Nova
realidade digital tem reflexos nas relações de trabalho
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"Uma
coisa é certa, a hora uniforme do relógio não
é mais a unidade pertinente para a medida do trabalho."
(Pierre Lévy - O que é virtual?)
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Vivemos
uma realidade de rápidas transformações tecnológicas,
que fazem com que os limites das relações de trabalho
estejam passando por um processo de alargamento e flexibilização,
constituindo um espaço experimental para novas regulamentações
que permitam o ajustamento da produção, do emprego
e das condições de trabalho a essas inovações.
A explosão
da internet trouxe imensas repercussões para o ambiente do
trabalho. Segundo o advogado Mário Lobato de Paiva, conselheiro
do Instituto Brasileiro do Direito da Informática (IBDI),
"não podem ser negadas as facilidades que a internet
vem trazendo ao cotidiano dos trabalhadores e empregadores, no entanto,
nem sempre será possível a aplicação
analógica das normas ora existentes às peculiaridades
apresentadas pelos contratos eletrônicos". Para o advogado,
é preciso que seja garantido um mínimo de segurança
nas relações jurídicas estabelecidas por aqueles
que utilizam a Internet nas suas relações de trabalho.
"Ao direito cabe acompanhar a evolução da genialidade
humana a fim de possibilitar tal garantia", diz.
São
evidentes os benefícios que a informática e a Internet
prestam aos seus usuários no campo da comunicação,
sobretudo o correio eletrônico. Assim, as empresas - por economia,
rapidez e eficácia - têm substituído o uso do
papel, correio postal, telefone e fax pelo e-mail. Entretanto, o
fornecimento de endereços eletrônicos aos funcionários,
tem gerado conflitos nas relações de emprego.
Essa
tem sido uma das questões mais controversas no âmbito
do direito trabalhista. Embora as empresas só permitam a
utilização do e-mail por motivos de trabalho, os empregados
têm se utilizado para outros fins, gastando uma parte do seu
tempo enviando mensagens humorísticas, sexuais ou relacionadas
a seus interesses particulares. Com isso, incorrem no descumprimento
de sua real prestação de serviços, transgredindo
a boa-fé contratual, violando os deveres de conduta e cometendo
falta grave por meio da utilização de equipamentos
eletrônicos, o que justificaria punições ou
até mesmo a dispensa do trabalho, conforme explica Paiva.
No
Brasil, ainda não há regulamentação
sobre a matéria, mas a questão já tem sido
apreciada pelos nossos Tribunais Trabalhistas em casos que têm
sido chamados de "informatização da demissão".
Não há unanimidade e a grande polêmica se dá
em torno da privacidade x segurança, onde a questão
ainda não é consensual, havendo muita discussão
e desencontros, seja pela falta de legislação específica,
pelo confronto de interesses ou por desinformação.
O professor
de direito da Unesp, Mauro Martins de Souza, revela que as empresas
preocupadas com a segurança, vêm monitorando os e-mails
e, por outro lado, os trabalhadores estão exigindo o direito
de privacidade. "O monitoramento eletrônico é
feito através de programas que registram os sites visitados
por seus funcionários e com que freqüência, bem
como filtram, registram, e classificam automaticamente cada palavra
que passa pelos e-mails de suas redes", afirma. Segundo ele,
"sabe-se quais pessoas recebem e ou enviam mais mensagens,
as mais longas que atravancam as redes, as de conteúdo comprometedor
etc. Com tais softwares é possível visualizar os textos
das mensagens e anexos, bem como fazer buscas nos textos. Há
também programas que rastreiam a origem/destino dos e-mails".
O que
se discute é a legalidade ou não deste monitoramento,
explicita Martins de Souza. "Para justificar legalmente tal
monitoração, invoca-se que os empregadores são
donos dos computadores e seus programas, bem como das linhas telefônicas
e demais meios de comunicação e, ainda, que são
os contratantes das provedoras, motivo pelo qual têm o direito
de regulamentar como os micros, que são equipamentos de trabalho,
devem ser utilizados para fins estritamente direcionados ao trabalho,
mesmo porque os trabalhadores têm deveres de obediência,
de fidelidade e de colaboração, dentre outros, na
vigência da relação de emprego". Ele ressalta
que o tempo dos funcionários, atenção e concentração
no serviço que devem prestar, não podem e não
devem ser influenciados pela troca de correspondência na Internet,
a não ser naquilo que seja útil e necessário
à empresa.
