Divulgação
científica na Internet: mais e melhores fontes?
Mônica
Macedo-Rouet
Milhares
de páginas são acrescentadas à web todos os
dias, muitas delas sobre ciência e tecnologia. Todo pesquisador
sabe que a Internet causou uma verdadeira revolução
no acesso à informação científica. Consulta
a bases de dados internacionais, comunicação com cientistas,
boletins eletrônicos de editoras e sociedades científicas,
pesquisa bibliográfica online. Mais do que nunca, temos a
impressão de poder consultar um grande número de fontes
de informação, utilizando para isso simplesmente um
computador pessoal e uma linha telefônica. Nem sempre, no
entanto, a experiência é bem-sucedida e muitos usuários
não encontram o que procuram na web. Seria realmente o caso
de estarmos diante de mais e melhores fontes?
Mais
é menos...
Ivars Perterson, em artigo publicado na revista Science Communication,
em 2001, analisa o noticiário médico e científico
na web e nota que, apesar da grande quantidade de sites nessa área,
não há uma diversidade de assuntos correspondente.
Um pequeno número de fontes primárias domina, de fato,
o noticiário e dita a agenda da divulgação
científica. Essas fontes são revistas científicas
bem conhecidas, tais como Science, Nature, New
England Journal of Medicine, The Lancet e Physical
Review Letters. Munidas de aparatos de comunicação
eficientes (além, é claro, de artigos de qualidade),
elas praticamente determinam o ritmo de publicação
e os temas de boa parte da mídia. Peterson cita o exemplo
da descoberta de objetos astronômicos flutuantes semelhantes
a planetas publicada pela revista Science em seis de outubro
de 2000. Dois grandes sites de divulgação (Science
Daily e UniSci) reproduziram o release da American Association for
the Advancement of Science e artigos sobre a pesquisa foram publicados
naquele mesmo dia por vários outros sites, dentre os quais
os do Los Angeles Times, BBC News, the Independent, The Scotsman,
Scientific American, NGNews, Science NOW, ABC News e Seattle Times.
A ironia,
diz o autor, é que a web, como um vasto repositório
de informações, tornou acessíveis ao grande
público dados que antes eram difíceis de encontrar
e aspectos da pesquisa científica que antes ficavam "escondidos"
(por exemplo, preprints de artigos, relatórios, imagens
de satélite). Mas quando se observa o noticiário científico,
vê-se que umas poucas fontes dominam a cena.
Jornalismo
de múltiplas fontes
Poderíamos pensar que, por serem grandes usuários
da web, os jornalistas científicos fariam uso intenso da
variedade de fontes que o meio oferece. O grande potencial da web,
argumenta o professor de jornalismo científico, Brian Trench,
é justamente o de possibilitar a citação e
a referência a múltiplas fontes de informação.
Em artigo a ser publicado, Trench afirma que a comunicação
interativa da web desafia as modalidades hierárquicas de
divulgação científica e impõe uma nova
forma de fazer jornalismo: o "mapping science journalism".
Nele, os jornalistas não podem mais se contentar em ser meros
relatores de informações recebidas de uma fonte. Afinal,
as próprias fontes podem disponibilizar seus conteúdos
diretamente para os leitores, através de seus sites. Com
isso, o jornalista, que antes era o gatekeeper, agora compete
diretamente com suas fontes. O interesse do seu trabalho, diz o
autor, está em que ele pode tornar-se um "guia"
do leitor através do emaranhado de informações
da web, oferecendo um "mapa das fontes" e links apropriados
a uma boa navegação.
Trata-se
de uma forma sofisticada de jornalismo, de que não encontramos
muitas evidências na Internet. Em minha pesquisa de doutorado,
comparei as versões impressa e online de 34 revistas de divulgação
científica de oito países e encontrei pouquíssimos
sites que reproduzissem uma quantidade significativa de seu conteúdo
na Internet, menos ainda que oferecessem complementos à versão
impressa (textos complementares, links comentados, perguntas e respostas,
entre outros). Apenas 14 sites podem ser classificados como consistentes,
permitindo de fato a leitura online dessas revistas. Mas a falta
de critérios ergonômicos na elaboração
de seus hipertextos dificulta a leitura, mesmo quando o conteúdo
existe. Um estudo experimental utilizando duas versões (papel
e hipertexto) de um texto da revista Superinteressante, mostrou
que o hipertexto levou a uma menor compreensão das informações.
Por outro lado, as revistas são o tipo de publicação
que mais teriam interesse em desenvolver o modelo sugerido por Trench,
já que suas reportagens (já na versão impressa)
caracterizam-se pelo uso de múltiplos textos e múltiplas
fontes. No estado atual da arte, entretanto, elas estão longe
desse modelo.
A
(des)confiança nas fontes
Quanto aos jornalistas científicos, a prática do "mapping
science journalism" parece estar restrita a um seleto grupo.
Acontece que esses jornalistas, apesar de serem usuários
muito frequentes da web, encontram dificuldades no uso da tecnologia.
Eles são também os mais céticos quanto à
eficiência da busca na Internet (gasta-se muito tempo, obtém-se
muito pouco) e quanto à qualidade das informações
disponíveis, como mostra a pesquisa de Trumbo e colaboradores
com 300 jornalistas científicos, publicada na revista Science
Communication, em 2001. O comentário de um editor ilustra
bem as contradições de uma pesquisa de informação
online: "Você lê um parágrafo até
o meio e encontra um hotlink. É tão fácil clicar
o mouse que você simplesmente pula de um site para o outro,
de uma sala de imprensa para outra" e quando cai na sala seguinte,
vê que há coisas interessantes" elas acabam te
levando a sair não só da sala, mas do prédio"
e afinal você acaba se perguntando, por que é mesmo
que eu estou aqui?".
