Jovens
e Computadores - algumas observações a respeito das
transformações no mundo da educação
Tom
Dwyer
O
relatório da comissão chefiada por Jacques Delors
(1999) sobre Educação para o Século 21, comissionado
pela UNESCO, conceitualizou a existência de quatro pilares
da educação: o aluno aprende a ser, a conhecer, a
fazer e a viver com os outros. Essa conceitualização
é compatível com os Parâmetros Curriculares
Nacionais (MEC, 1999) e neste pequeno artigo vou relacionar resultados
de pesquisas empíricas sobre os usos de computadores por
adolescentes1
e a construção desses quatro pilares.
Aprendendo
a ser
Para
a Comissão Delors o sistema educacional deve contribuir ao
desenvolvimento completo de cada indivíduo - mente e corpo,
inteligência, sensibilidade, apreciação estética
e espiritualidade. Para evitar que exclusões se produzam
a partir do funcionamento do sistema educacional, todos devem receber
durante sua infância e adolescência uma educação
capaz de equipá-los para poder desenvolver sua própria
maneira, independente e crítica, de pensar e julgar, para
que, no futuro, eles próprios possam decidir a respeito dos
melhores caminhos de ação nas diferentes circunstâncias
de suas vidas.
Na
minha pesquisa, uma das dimensões chave da construção
da identidade apareceu quando os entrevistados responderam a uma
pergunta: se eles se consideravam mais globais ou mais brasileiros.
Aqueles jovens mais profundamente envolvidos com computação,
que programavam e buscavam ter competências técnicas,
se auto-definiram como sendo mais globais do que brasileiros. Se
autoconstruir como 'global', no estado atual das coisas, significa
imitar um padrão americano. O fato de ter um computador em
casa, permite aos jovens (de classe média), experimentar
a baixo custo (usando sobreteudo softwares pirateados ou grátis),
atividades artísticas, sociais, culturais, sexuais e técnicas,
assim desenvolvendo seus gostos e lados de suas personalidades.
Eles experimentam sem estarem sujeitos a controles e repressões
de colegas e adultos. Jovens que usam a Internet em sala de aula
e em casa descobrem mundos desconhecidos. Eles são obrigados
a confrontar e debater noções de verdade e mentira,
de bem e mal, do que gostam e do que não gostam. No debate
eles se identificam com uns e se distanciam de outros e assim formam
suas identidades e grupos de referência. Mas o perigo é
que esses jovens caiam ou num mundo da imitação do
outro ou num mundo de obscurantismo e mentira, onde as dificuldades
em se posicionar diante desse mundo levam a uma busca de identidades
não autênticas.
Assim
um desafio se apresenta para professores: ensinar como é
possível desenvolver os talentos e controlar, na medida do
possível, as próprias vidas desses jovens.
Aprendendo
a conhecer
Esse
tipo de aprendizagem visa, principalmente, à aquisição
de ferramentas que permitem conhecer o mundo. "Aprender a conhecer"
pode ser visto como um fim em si mesmo ou como um meio. No primeiro,
é o prazer da descoberta e da aquisição do
conhecimento que constitui a motivação.No segundo,
é necessário entender o mundo ao redor para poder
viver a vida com alguma dignidade, autonomia, habilidade ocupacional
e capacidade de se comunicar com os outros. Um fundamento importante
é o desenvolvimento, desde jovem, de um conhecimento das
ciências e do espírito de pesquisador científico.
A generalização desse conhecimento e estado de espírito,
constitui um baluarte da razão contra os charlatões
e os ideólogos.
Antes
da chegada da Internet os jovens só usavam computadores para
conhecer técnicas de programação e, eventualmente,
recursos educacionais em CD-Rom. Pais, professores, bibliotecas,
revistas e televisão constituíam os recursos principais
à disposição dos jovens que queriam conhecer
o mundo. A Internet aproximou os jovens de um mundo que, dado a
fragilidade das bibliotecas disponíveis aos alunos, estava
fora de seu alcance. Numa das escolas pesquisadas quase todos os
alunos buscam música na Internet, baixando arquivos MP3 e
compartilhando os mesmos com seus colegas. Alguns procuram músicas
do 'top ten', outros de DJs desconhecidos ou música exótica.
Através deste tipo de busca eles desenvolvem uma capacidade
de pesquisa, de conhecer uma parte do mundo que pode ser transferida
para outras investigações.
Vimos
alunos usando a Internet para pesquisar projetos em geografia, literatura,
tecnologia e história e assim estender seu raio de visão.
Muitos usam a Interet para substituir as bibliotecas. Fora das atividades
escolares, é possível ver um grande grau de experimentação.
Os jovens usam a Internet para investigar temas ligados a sexo,
drogas, software e para conhecer o mundo em geral. Embora alguns
não saibam como distinguir informações falsas
das verdadeiras, muitos têm a certeza de que a Internet permite
conferir a validade das informações transmitidas pela
televisão.
Vimos
jovens que tentam integrar vídeo, MP3, fotos e hipertexto
em trabalhos escolares. Eles tentam transmitir seus conhecimentos
empregando novas linguagens. Observa-se que tais esforços
podem não ser apreciados por aqueles professores mais ligados
a antigas tradições para a transmissão de conhecimentos.