Entretanto,
observa o professor, sendo a Internet uma rede pública aberta,
as mensagens enviadas/recebidas (em e-mails), seriam informações
privadas de domínio restrito do trabalhador? Qual a natureza
jurídica dos e-mails? É correspondência? Fechada
ou aberta? "A privacidade é direito fundamental dos
cidadãos, mas o direito de propriedade, que fundamenta a
preocupação com segurança, tem idêntica
proteção constitucional, não podendo aquela
(privacidade) servir de salvaguarda para maltrato a esta (propriedade)",
aponta ele.
Outro
conflito que começa a surgir é a utilização
do correio eletrônico pelos sindicatos para enviar mensagens
com informação sobre as ações sindicais
para os trabalhadores de determinada categoria. Embora esse tipo
de mensagem não cause prejuízo para o regular funcionamento
da empresa, elas têm se multiplicado, o que tem levado as
empresas a filtrar a entrada de determinadas notificações.
Os sindicatos, ao se sentirem prejudicados com essa atitude, têm
ameaçado garantir na justiça seu direito de transmitir
notícias de interesse sindical a seus filiados através
de e-mail.
No
entendimento de Lobato de Paiva, com base no reconhecimento da nossa
Justiça da liberdade sindical nos seus mais variados aspectos,
"dificilmente vai vingar qualquer atitude das empresas no sentido
de restringir esse princípio sob pena de violar os comando
assegurados em nossa Carta Magna."
Trabalho
à distância
Hoje
em dia, quando se fala das mudanças e tendências havidas
na execução de atividades profissionais relacionadas
ao ambiente de trabalho, os componentes que vêm à tona
no âmbito organizacional são os 4Ws: Work Tools
- Tecnologia da Informação; Work Process -
Estrutura e Processo; Work Force - Força de Trabalho
e Work Place - Local de Trabalho. Ou seja, como, quando e
onde se trabalha, de modo a ganhar tempo, produzir mais e melhor.
Novos
termos, como Satellite Office Center, Telecommuting
e Home Office dentre outros, tornaram-se constantes se o
assunto for espaços alternativos de trabalho que possibilitem
o trabalho à distância. Este, é fruto do grande
avanço em matéria de comunicação, que
agiliza o transporte de informação, reduz tarefas,
aumenta o controle de objetivos. Já não é mais
necessário a custosa abertura de sucursais ou escritórios
de negócios, pois basta uma série de equipamentos
de computação para que um trabalhador "informatizado"
não necessite apresentar-se na empresa para cumprir sua tarefa,
o que por si só, produz uma grande flexibilização
nas relações. A alteração do cumprimento
do horário da jornada de trabalho indica que está
havendo uma inversão de prioridades na realização
de tarefas de características qualitativas em detrimento
das quantitativas.
Apesar
de ser ainda uma ficção para muitos, trabalhar em
casa já é uma realidade. Isto se tornou possível
graças ao avanço das tecnologias de informações
(celular, computador, internet, fax, pager, secretária eletrônica,
etc), que estão mudando a cultura organizacional tradicional
para uma cultura de trabalho no formato de rede, interativa e conectada
eletronicamente.
O professor
da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), Álvaro
Mello, diz "com as mudanças ocorridas em todo o mundo,
a forma de trabalhar não poderia permanecer inalterada. Vários
conceitos, que envolvem relações entre empregadores
e empregados, a exemplo da remuneração variada, ou
por competência, estão em pauta na grande mídia
e nas empresas competitivas."
