Hackers:
entre a ideologia libertária e o crime
A imagem
produzida no senso-comum para a figura do hacker é a do jovem
que passa o dia inteiro na frente de um computador, conhecedor dos
segredos da informática e dos caminhos nas conexões
via Internet. Essa visão não está longe da
realidade. No entanto, a definição maior do termo
surge do efeito que essas atividades podem gerar. O conhecimento
das ferramentas que acionam e regem sistemas e programas pode ser
usado para democratizar informações ou para atos criminosos.
As atividades possíveis através do domínio
da ciência da computação vão desde pequenas
invasões em páginas da Internet, sem maiores conseqüências,
até desvio de grandes quantias de dinheiro em contas bancárias.
Por outro lado, o domínio da máquina pode promover
a divulgação do conhecimento, que não interessa
a grupos econômicos e governos ditatoriais.
Há
muita controvérsia em relação à palavra
hacker. Na sua origem, nos anos 60, era usada para designar as pessoas
que se interessavam em programar computadores. Passados mais de
quarenta anos, após o surgimento do computador pessoal e
da Internet, o sentido da palavra hacker mudou e hoje ela é
usada nos noticiários para definir invasores de sistemas
alheios e até autores de crimes eletrônicos, para desespero
dos hackers originais. Os hackers da velha guarda defendem a categoria
e um código de ética. Outros, que também intitulam-se
hackers, promovem invasões, a disseminação
de vírus por computador e gostam de divulgar seus codinomes.
Há
até a tentativa de classificar os hackers como pessoas que
promovem a liberdade de expressão e de informações,
e os crackers como causadores de prejuízo. Mas essa classificação
também gera uma confusão de sentidos. A palavra cracker,
vem do verbo em inglês "to crack", significando,
aqui, quebrar códigos de segurança. Mas, muitas vezes
para promover a livre informação é preciso
"crakear", fazendo do legítimo hacker, também
um cracker.
Os
hackers, em geral, partem do princípio de que todo sistema
de segurança tem uma falha e a função deles
é encontrar essa porta, seja qual for a finalidade. Um programador
de computador experiente é capaz de desenvolver várias
habilidades como comandar computadores alheios à distância,
fazer alterações em sites, invadir sistemas de empresas
e governos e ter acesso a diversos tipos de informação.
Outra atividade ainda mais comprometedora é a capacidade
de descobrir senhas de cartões de créditos, senhas
de acesso às contas bancárias e de quebrar as senhas
de proteção dos programas comerciais, tornando disponível
a chamada pirataria de softwares.
O desenvolvedor
de software Lisias Toledo, membro da comunidade do software livre,
entretanto, prefere utilizar várias definições
ao invés de apenas o termo hacker. "Crackers são
aqueles que invadem computadores através da quebra de códigos,
quem faz alterações em sites são os defacers
e quem cria vírus são os virii-makers", diz.
Para ele, os hackers sabem que todo o conhecimento é poder.
"Quem rouba informações ou dinheiro não
é hacker, é ladrão", completa.
No
Brasil, cabe à Polícia Federal e à Polícia
Civil de cada estado a função de investigar os delitos
cometidos através do computador. Em São Paulo, funciona
o Centro de Crimes pela Internet, atrelado ao Deic. Em Brasília,
existe, desde 1995, no Instituto Nacional de Criminalística,
a Seção de Crimes por Computador, ligada a Perícia
Técnica da Polícia Federal. A equipe de sete peritos
especializados na área de crimes cibernéticos é
a responsável por emitir laudos oficiais. Os laudos são
pedidos através de denúncias no Ministério
Público ou para serem anexados em inquéritos feitos
nas delegacias da Polícia Federal.
Em
relação aos hackers e crakers, Marcelo Correia Gomes,
chefe da Seção de Crimes por Computador, diz que há
atuações para identificar invasões de sites
do Governo Federal, do Presidente da República e dos Ministérios.
"Dependendo do nível de conhecimento do hacker pode
ser fácil ou impossível encontrar o invasor".
Segundo ele, os hackers mais experientes não atacam a partir
do próprio computador mas invadem outros computadores para,
então, roubar a senha e fazer a invasão. O usuário
do computador que tem a senha roubada, nem desconfia que está
sendo usado.
"É
difícil, mas a gente vai seguindo até determinar o
autor que, em certos casos, pode até responder por ofensa
às autoridades", diz o perito Gomes. No caso de prejuízos
aos sites de empresas, como a legislação brasileira
não especifica esses crimes, a qualificação
do delito depende da forma como o delegado vai fazer o inquérito.
Os
crimes mais graves aplicados através da Internet recebem
o rótulo de estelionato na desatualizada legislação
brasileira. Esse foi o caso de uma quadrilha presa em novembro do
ano passado, na cidade de Marabá no Pará. A quadrilha
atuava no sistema de home banking, quebrando a senha de correntistas
e fazendo a transferência de dinheiro.
"O
que mais tem na Internet são hackers especializados em quebrar
senhas de segurança de programas comerciais. Quando saiu
o Windows XP, depois de seis horas já era possível
craquear o programa", diz Marcelo Gomes.