Observamos também, casos nos quais a Internet serve para
'desconhecer' o mundo, sobretudo quando os jovens aceitam facilmente
os argumentos de pseudo-ciência ou esoterismo. Também
jovens que 'cortam e colam' informações, recolhidas
na Internet, em trabalhos escolares, como se fossem de autoria própria.
Na
medida em que os jovens entram em contato com mundos antes relativamente
desconhecidos, cresce a necessidade de se formar adultos capazes
de orientar suas buscas e ajudar na interpretação
dos resultados.
Aprendendo
a fazer
Quando
alunos 'aprendem a fazer' eles estão se preparando para o
mercado do trabalho. A introdução de computadores
no ensino público mostra que a educação está
mudando e também reflete o fato de que esferas da vida estão
sendo transformadas pela penetração da informática
(inclusive o trabalho do professor). Para fazer bem o seu trabalho
nesse novo mundo, o professor vai ter que se requalificar, assim
como tantos outros trabalhadores e profissionais de outras áreas
ao longo destes últimos anos.
Três
diferentes ordens de complexidade do uso do computador podem ser
distinguidas aqui. No nível mais simples, se aprende uma
série de tarefas básicas tais como usar um programa
de tratamento de texto, navegar na Internet, construir planilhas
e incluir imagens em textos. O processo de aquisição
dessas habilidades é chamado de 'alfabetização
digital'. O nível intermediário de complexidade requer
uma formação mais especializada a utilização
de programas pré-construídos: escanear e tratar imagens,
desenhar, diagramar páginas, desenvolver sites, desenvolver
usos sofisticados de planilhas e CAD-CAM.. No nível de maior
complexidade os jovens aprendem a programar, isto acontece sobretudo
entre alunos de escolas técnicas.
Para
poder trabalhar numa sociedade da informação os alunos
têm que aprender computação e as qualificações
de professores vão ter que acompanhar essa exigência.
Aprendendo
a viver juntos
Ao
longo do século XX, criou-se uma capacidade de auto-destruição
jamais vista na história da humanidade. As duas grandes guerras,
os campos de concentração, bombas atômicas e,
na década de 90, massacres tribais e guerras inter-étnicas
invadiram nossas casas através da televisão. Também
na decada de 90, as taxas de violência nos grandes centros
urbanos brasileiros subiram a níveis alarmantes.
Dentro
desse triste contexto, uma das tarefas do sistema educacional é
ensinar, na medida do possível, como evitar e controlar potenciais
relações de violência e construir uma base da
compreensão e convivência com o outro. É preciso
ensinar, sobretudo, a diversidade humana e estimular os alunos a
desenvolver uma consciência a respeito das similitudes e interdependência
de todos os grupos de uma sociedade de todos os povos.
A
Internet serve como ferramenta para elaborar projetos em conjunto
e para colocar pessoas em contato com outros com os quais não
entrariam normalmente. Vi professores organizando sessões
de bate-papo com alunos de outros países e, assim, os alunos
desenvolvem compreensões de elementos do dia-a-dia de outros
povos que, difícilmente, teriam sido desenvolvidas sem o
uso da Internet. A mesma técnica é potencialmente
útil para que alunos de classe média alta tomem conhecimento
da realidade dos alunos pobres, para que alunos urbanos conheçam
melhor a vida no campo e vice versa. Com frequência, os alunos
valorizam sessões de bate papo fora do contexto escolar como
sendo uma maneira de conhecer pessoas e realidades diferentes.
Mas
o computador também serve como veículo de ações
agressivas. Hackers e crackers enviam vírus e cavalos de
Tróia a seus inimigos e aos amigos dos inimigos, ou roubam
o trabalho escolar de outros. Guerras virtuais são desencadeadas
com base em suspeitas de quem, no mundo anônimo da Internet,
teria iniciado a primeira agressão.
Computadores,
e sobretudo a Internet, já estão servindo como ferramentas
através das quais os jovens aprendem a conhecer os outros
e a viver juntos, porém elas também ampliam potencialmente
tanto forças agregadoras quanto desagregadoras presentes
na vida social.
Conclusão
Os
impactos do computador e da Internet não estão dados
de antemão, uma das características centrais dessas
tecnologias é permitir aos usuários a abertura de
novos 'planos de ação' e um aumento da sua participação
em áreas com acesso anteriormente restrito. Para que o sistema
educacional brasileiro não desperdice as oportunidades apresentadas
pela chegada dessas novas tecnologias é preciso reconhecer
seus pontos fortes e fracos de modo a poder canalizar o uso das
mesmas para garantir benefícios.
Uma
próxima pesquisa deve se procupar em investigar empiricamente
se a introdução da Internet está associada
com um aumento ou um declínio das capacidades de aprendizagem
dos jovens.
Notas
- Entre 1995 e 1999 fiz duas pesquisas empíricas sobre
o relacionamento entre adolescentes e TI. Os sujeitos investigados
estavam estudando em escolas públicas e particulares, técnicas
e não técnicas, na capital e no interior do Estado
de São Paulo. A pesquisa é baseada em entrevistas
semi-estruturadas com mais de 120 jovens, observação
e análise de documentos tanto em papel quanto de natureza
eletrônica. Um primeiro artigo é Dwyer (1997). [voltar]
Tom
Dwyer é professor do Departamento de Ciência Políitica
da Universidade Estadual de Campinas
|