O processo
de levar o trabalho ao profissional (Telework, traduzido para o
nosso idioma como Teletrabalho) já ocorre em várias
partes do mundo. A Revista Exame, edição 617, mostra
estudos americanos, em que a redução de custos da
empresa pode chegar a 30% por ano quando os funcionários
trabalham em casa. Segundo dados da consultoria americana Gil Gordon
Associates, eles já são mais de 11 milhões
apenas nos EUA. Na Inglaterra, são 560 mil e na França
215 mil pessoas. No Brasil, ainda são poucas as estatísticas
disponíveis sobre o Teletrabalho, pois a modalidade é
nova, muito embora algumas multinacionais do país já
venham adotando-a desde 1992.
Álvaro
Mello, diz que "no Brasil, há cada vez mais uma legião
de profissionais dos mais diversos níveis que desenvolvem
as atividades na garagem de sua residência, num antigo quarto
de hóspedes, no quintal ou numa sala extra. Esse grupo que
passou a trabalhar em casa - por escolha ou contingência -
é crescente e heterogêneo. Nele estão incluídos
profissionais liberais que montaram as suas empresas, tais como,
consultores de organizações, comerciantes, prestadores
de serviços, fornecedores de alimentos, arquitetos, pequenos
industriais etc. Há alguns neste contingente, que são
desempregados, outros terceirizados, aposentados e jovens ainda
não absorvidos pelo mercado de trabalho."
Supõe-se
que esta alternativa tenha sido um dos principais responsáveis
pelo fato de as micros e pequenas indústrias terem gerado
milhares de novos postos de trabalho desde o início do Plano
Real, avalia Mello. Já existe até uma entidade, sem
fins lucrativos, a Sociedade Brasileira de Teletrabalho e de Teleatividades
(SOBRATT) que tem como objetivo estudar, promover e desenvolver
o teletrabalho e as teleatividades.
Para
os sindicalistas, o trabalho à distância é um
dificultador de suas atividades que, devido aos novos processos
em curso na sociedade contemporânea, têm se enfraquecido,
conforme atestam a queda do número e da proporção
de trabalhadores sindicalizados, bem como o declínio das
taxas de greve. São inúmeros os fatores responsáveis
por essa situação, as mudanças na estrutura
do emprego provocadas pelo avanço tecnológico e a
automação é um deles. Com a redução
do número de trabalhadores manuais, que sempre apresentaram
maior propensão à sindicalização, os
sindicatos estão enfrentando um quadro de extrema adversidade,
com muitas dificuldades em criar alternativas para essa conjuntura.
Se já é dificil realizar a organização
dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho, com o teletrabalho
o desafio é ainda maior, porque o isolamento dos trabalhadores
dificulta sobremaneira as ações sindicais.
Doenças
Ocupacionais
É
inequívoco que a tecnologia gera desenvolvimento. Porém,
ela é também fonte de grande quantidade de novos problemas
a serem solucionados como, por exemplo, as doenças ocupacionais
conhecidas como tenossinovites, que recebem várias denominações,
como LTC - Lesões por Traumas Cumulativos, LER - Lesões
por Esforços Repetitivos e DORT - Distúrbios Osteomusculares
Relacionados ao Trabalho. No Brasil, atualmente, elas representam
nove entre dez casos notificados de doença do trabalho e
são o principal motivo de afastamento pela Previdência
Social.
Tanto
que o Instituto Nacional de Prevenção às LER/DORT,
em parceria com o Ministério da Saúde, vem dedicando
um grande espaço de suas atividades para a divulgação,
informação e conscientização da sociedade
sobre a importância da redução do tempo de exposição
a uma postura inadequada e a prevenção dessas doenças
ocupacionais, causadoras de inúmeros transtornos. São
inflamações dos tendões, músculos, nervos
e ligamentos, de origem ocupacional, que acometem principalmente
os membros superiores, pescoço e região escapular
(omoplata e clavícula), geralmente curáveis. Causam
dor, fadiga, perda de força muscular, inchaço, queda
da performance no trabalho e incapacidade temporária.
De
acordo com o médico Sérgio Nicoletti, as LER - lesões
associadas com esforços físicos repetitivos ou com
manutenção prolongada de posturas inadequadas - "são
as que mais atenção vem recebendo por parte de médicos,
agências governamentais de saúde, sindicatos de categorias
profissionais e do público em geral".
(MP)
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