Mulheres entram em pauta
A presente
edição da ComCiência, que trata da mulher na
ciência, teve a participação fundamental dos
alunos da terceira turma do curso de especialização
em jornalismo científico do Labjor. As reportagens e entrevistas,
e mesmos alguns dos artigos que aqui aparecem resultam de seu esforço
na definição de pautas, levantamento de dados, escolha
de entrevistados (ou de articulistas, quando foi o caso), elaboração
e, não raro, exaustiva reelaboração de textos,
individual e coletivamente. Foi um trabalho desenvolvido na Oficina
de Jornalismo Científico II, entre agosto e novembro de 2003.
Dito
assim, com o trabalho concluído depois de prazo aparentemente
tão largo para sua elaboração, tudo parece
simples e fácil. Talvez, em certa medida tenha sido mesmo
simples, mas fácil, não exatamente. Em vez disso,
diria que a jornada foi extremamente estimulante, porque mesmo profissionais
veteranos do jornalismo, diante de uma pletora de textos que parecem
gritar por ajustes aqui e ali, para que em jornalísticos
efetivamente se transformem, vêem-se inesperadamente ante
a indagação sobre o que buscam, de fato, com essa
procura obsessiva pela melhor forma jornalística para dispor
as palavras; as informações; as reflexões.
E vêem-se ante a pergunta, que a seus próprios ouvidos
por vezes soa tola, até embaraçosa, sobre a melhor
maneira de transmitir uma noção clara do que diferencia
um texto jornalístico de um outro, não jornalístico.
Penso
que, antes de prosseguir, uma breve explicação se
faz aqui necessária: as turmas do curso de jornalismo científico
do Labjor são normalmente integradas por jornalistas e cientistas
ligados às várias áreas do conhecimento, parte
deles com vasta experiência em seu campo profissional. No
caso da terceira turma, são 37 alunos, dos quais, 18 jornalistas
e 19 cientistas - pesquisadores, digamos, para ser mais simples.
Entre estes, há físicos, biólogos, médicos,
engenheiros, cientistas sociais, etc. E numa oficina de jornalismo
científico trata-se, é claro, de engajá-los
todos, independentemente das competências que exercem fora
daquele espaço, num pequeno empreendimento jornalístico.
Ora, se parece ocioso tentar dizer a jornalistas com alguma experiência
o que é e como se chega concretamente a um texto jornalístico,
para profissionais de outras áreas não o é.
E isso não tem nada a ver com a capacidade para escrever
bem, que está longe, muito longe, de ser apanágio
dos jornalistas, ainda que seja neles competência altamente
desejável - em minha visão, indispensável.
Há, em todas as profisssões, pessoas que manejam com
destreza o vernáculo, e mesmo com sensibilidade e senso estético.
Como há jornalistas que a violentam com freqüência
e sem pudor.
De
volta ao ponto temporariamente contornado, diria que aquilo que
queremos acima de tudo, quando perseguimos incessantemente a melhor
forma jornalística é a clareza - de linguagem e de
intenções - capaz de fazer do texto uma verdadeira
prestação de serviço para o público.
Isso não é tudo, certamente. Queremos também
atrair o leitor com novidades, queremos entretê-lo, interessá-lo
e, se possível, encantá-lo. E para isso nos serve
também a técnica. Mas nada se situa acima dessa ansiada
clareza para que o jornalismo cumpra sua função social.
E no jornalismo científico em particular, no qual com enorme
freqüência há que se lidar com áridos conceitos,
complexos conhecimentos, que têm profundas conseqüências
para a vida social, esta é uma questão crucial.
Certamente
a consciência disso estava silenciosamente presente quando
em agosto passado começamos a discutir na terceira turma
do curso de jornalismo científico do Labjor sobre que tema
trabalharíamos durante a oficina. As possibilidades eram
quase infinitas, e depois de praticamente todos os alunos terem
apresentados suas idéias e sugestões, sobrou perto
de uma dúzia de temas que motivavam diferentemente as pessoas.
Mas feita uma votação, prática democrática
que nem sempre o árduo cotidiano das redações
dos diferentes meios de comunicação permite, o tema
vencedor - indício claro de que há muita gente atenta
a ele - foi a mulher e a ciência. Ou seria a mulher na ciência?
Logo vimos que havia, de cara, pelo menos duas abordagens possíveis
para o tratamento jornalístico da questão. Falaríamos
da presença (crescente) da mulher nas diferentes áreas
científicas no país, ou falaríamos da mulher
enquanto objeto de pesquisa nos diversos campos do conhecimento?
A decisão pareceu ambiciosa: trataríamos simultaneamente
de uma vertente e outra.
Decidido
isso, tratava-se de pôr mãos à obra e conferir,
uma vez por semana, como ela ia se desdobrando. Claro que no percurso
pautas caíram, outras foram alteradas, personagens que originalmente
deviam ser entrevistados, por alguma impossibilidade, foram substituídos,
determinadas buscas mostraram-se improdutivas, enfim, o usual no
universo do trabalho jornalístico - apesar de os prazos com
que se trabalhava serem muito diversos das noções
de tempo com que jornalistas profissionais normalmente trabalham.
Produziu-se um farto material, alguns textos muito bons, outros
nem tanto, mas nada que um cuidadoso trabalho editorial, a que se
dedicaram com afinco os editores da ComCiência, não
pudesse aperfeiçoar.
O saldo,
está nesta edição da ComCiência para
a avaliação dos leitores. Há nela informações
preciosas sobre a atual inserção das mulheres nos
diferentes campos científicos no Brasil. Há um rico
panorama a respeito de como a ciência no país vem observando
a mulher enquanto objeto de pesquisa: seu corpo, sua fisiologia,
sua condição de vítima da violência,
seus espaços de trabalho, etc. Há entrevistas extremamente
estimulantes, como a da socióloga Fanny Tabak, e belos artigos
assinados por pessoas que têm efetivamente reflexões
consistentes a apresentar sobre essa questão central para
o desenvolvimento da sociedade humana que é a igualdade social
dos gêneros, fundada no reconhecimento e no respeito às
diferenças essenciais entre homens e mulheres.
Perto
da conclusão dos trabalhos para esta edição,
nossa curiosidade foi despertada por uma singular coincidência:
outras publicações no país, neste final de
ano de 2003, dedicavam-se largamente à questão feminina.
Por exemplo, o dossiê de cerca de 300 páginas Mulher,
mulheres, da edição 49 da revista Estudos Avançados,
do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo (IEA-USP). Outro exemplo muito importante: o relatório
da pesquisa feita por Hildete Pereira Melo, da Faculdade de Economia
da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Helena Maria Martins
Lastres, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), sobre a participação da mulher
na produção do conhecimento no Brasil. Parte de um
projeto da Unesco, o levantamento, que mereceu ampla cobertura da
imprensa no final de novembro, mostra, entre muitos outros dados,
que as mulheres em 2002 já constituíam 52% das pessoas
com diploma superior no Brasil. Um bom indício de que avança
sua participação e seu peso na conformação
também do Brasil mais culto. O que mais importa aqui, contudo,
é que simultâneas publicações sobre a
mulher neste momento, confirmam a extraordinária relevância
do tema desta edição da ComCiência.
Mariluce
Moura é coordenadora da Oficina de Jornalismo Científico
II e diretora de redação da Revista Pesquisa Fapesp.
|