Hackers
românticos
Entre
a comunidade hacker mundial, há os que propagam uma ideologia
e uma ética própria que remontam o romantismo da origem
do termo, no final dos anos 60.
O filósofo
finlandês Pekka Himanen, defende em seu livro A Ética
dos Hackers e o espírito da era da informação,
que os legítimos hackers lutam pela liberdade de expressão
e pela socialização do conhecimento. Ele divide a
categoria em duas vertentes: os libertários hackers e os
contraventores crakers, que buscam senhas bancárias e dados
sigilosos de empresas.
Himanen,
que é professor na universidade de Helsinque e de Berkeley
na Califórnia, enumera várias atuações
significativas de hackers que revolucionaram o mundo digital. Entre
elas estão: a criação do sistema Linux, por
Linus Torvalds em 1991, que tem o código-fonte aberto e pode
ser adquirido livremente com os aplicativos disponíveis na
Internet e a criação do formato MP3 e do programa
Napster, para troca de músicas através da Internet.
Para
o filósofo, os hackers também foram importantes para
garantir a liberdade de expressão na Guerra de Kosovo, divulgando
na Internet informações de rádios censuradas
e levando informações para a China, atuando contra
a censura oficial. São os ecos da contracultura de uma geração
acostumada a protestar. Essa geração criou a revolução
digital e os remanescentes que não se alinharam com as grandes
empresas como a Microsoft, criaram a ideologia hacker.
A tecnologia
sendo usada para o bem estar e a diversão de todos. O trabalho
como um prazer não como uma obrigação. Estas
frases refletem a filosofia do hackers "românticos".
Algumas organizações como a Internet
Society lutam contra a exclusão digital em países
do terceiro mundo, ensinando as pessoas a navegar e a dominar os
sistemas.
Hoje,
há hackers que pregam uma revolução digital
com acesso livre e gratuito aos programas de computadores e trocas
de bens de consumos culturais através de Internet. São
pessoas que quebram os sistemas de segurança e tornam os
produtos acessíveis a quem desejar. Um exemplo são
os códigos de segurança de DVDs, que são craqueados
e o filme pode ser compactado em um formato em que é possível
o seu compartilhamento pela Internet, assim como aconteceu há
alguns anos com o formato .mp3 (veja reportagem sobre Copyleft
nesta edição).
Outra
forma de atuação na "socialização
do conhecimento" acontece nos sites que ensinam como quebrar
os códigos de segurança da maioria dos softwares disponíveis
no mercado ou fazem a indicação do site onde se pode
conseguir o programa craqueado. O mais famoso é o Astalavista.
Este site também oferece um ranking de sites oficiais de
hackers de todo o mundo.
Hackers
perigosos
Existem
várias formas de testar sistemas de segurança e provar
o talento de hackers com más intenções. As
primeiras lições são as brincadeiras de invadir
páginas e sistemas de empresas, que contam pontos no currículo
dessa espécie de hacker. No Brasil há vários
sites que promovem aulas de linguagem de computadores (Java, Flash
e etc.) para invadir e danificar outros sites e salas de bate-bapo
para troca de informações.
Mas
esses sites são restritos e têm um sistema de proteção
contra invasões bem seguro. A maioria exige um cadastro para
a navegação, como as páginas Inferno.
Além das lições básicas, esses sites
oferecem donwloads de programas, livros e arquivos hackers, jogos,
vídeos, arquivos de música em MP3, shows de bandas
de rock e até pornografia. Mas é preciso ter cuidado
ao acessar algumas páginas, que podem enviar vírus
para o computador do internauta assim que é acessada. Um
exemplo é o site chamado Hackers Ninja Home Page. Esta página
pode infestar o computador com o vírus j.s.exception.exploit.
Os
hackers brasileiros também são bem conceituados internacionalmente.
As páginas brasileiras estão em segundo lugar no ranking
de invasões, segundo o site www.alldas.org,
que faz o registro de páginas invadidas na Internet. Mas
os números não são muito confiáveis
porque quem envia a notificação são os próprios
invasores. Empresas atingidas evitam divulgar as invasões
porque acabam denunciando as próprias falhas de segurança.
O brasileiro Rinaldo Ribeiro é tetracampeão mundial
de invasão de sistemas em campeonato promovido pelo instituto
de segurança Sans. Hoje
Ribeiro trabalha na empresa de segurança Módulo.
A absorção
dos hackers pelo mercado de trabalho na área de segurança
é um caminho para os que se destacam. O conhecimento adquirido
acaba sendo usado profissionalmente com boa remuneração.
Há um grande mercado de serviços de empresas que vendem
a proteção dos sistemas de computadores e no caso
da Sans, até promove campeonato entre hackers. É uma
boa forma de propagar os perigos de um sistema sem segurança
e de incentivar as invasões para se criar a necessidade do
produto. Esta lei de mercado cibernético também vale
para as grandes empresas que fabricam programas antivírus
e se beneficiam da imensa quantidade de novos vírus produzidos
mensalmente em escala mundial.
(GP)
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