Os sítios arqueológicos de Itaboraí, RJ
Maria
da Conceição M. Coutinho Beltrão
Vários
sítios arqueológicos são encontrados nos bordos
da cratera de um vulcão, hoje extinto, cujas cinzas foram
datadas em 52 milhões de anos. São importantes registros
da presença humana preservados em uma das bacias sedimentares
mais importantes do estado do Rio de Janeiro - a bacia sedimentar
de São José de Itaboraí. Esta bacia teve sua
origem no início do Terciário (Paleoceno) como resultado
das atividades tecto-magmáticas que atingiram a região
desde o período Cretáceo.
As
evidências de vida aí encontradas correspondem ao período
que sucedeu ao da extinção dos dinossauros. Fósseis
de um mamífero xenungulado, provavelmente o mais velho da
América do Sul, com idade que alcança cerca de 65
milhões de anos, foram ai encontrados.
Além
deste, vários outros fósseis foram, também,
recuperados, inclusive exemplares que datam do Pleistoceno (Eremotherium,
Haplomastodon e o Testuto sp.). A presença
humana na região data desta mesma época, ou seja,
do Pleistoceno. Tal afirmação se apóia nos
diversos achados arqueológicos identificados nas superfícies
colinosas, em encostas relativamente íngremes, associadas
à morfologia de "rampas". Foram as descoberta dos
fósseis pleistocênicos, em 1969, nas camadas conglomeráticas
existentes ao sul da bacia calcária, que ensejaram uma série
de prospecções arqueológicas (1974), levando
à descoberta de um sítio arqueológico importante.
As escavações foram iniciadas apenas em 1979, tornando-se
sistemáticas a partir de 1981.
Sítio
de Itaboraí: Eremotherium e Haplomastodon, megafauna Pleistocenica,
são encontrados em outros sítios sul americanos associados
a artefatos.
Na
bacia há, efetivamente, pelo menos quatro setores de significativa
ocorrência arqueológica. O primeiro se encontra no
bordo leste, denominado Morro da Dinamite. O segundo situa-se no
bordo norte, nomeado sítio do Sílex. O terceiro, no
bordo sul, foi chamado de sítio Paleontológico e,
finalmente o quarto, Morro Verde, localizado, também, no
bordo norte.
A região do entorno da bacia é caracterizada pela
presença de vários níveis de depósitos
rudáceos e cascalheiras ainda não devidamente estudados.
Esses depósitos podem revelar elementos preciosos para a
geologia do Quaternário e para a arqueologia vis-à-vis
as ocorrências conhecidas e estudadas na própria bacia:
megafauna pleistocênica, artefatos líticos etc.
O
Sítio Arqueológico de Itaboraí, descoberto
por Beltrão em 1970, está localizado em uma "rampa
de colúvio", isto é, em uma inclinação
da superfície da encosta resultante do seu deslocamento a
partir do topo da elevação. Nos bordos da bacia a
rampa pode alcançar várias dezenas de metros de profundidade.
Pode-se dizer que é um sítio litorâneo, localizado
estrategicamente em uma elevação, demonstrando que
o homem pré-histórico evitava o confronto, nas planícies,
com a megafauna pleistocênica em uma região onde as
grutas são raras.
Bacia
de São José de Itaboraí - 1975
A
coleção lítica decorrente dos trabalhos de
campo realizados compreende cerca de 1.000 peças. Esse conjunto
reúne peças do Sítio do Sílex (1979),
do Morro Verde (1984), do Morro da Dinamite ou Morro Alto (em dois
setores distintos: no topo da colina e na face oeste da colina -
Paredão da Cascalheira) (1979, 1980, 1981, 1982, 1983, 1984,
1986) e do Sítio Paleontológico (1983).
A matéria
prima utilizada pelo homem pré-histórico, em Itaboraí,
pode ser encontrada localmente, isto é, não foi importada.
