Reportagens






 
Pesquisas avaliam conhecimentos sobre ciência

Uma pesquisa realizada entre 2001 e 2003 em quatro países - Argentina, Espanha, Uruguai e Brasil - mostrou que mais de 70% da população acredita que a ciência e a tecnologia são a principal causa da melhoria da qualidade de vida. Entretanto, mais de 80% dessa mesma amostra não acredita que a ciência e a tecnologia possam, sozinhas, resolver todos os problemas. A pesquisa foi feita pela Organização dos Estados Iberomericanos (OEI) e pela Red Iberoamericana de Indicadores de Ciência y Tecnologia (Ricyt). O objetivo principal foi contribuir para a geração de indicadores que permitam avaliar a evolução da percepção pública da ciência, além de apontar novos elementos para a definição de políticas públicas nos temas relacionados à ciência e tecnologia.

 

A pesquisa realizada pela OEI e RICYT afirma que um dos aspectos chave para a percepção pública é a interação entre ciência e sociedade, que se dá através de processos de comunicação social da atividade científica. A circulação de informação científica deve se encaixar em uma política de comunicação pública da ciência - com instituições e mecanismos de difusão do saber. Na sociedade atual, a circulação de informação científica implica em uma série de processos, pois quando os códigos e valores da ciência e da tecnologia são transmitidos para a sociedade são incorporados no acervo econômico e cultural desta, ocasionando seu uso cotidiano, construindo, por fim, representações sociais diversas, não necessariamente articuladas entre si.

Ao realizar perguntas sobre a oferta de informação científica em jornais, na televisão e em revistas - e também sobre a freqüência com que as pessoas se informam sobre ciência -, o projeto conclui que na Argentina (80%), Brasil (71%) e Espanha (67%), a população se considera pouco ou nada informada. No Uruguai, os que se consideram informados correspondem à metade dos entrevistados.

O Ministério da Ciência e da Tecnologia de Portugal realizou pesquisa semelhante e concluiu que há um déficit de conhecimento científico em sua população. Uma avaliação dessa pesquisa concluiu que os baixos índices podem ser explicados pelas condições de aprendizagem (ruins) e pela escassez de oportunidade de outros contatos com o mundo da ciência e da tecnologia - como a falta de instituições nomeadamente científicas (museus, organizações profissionais) e meios de comunicação e divulgação especializados em ciência.

Os dois quadros a seguir mostram a porcentagem dos portugueses que se declararam muito interessados (quadro I) ou muito informados (quadro II) por matérias sobre descobertas científicas, invenções, novas tecnologias e recentes descobertas da medicina. Esse dado é comparado com o interesse por outras matérias sobre esporte e política. Os temas que mais despertam interesse são os esportes (19%) e a poluição do ambiente (21%). Poucos se declararam estar muito informados sobre descobertas cientificas (2%), invenções e tecnologia (2%) e descobertas na medicina (3%).
(Quadro I e Quadro II)

No Brasil, déficit educacional
A professora de Fundamentos de Filosofia e Metodologia da Ciência Luzia Marta Bellini, da Universidade Estadual de Maringá (UEM), no Paraná, dirige o projeto "Café com Ciência", que é um trabalho feito com crianças, adolescentes e adultos, sempre enfocando temas voltados para a ciência. Abordando grupos sociais diferentes, Bellini trabalha dentro e fora da escola e também com grupos de adultos não alfabetizados. Ela conta que o raciocínio desses adultos é fantástico. "Por exemplo, em matemática, em relação a cálculo mental, os analfabetos são muito bons, eles apresentam formas diferentes e brilhantes para encontrar áreas, perímetros e volumes sem fórmulas", diz Bellini.

A professora da UEM conta que já montou modelos que mostram o funcionamento do sistema solar nas ruas e até mesmo na universidade. Para isso, ela utiliza materiais diversos, como bola de papel e outros objetos. Quando começa a montagem, a professora utiliza uma bola de 80cm de diâmetro para representar o Sol e outra de 0,2cm para representar a Terra. "O Sol tem 12.300.000 km de diâmetro e a Terra 12.000 km de diâmetro equatorial. Quando mostro esse sistema solar, adultos, crianças e até estudantes de nível universitário ficam espantados com a diferença de tamanho entre os dois corpos". A professora conta que na pequena cidade de Marialva, no Paraná, ao montar esse sistema, as perguntas das crianças foram muito boas: "Marte é igual a Terra? Se a gente tiver que sair da Terra a gente conseguirá viver em Marte?". Diz ela que, para que haja um melhor conhecimento da ciência pela população, independente da classe social, é imprescindível existirem boas bibliotecas e bons livros, assim como museus, laboratórios e oficinas de ciências.

Segundo Bellini, grupos de crianças de três até doze anos também apresentam um bom raciocínio diante de problemas de diferentes áreas da matemática. Ela explica que o raciocínio científico, o espírito científico e mesmo as indagações filosóficas apresentadas pelas crianças se perdem a partir dos doze anos. "As crianças vão passando a não entender qual a relação entre a ciência e o cotidiano delas", explica. Segundo ela, a escola, que deveria manter esse interesse inerente às crianças, não o faz, pois está embasada no método da memorização. "Podemos afirmar que a escola atual não ajuda muito", diz a pesquisadora.

No entanto, as crianças que estão fora da escola também tendem a perder esse espírito científico, manifestado por meio de perguntas e da curiosidade. De acordo com Bellini, a mídia carrega uma parcela de culpa neste analfabetismo científico, ao veicular erroneamente conceitos científicos. Muitas vezes, as informações que são transmitidas à sociedade são manipuladas ou omitidas, o que serviria para esconder uma ideologia de ação das empresas ou até mesmo do Estado. O analfabetismo científico seria bom, por exemplo, segundo a pesquisadora, para os defensores de alimentos transgênicos. "O analfabeto é muito importante para as classes dominates, pois ele não põe dúvida em nada. Atualmente o que a sociedade propõe é a educação para o consumo que, na verdade, é uma educação para o mercado e o mercado mente. A sociedade acaba sendo vítima e as pessoas analfabetas", diz Bellini.

Em um levantamento feito por Bellini na cidade de Maringá (PR), em 1999, constatou-se que, de 30 escolas estaduais, apenas uma tem laboratório ou museu de ciências.

Países da Europa e os Estados Unidos teriam o mesmo problema, ou seja, uma deficiência no final do processo de escolarização. As carreiras de física e matemática, nos Estados Unidos, são as mais desprezadas pelos jovens, pois haveria, segundo Bellini, uma cultura que valoriza as carreiras em que se ganha mais dinheiro. Ela afirma ainda que o problema da queda da simpatia com a ciência não é só escolar, seria decorrente de uma imagem ruim que alguns países têm em relação à ciência e aos cientistas. "Quando a ciência é articulada, ela é articulada com a tecnologia ou com as grandes empresas. Apesar dessa articulação ser necessária e importante tenho receio que se confunda ciência com tecnologia, pensamento e criação com imposição de mercado", finaliza Bellini.

(AG)

 
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Atualizado em 10/07/2003
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