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Mulher pode ter reação diferente a medicamentos

Pesquisas sobre a ação de medicamentos no organismo feminino são quase sempre escassas e ignoradas. As indústrias farmacêuticas concentram seus estudos sobre a mulher na área da estética, buscando fórmulas de emagrecimento e rejuvenescimento. Esse descaso pode ter graves conseqüências. O uso de fármacos, principalmente em quadros clínicos específicos, como gestação e amamentação, traz riscos de reações adversas à mulher e ao bebê.

De acordo com a farmacêutica bioquímica Julieta Ueta, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (FCFRP-USP), as interações medicamentosas, que ocorrem quando um medicamento é associado a outro, ou a alimentos ou substâncias, e tem seu resultado alterado, são muito freqüentes no corpo feminino, em especial nas mulheres em fase sexual ativa que usam anticoncepcionais. No entanto, pouco se sabe sobre as reações das drogas com diferentes níveis hormonais.

Ueta é uma das fundadoras do Programa de Educação da População para o Uso Racional de Medicamentos (Purame), da USP de Ribeirão Preto, que leva orientações básicas sobre o uso de medicamentos à população. Ela também é uma das autoras do livro A segurança dos pacientes na utilização da medicação, que aborda questões teóricas, curiosidades e fatos reais sobre o uso de medicamentos no Brasil e nos Estados Unidos.

Segundo a farmacêutica bioquímica, uma simples infecção de garganta tratada com antibióticos, por exemplo, aumenta a chance de uma gravidez não planejada, pois esse tipo de medicação diminui o efeito dos contraceptivos.

Uma prova do desconhecimento sobre o organismo feminino está nas bulas de remédios. A maioria delas traz indicações de que não existem estudos sobre possíveis efeitos colaterais em gestantes e lactantes. Ueta lembra que, na década de 40, mães que consumiram talidomida, um dos tranqüilizantes mais utilizados na época, deram à luz crianças com má formação de braços e pernas. O fato causou um grande impacto não só na indústria farmacêutica, mas também na opinião pública mundial, e despertou os pesquisadores para a necessidade de maior vigilância sobre os medicamentos.

Hoje, o consumo de antidepressivos e ansiolíticos pelas gestantes vem se tornando uma tendência dos estudos sobre a mulher. O uso abusivo dessas drogas pode afetar o desenvolvimento dos fetos e provocar dependência, tanto nas mães quanto nos bebês. A conscientização é importante, já que a maioria das prescrições de psicotrópicos, drogas que atuam na saúde mental como estimulantes ou calmantes, é realizada por clínicos gerais, e não por médicos especializados.

Hormônios
"A diferença de se trabalhar com o corpo feminino é que as mulheres são regidas pelos hormônios, que controlam o ciclo menstrual. As pesquisas que envolvem mulheres não podem subestimar a parte hormonal, porque é o que as controla todos os dias. Se o estudo for feito na fase reprodutiva, não se pode ignorar o estrógeno e a progesterona, que regem a harmonia do organismo feminino", explica a farmacêutica Maria Regina Torqueti, que também trabalha na FCFRP-USP.

Nesse contexto, as pesquisas sobre a ação dos anticoncepcionais são fundamentais. Esse tipo de medicamento é constituído de hormônios sintéticos, similares ao estrógeno e à progesterona, produzidos pelo corpo da mulher. Segundo Torqueti, que realizou um estudo comparando três anticoncepcionais em mulheres, os contraceptivos interferem com a hemostasia, que é o processo pelo qual o organismo estanca hemorragias. Sua investigação apontou que a concentração traz menos efeitos colaterais, principalmente sobre o equilíbrio entre coagulação e fibrinólise, que é a destruição de coágulos no organismo.

Outra situação específica do universo feminino que tem recebido bastante atenção é a menopausa. Nesse período, a mulher pode sofrer desequilíbrios hormonais e, em alguns casos, a terapia de reposição hormonal é recomendada. O tratamento, no entanto, tem sido uma grande preocupação dos especialistas.

"A expectativa de vida no planeta aumentou, chegamos a 75 anos. Sendo assim, a mulher vai ter que viver quase um terço da vida dela em menopausa, quando esses hormônios deixaram de ser fabricados. O tratamento traz de volta os hormônios que o ovário deixou de produzir, mas acarreta muitos efeitos colaterais", alerta Torqueti.

Em abril de 2003, a farmacêutica concluiu uma pesquisa importante sobre a terapia de reposição hormonal. Trinta mulheres na menopausa foram submetidas ao tratamento com estrógeno em gel, aplicado na pele, e progesterona oral durante seis meses. Nesse período, elas voltaram a menstruar, pois os hormônios sintéticos induzem um ciclo artificial. Pesquisas da década de 60 mostram que o estrógeno estimula a formação de coágulos. Com o gel transdérmico, entretanto, a farmacêutica verificou que não houve esse efeito.

Até recentemente, a reposição hormonal era adotada como profilaxia, para prevenir problemas relacionados ao climatério ou simplesmente porque a mulher já havia atingido a idade média para o fim da menstruação. Esta abordagem, entretanto, vem mudando gradativamente entre a classe médica. Com os avanços na medicina e mesmo com observações clínicas, a tendência é que os médicos comecem a tratar a mulher de forma mais individualizada, procurando atender as necessidades diferenciadas de cada paciente. Essa evolução é fundamental, afinal o desequilíbrio dos níveis hormonais não acontece da mesma maneira em todas as mulheres.

"A medicina tem que criar uma reposição hormonal que faça com que a mulher volte a ter a qualidade de vida que tinha na fase reprodutiva. A falta desses hormônios traz conseqüências como mal estar, ondas de calor, aumento na taxa de gordura do sangue, que predispõe ao infarto no miocárdio e outras doenças, e prejuízos à função cognitiva. A mulher ainda é muito ativa nessa faixa de idade e vai ter que trabalhar convivendo com a menopausa e as perdas que ela traz. Este é um problema de saúde pública que tem que ser encarado com muita seriedade", conclui Torqueti.

Porém, são tratamentos que devem ser prescritos com muito cuidado, pois quando se ingere uma quantidade desnecessária de hormônios, a propensão a cânceres de mama e útero, por exemplo, aumenta. Em julho de 2002, um instituto nacional de sangue, pulmão e coração dos Estados Unidos interrompeu um grande estudo clínico sobre os efeitos do estrógeno e da progesterona ao detectar um aumento significativo na incidência de tumor de mama entre as mulheres submetidas ao tratamento. Além disso, a pesquisa verificou uma maior ocorrência de doenças cardiovasculares e embolia pulmonar nessas pacientes.

Para Ueta, embora o papel social da mulher tenha mudado consideravelmente nos últimos anos, com o fim da dedicação total ao lar e a entrada no mercado de trabalho, elas continuam vivendo um processo de submissão, ainda que motivado por outro tipo de mecanismo: a busca incansável e sem limites do "peso ideal" e da "juventude eterna". Daí o investimento maciço da indústria farmacêutica em estética e beleza.

Mas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a mulher é foco absoluto de adesão aos tratamentos e medicamentos. Isso se deve em parte porque, comparativamente aos homens, elas procuram com maior freqüência os serviços médicos, cuidam mais de si e dos filhos e têm cuidados especiais com os medicamentos que ingerem, principalmente durante a gestação.

 
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Atualizado em 10/12/2003
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