Entre os minerais e rochas utilizados, aparecem por ordem de preferência,
o quartzo (62,2%), o sílex (18%), o calcário (16,6%),
o quartzito (1,8%) e outras rochas nas quais se incluem o gnaisse
e a calcedônia (1,4%). Foi possível observar, segundo
a distribuição estratigráfica, uma modificação
na escolha do tipo de quartzo na localidade do Morro da Dinamite.
Na Camada Inferior observamos uma maior percentagem do quartzo do
tipo branco, quase hialino. Na Camada Superior havia maior número
de artefatos em quartzo do tipo não homogêneo (textura
sacaroidal). Os artefatos encontrados no topo da rampa de colúvio
bem como em vários pontos da rampa, cortada pela estrada,
que correspondem às cascalheiras, incluem: choppers, bifaces,
machados de mão, raspadores laterais em lascas extremamente
espessa, raspador com entalhe em lasca, facas de dorso, faca-perfurador,
buris em lasca, fragmentos de ponta sem pedúnculo, etc. A
evolução tipológica dos artefatos da base para
a superfície do Sítio pode ser observada através
dos núcleos: a) Núcleos volumosos a partir de seixos
rolados ou de blocos; b) Núcleos cônicos de onde foram
retiradas lascas e que poderiam ser utilizadas como plainas ou raspadores;
c) Núcleos poliédricos dos quais foram retiradas lascas
no sentido do comprimento.
O estudo
tipológico dos artefatos encontrados em estratigrafia, revelou
uma evolução na técnica de retoque. Na Camada
Inferior, os artefatos foram retocados unifacialmente, e na Camada
Superior bifacialmente. Os dados geológicos e arqueológicos
conjugados disponíveis para o Sítio de Itaboraí
sugerem que este registra uma ocupação muito antiga,
anterior ao Wisconsin, podendo alcançar, pelo menos, o Pleistoceno
Médio, talvez o Pleistoceno Inferior.
A parte
principal do sítio de Itaboraí está situada
sobre uma colina de 110 m de altitude (Morro da Dinamite) nos bordos
da Bacia Calcária de São José de Itaboraí.
A escavação realizada no alto do Morro da Dinamite
revelou uma fogueira arqueológica acompanhada de artefatos
líticos na parte mais alta da camada superior. A datação
efetuada pelo método do C14 forneceu uma idade de 8.100 ±75
anos (BELTRÃO et alii, 1982). Entre a Formação
Macacú e a fogueira datada de 8.100 anos A.P., dentro do
conjunto do depósito coluvial, foram encontrados vários
níveis que apresentam blocos trabalhados misturados com outros
blocos naturais. São, sobretudo, blocos de quartzo. Também
foram encontrados instrumentos de sílex, principalmente no
bordo norte da bacia (Sítio do Sílex) e no bordo sul
(Sítio Paleontológico), próximo do local onde
foram recuperados os fósseis pleistocênicos.
Bacia
de São José de Itaboraí - 1975
Procura-se,
assim, colocar em prática algumas das sugestões de
Beltrão (1998), tais como:
- Revisão
crítica da ocupação humana na América;
- Revisão
crítica dos conceitos sobre o nível de desenvolvimento
cultural do homem sul-americano e em especial do brasileiro;
- Necessidade
de se estudar sítios arqueológicos situados em rampas
de colúvio apesar de sua complexidade e necessidade de
estreitamento da colaboração transdisciplinar.
Por
outro lado, busca-se intensificar as pesquisas na medida em que
os dados fornecerão melhor leitura dos eventos geológicos
ocorridos no Cenozóico.
Esses
estudos assumem primordial importância tendo em vista as características
especiais da bacia de São José que guarda uma fauna
cenozóica única concentrada em uma pequena área,
tornando-se referência obrigatória para toda e qualquer
interpretação da Geo-história do Cenozóico
Regional e mesmo Continental principalmente no que diz respeito
à evolução da fauna de mamíferos.
Maria
da Conceição M. Coutinho Beltrão é professora
de arqueologia pré-histórica na Universidade Federal
do Rio de Janeiro
|