A sensação
de desorientação, fenômeno aliás já
bem conhecido da pesquisa experimental (vide, por exemplo, Gordon
et al., 1988, The effect of hypertext on reader knowledge representation),
somada à incerteza sobre a qualidade das informações
encontradas na web funciona com um freio para os jornalistas. Em
muitos sites, é difícil saber qual é a origem
da informação: quem é seu autor, em que data
foi publicada, a que instituição pertence. Por isso,
a cautela tem de ser redobrada. Não por acaso, Trumbo observa
que são exatamente os jornalistas mais experientes (tanto
na profissão, quanto no uso da tecnologia), os que mais têm
reservas quanto ao uso da web na produção de notícias.
Mesmo assim, de tempos em tempos há um que cai numa armadilha,
como lembram Catherine Joulain e Bertrand Labasse, em artigo sobre
novas tecnologias e velhas técnicas jornalísticas.
Eles contam o caso do jornalista Peter Salinger que, em 1996, utilizou
um documento "exclusivo" para provar uma nova tese sobre
a queda do avião da companhia TWA. Infelizmente, o documento
circulava pela Internet há dois meses e era falso. A inabilidade
de Salinger para verificá-lo levou-o ao ridículo.
O
público face às fontes
A dificuldade de jornalistas experientes em encontrar e avaliar
as fontes de informação na web dá uma idéia
da complexidade dessa tarefa e dos problemas que encontram os usuários
para realizá-la. Uma pesquisa coordenada por John Miller,
em 2001, envolvendo uma amostra de 1.882 pessoas, representativa
da população norte-americana, entre os anos de 1997
e 1999, mostrou que quem usa a web para obter informações
científicas e de saúde são tipicamente aqueles
que, já possuindo um bom nível de conhecimentos gerais,
buscam na rede dados mais atualizados ou aprofundados sobre um assunto.
Os principais determinantes desse uso são o grau de escolaridade
e de cultura científica (civic scientific litteracy)
dos indivíduos. Ou seja, a possibilidade de consulta a múltiplas
fontes científicas na web beneficia aqueles que de antemão
possuem maior cultura geral, mas não representa um interesse
claro para todos os usuários.
Esses
resultados podem ser relacionados aos de pesquisas experimentais
com jovens usuários de hipertextos de divulgação
científica. Brem e colaboradores, por exemplo, observaram
dificuldades de interpretação e respostas inadequadas
nas justificativas apresentadas por estudantes de segundo grau na
avaliação de diferentes textos de divulgação
científica na web. As autoras avaliaram o desempenho dos
estudantes frente a uma lista de seis sites com diferentes características
argumentativas e os resultados mostraram que os estudantes confiavam
em um único parâmetro para avaliar a credibilidade
de uma fonte (filiação institucional ou titulação)
e não procuraram checar as informações dos
textos em documentos complementares ou em outros sites (embora lhes
fosse possível acessá-los), indicando que as potencialidades
da tecnologia não são funcionais quando os usuários
não possuem as habilidades cognitivas necessárias
à realização da tarefa.
No
"Projeto Colin" de pesquisa sobre a produção
de conhecimento a partir de fontes online, que envolve vários
laboratórios de pesquisa, dentre os quais o Labjor, estamos
testando o papel do conhecimento metatextual e documental na avaliação
de fontes de divulgação científica da web (páginas
de sites sobre "Tabagismo passivo e câncer de pulmão"
e "Rendimento Mínimo de Inserção e a exclusão
social"). Estudantes de jornalismo, biblioteconomia, medicina
e ciências sociais participaram de uma primeira série
de experiências e os resultados preliminares mostram algumas
diferenças significativas entre os grupos. Por exemplo, ao
avaliar o site particular de um médico especialista em pneumologia,
alguns usuários tendem a validar o conteúdo pela pertinência
relativa ao tema da questão, enquanto outros notam que apesar
de a informação ser de qualidade (precisa, atual),
a credibilidade da fonte é duvidosa, já que não
há informações independentes sobre o autor.
Em outro caso, a notoridade do jornal em que a informação
foi publicada, leva a avaliações globalmente muito
positivas, apesar de o texto não ser muito preciso e a competência
do autor sobre o assunto não estar explicitamente estabelecida.
Os
exemplos mostram que a multiplicidade de fontes científicas
que a web oferece representa uma dificuldade para os usuários,
quando eles têm de avaliar e selecionar as informações.
Leitores de divulgação científica não
são como pesquisadores buscando informações
específicas, dentro de uma área de conhecimento bem
delimitada e munidos das técnicas e métodos apropriados.
Critérios específicos que permitem selecionar as fontes
de informação têm de ser aprendidos e não
são partilhados por todos os leitores. Não se trata
apenas de dispor de mais e melhores fontes, mas também de
ter os conhecimentos necessários para poder avaliá-las,
algo que a Internet não ensina espontaneamente a seus usuários.
Mônica
Macedo-Rouet é pesquisadora (pós-doutorado) da Université
de Lyon I e pesquisadora associada do Labjor.
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