitais ligados às universidades estaduais 
              está o grande aumento da demanda pelos serviços desses 
              hospitais não ter sido acompanhado por uma reelaboração 
              de seu modelo de financiamento. Silva explica que a Área 
              de Saúde da Unicamp consome 19% do orçamento total 
              da universidade, tendo atingido o seu maior índice de participação 
              (22%) em 1992.  
            A Área 
              de Saúde possui vários centros, entre eles, o Hospital 
              de Clínicas, sua maior unidade, além do Centro de 
              Atenção Integral a Saúde da Mulher (Caism), 
              o Hemocentro, o Gastrocentro e o Centro de Pesquisas em Pediatria 
              (Ciped), e seu custo é em torno de R$ 200 milhões 
              anuais, sendo de 40% (R$ 80 milhões) a parte do SUS. "Apesar 
              da nossa situação não ser tão crítica, 
              os problemas de financiamento são os mesmos dos hospitais 
              que prestam serviços para o SUS", afirma Silva. 
            Ainda 
              de acordo com ele, o melhor modelo de financiamento dos hospitais 
              das universidades estaduais seria que uma parte do orçamento 
              voltado para a assistência à população, 
              fosse bancada pela secretaria de saúde ficando a universidade 
              responsável pela parte referente ao ensino e à produção 
              acadêmica. "A universidade não pode pagar a crescente 
              demanda por assistência de forma ilimitada, por isso parte 
              de seu financiamento deve ser incorporada por quem deve promover 
              essa assistência", argumenta ele. 
            Dos 
              154 hospitais universitários ainda existem aproximadamente 
              50 que são filantrópicos, as Santas Casas de Misericórdia 
              que têm convênios com as universidades. Estes hospitais, 
              de acordo com Amâncio Paulino de Carvalho, têm problemas 
              não menos graves, mas diversos dos outros, porque não 
              têm pessoal, nem orçamento do setor público, 
              e precisam se financiar integralmente.  
            Tentativas 
              de solucionar a crise 
              Nos últimos anos, os ministérios da educação 
              e da saúde têm destinado verbas complementares, que 
              amenizam os problemas em curto prazo, mas não modificam de 
              forma decisiva o atual quadro. Como legalmente a terceirização 
              de pessoal dos hospitais das universidades federais foi considerada 
              irregular pelo Tribunal de Contas da União e os hospitais 
              foram intimados a demitir todos os contratados por esse processo, 
              o MEC realizou em 2002 concursos públicos para o preenchimento 
              de 3300 vagas. Até meados de 2003 estão previstos 
              concursos públicos para o provimento de mais 7700 vagas, 
              o que totaliza metade do pessoal terceirizado.  
            Para 
              Amâncio Paulino de Carvalho, além dessa solução 
              que vai diminuir gastos com pessoal e liberar recursos para o custeio 
              dos hospitais das universidades federais, outra solução 
              importante seria o aumento dos recursos complementares. "Existe 
              hoje o Programa Interministerial de Apoio aos Hospitais Universitários 
              federais que tem provido recursos orçamentários para 
              complementar o custeio. Estamos recebendo por ano 60 milhões 
              de reais e para 2003 estão previstos 100 milhões. 
              Estes recursos podem aumentar este ano, essa seria uma boa solução. 
              O Congresso Nacional aprovou mais 50 milhões, e o orçamento 
              poderá subir para 150 milhões de reais. Essa verba 
              poderá estabilizar o funcionamento desses hospitais. Mas 
              no longo prazo, a Abrahue considera que a melhor solução 
              é mudar o padrão atual de pagamento pelo SUS, porque 
              a tabela de remuneração por procedimento do hospital 
              está muito defasada", afirma ele. 
            No 
              final de 2002, a Abrahue elaborou um documento relatando as dificuldades 
              enfrentadas por todos os hospitais universitários e propondo 
              várias soluções. O documento foi entregue à 
              equipe de transição do governo de Luís Inácio 
              Lula da Silva, que criou um subgrupo para fazer um relatório 
              acerca da atual situação. Esse relatório já 
              foi encaminhado ao ministro da saúde. 
            (MK) 
               
              
             
             |