Reportagens






 
As confluências entre arte, ciência e tecnologia

A proximidade entre arte e ciência pode ser traçada de muitas formas diferentes no decorrer da história. O escultor, pintor, engenheiro e cientista Leonardo da Vinci (1452-1519) afirmava que ciência e arte completavam-se constituindo a atividade intelectual. A literatura de ficção científica, por sua vez, é compreendida por vários intelectuais como uma antecipação, nas e pelas artes de futuros feitos da ciência. Em ambos os casos, bastante distantes, um ponto comum: a proximidade entre arte e ciência, seja pela complementariedade ou pela influência recíproca.

Mais recentemente, seguidas gerações de artistas têm desenvolvido suas obras focalizando áreas tecnocientíficas, os avanços da computação e dos meios de comunicação, a biologia e a engenharia genética, entre outros. Esse é o caso do que tem sido nomeado como arte eletrônica, arte-comunicação, ou ainda, arte transgênica.

No Brasil, Abraham Palatnik (1928) e Waldemar Cordeiro (1925-1973) são considerados os pioneiros dessa convergência entre arte, tecnologia e ciência. O primeiro, após suas pesquisas sobre luz e movimento e discussões com o crítico de arte Mário Pedrosa, desenvolveu um aparelho cinecromático, exposto na 1a Bienal Internacional de São Paulo (1951). Os trabalhos de Palatnik fazem parte do que se convencionou chamar arte cinética e apresentam objetos que se movimentam por eletroímãs ou motores de pequenas dimensões, e que mudam de coloração conforme a ação da luz. O trabalho de Waldemar Cordeiro, contemporâneo de Palatnik, introduziu em 1970, o uso do computador nas artes visuais.

Desde a década de 1970 no Brasil, quando ocorreu a mostra Arteônica - O uso criativo dos meios eletrônicos em arte, realizada por Cordeiro, muitos outros artistas têm se voltado para a confluência da arte, ciência e tecnologia. A artista Diana Domingues, que coordena as pesquisas do Grupo de Pesquisa Artecno, do Laboratório de Novas Tecnologias nas Artes Visuais, da Universidade de Caxias do Sul (RS), explora a dimensão artística e estética das tecnologias através do tratamento eletrônico de imagens, vídeo, dispositivos de interação, redes neurais, em instalações interativas, web art e eventos robóticos. Para ela a relação amalgamada entre ciência, arte e tecnologia é hoje um sintoma mundial que trabalha com um novo conceito de arte. "É a noção da arte não mais como objeto, mas como sistema complexo, que permite a interação. As pessoas que vão ver uma obra não apenas contemplam, mas interagem.", explica Domingues.

A pesquisa atual de Diana, envolve as áreas de artes, comunicação, filosofia, informática e automatização industrial e focaliza a idéia de simbiose entre o corpo biológico e corpos sintéticos, e as alterações nos modos de sentir propiciados pelos sistemas interativos. Um exemplo desse trabalho é a obra denominada INS(H)NAHE(R)ES. Nesse trabalho, um robô dentro de um serpentário pode ser movimentado pelas pessoas através da Internet. A web câmera do robô transmite as imagens de dentro do serpentário, de forma, que o robô simula o corpo e a visão da pessoa, como se ela estivesse em seu lugar. "Esse é um projeto de comunicação em que a telepresença e a telerobótica colocam as pessoas num limite extremo. O título da obra significa in snakes e, ao mesmo tempo, as letras entre parênteses podem forma a palavra share, que traz a idéia de partilhar o corpo humano com o corpo do robô", afirma a artista. Na sua opinião, a ciência e a tecnologia trazem novas possibilidades para a arte, que as utiliza e, ao mesmo tempo, difunde-as.

Outro artista que trabalha com essa relação é Kiko Goifman, autor do livro e CD-ROM Valetes em slow motion. Segundo ele, num primeiro momento de seu trabalho, havia um interesse sobre como a arte poderia difundir questões científicas, fechadas ao meio acadêmico. No entanto, essa idéia foi abandonada em prol da utilização de meios tecnológicos, como vídeo, internet, CD-ROMs e instalações, para o desenvolvimento de processos criativos. Em seu livro, Goifman explora o conceito de tempo e discute como sua percepção se dá pelo excesso na prisão e, pela escassez, quando percebido por pessoas em liberdade. Para ele, a aproximação entre arte e ciência é bastante produtiva. "Cada vez mais meu trabalho é desenvolvido na relação com ciência e tecnologia, até porque existe uma questão da ciência que é muito importante como contribuição para a arte: a possibilidade do tempo da pesquisa, do mergulho e imersão. O tempo dentro da universidade e da academia é bem diferente, não é o tempo das empresas e dos negócios, o tempo imediato. Isso gera uma bagagem de conhecimento que é fundamental para os artistas", afirma Goifman, que ressalta que assim como ele, que é antropólogo e fez mestrado em multimeios, muitos artistas que exploram essa relação têm ligações com o mundo acadêmico.

Na 25a Bienal de São Paulo, Goifman apresentou junto com Jurandir Müller a obra Cronofagia, na qual uma página da internet podia ser clicada, mas aparentemente nada ocorria após o clique. No entanto, cada aperto do botão do mouse era contabilizado e a partir de um certo número de cliques uma nova imagem se formava. "Estava colocado nesse trabalho o excesso de movimentos na internet, a idéia de imagem não duradoura e uma crítica a essa situação quase comercial da internet. Outra coisa que também estava presente era a ação individual e a coletiva na rede", diz Goifman.

Para o artista, apesar de não ser possível definir dicotomias ou diferentes vertentes entre esses artistas, existem aqueles mais otimistas ou pessimistas com relação à ciência e à tecnologia. Segundo ele, há uma aproximação de parte dos trabalhos com filósofos que trabalham com as idéias de ciberespaço, como Pierre Levy, que tem uma visão positiva da internet. Por outro lado, assim como Diana Domingues, ele diferencia essa convergência entre arte, ciência e tecnologia, daquela que procura fazer divulgação científica. "Apesar de difundir as possibilidades da tecnologia e de alguns caminhos pessoais, como o meu, cruzarem-se em algum momento com a divulgação científica, é necessário destacar que são coisas diferentes", afirma Goifman.

Teatro e divulgação científica
A relação arte e ciência visando a divulgação científica está mais presente no teatro. É o caso de peças teatrais promovidas pela Estação Ciência da USP, como a que estreou em junho deste ano Conexões cósmicas, reunindo diversas teorias sobre a criação e evolução do universo.

A divulgação científica pela via teatral tem sido bastante comum nos últimos anos. Peças como Einstein ou a montagem brasileira de Copenhagen, tiveram um sucesso de público bastante inesperado e foram as precursoras de uma nova forma de divulgação da ciência. Outro precursor dessas iniciativas foi o grupo coordenado pelo bioquímico Leopoldo de Meis, que encenou a peça Método Científico. As experiências foram tão bem recebidas pelo público que atualmente existem até mostras de teatro científico como é o caso da realizada na Universidade Federal da Universidade do Espírito Santo (UFES), em junho de 2003.

(MK)

 
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Atualizado em 10/07/2003
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