Quem
é e o que faz o arqueólogo?
Em
busca de uma arca desaparecida que concederia poderes fantásticos,
o arqueólogo Indiana Jones cruza desertos e enfrenta agentes
nazistas que atravessam seu caminho. Com direção de
Steven Spielberg, o filme Caçadores da arca perdida,
que traz o ator Harrison Ford no papel de "Indy", foi
sucesso de público em 1981 e vencedor de 5 Oscars no ano
seguinte. O estereótipo da imagem do arqueólogo-super-herói
criado pelo cinema norte-amerciano, e difundido por boa parte do
planeta, pode ser rapidamente rebatido pela realidade vivida por
um profissional da área. "As expedições
arqueológicas são, na verdade, somente uma parte do
trabalho do arqueólogo e, normalmente, acontecem apenas em
algumas épocas do ano, quando as condições
climáticas são mais propícias". A afirmação
é da arqueóloga Tania Andrade Lima, do Departamento
de Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O mercado
de trabalho para o profissional de arqueologia é bastante
amplo. De acordo com Eduardo Góes Neves, do Museu de Arqueologia
(MAE) da USP, o arqueólogo pode dar aulas, trabalhar em pesquisas
acadêmicas, em museus, em órgãos estatais ou
em empresas - trabalho conhecido como arqueologia de contrato.
Atualmente,
cerca de 95% dos arqueólogos do Brasil trabalham com arqueologia
de contrato. Grande parte dos sítios arqueológicos
são descobertos ao acaso, em meio a uma construção
ou uma obra. Nesse caso, uma equipe de arqueólogos é
contratada (daí o nome "arqueologia de contrato")
para promover um salvamento do sítio, caso ele esteja em
destruição iminente. Se não houver risco de
destruição, o sítio deverá ser cadastrado
no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional (Iphan) para posterior pesquisa. Então, entra o
trabalho da arqueologia acadêmica. Na realidade, o profissional
que trabalha por contrato passa mais tempo em expedições
do que o arqueólogo acadêmico, justamente porque migra
de um sítio ao outro.
Andre
Poirier Prous, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), diz
que o fato da grande maioria dos arqueólogos brasileiros
trabalhar por contrato representa um ponto negativo para a arqueologia
nacional. "As pesquisas são direcionadas e a academia
fica prejudicada com isso", afirma.
O lado
positivo da arqueologia de contrato é apontado por Neves.
"O arqueólogo tem que ser ágil, rápido,
tem que seguir o ritmo da obra, da conclusão do gasoduto,
da rodovia. Isso pode trazer experiências positivas também
para a arqueologia acadêmica", afirma. "Por outro
lado, a arqueologia acadêmica permite que o pesquisador estabeleça
o ritmo de sua pesquisa e, se necessário, retorne ao sítio
várias vezes para que seja realizado o seu trabalho".
Do
campo ao laboratório
Em seu depoimento, Prous evidencia as dificuldades encontradas no
trabalho de campo, seja por contrato ou realizando pesquisas acadêmicas.
"O trabalho nos sítios não é fácil,
você precisa ficar confinado, convive com um grupo limitado
de pessoas muitas vezes por um longo tempo, se submete a variações
climáticas. É preciso ser apaixonado pela profissão
para ser arqueólogo."
Arqueólogo Andre Prous em expedição
Neves
reclama da saudade enquanto está em expedição:
"Eu adoro trabalho de campo, se eu pudesse passaria a vida
no campo, mas é difícil por causa do distanciamento
da família".
Neves
em sua sala de trabalho
De
acordo com Pedro Paulo Funari, do Departamento de História
da Unicamp, o trabalho do arqueólogo pode ser dividido em
quatro etapas: campo, processamento em laboratório, estudo
e publicação.
Sítio Piracanjuba, em Piraju (SP): planimetria
de decapagem
em núcleo de solo antropogênico (piso de habitação).
Crédito:
José Luiz de Morais
Sítio Engenho do Salto, Piraju (SP): evidenciação
das fundações de muro
de arrimo de engenho de cana do século 19. As estruturas
foram inundadas
pelo enchimento do reservatório da Usina Piraju.
Crédito: José Luiz de Morais
Antes
de ir a campo, o arqueólogo deve ter em mente o trabalho
que irá realizar. Após realizada uma prospecção
inicial, de superfície ou aérea, inicia-se o trabalho
de escavação. "Usamos ferramentas normais de
pedreiro e fazemos a escavação com as próprias
mãos", afirma Neves. Durante as escavações,
os materiais encontrados são registrados e descritos em fichas
de campo. Numa fase posterior, o material é selecionado e
apenas parte dele é levado para laboratórios específicos
para que sejam estudados, analisados e, muitas vezes, comparados
com o material encontrado em outros sítios.
Atualmente,
as datações de todo material arqueológico encontrado
no Brasil são feitas em laboratórios no exterior por
meio de "testes cegos" (teste realizados em dois laboratórios
diferentes para que os resultados possam ser comparados e, assim,
mais precisos). Por isso, uma datação
realizada por carbono catorze ainda é muito cara no Brasil.
"A
datação não é Deus que te responde a
idade de uma pedra, mas pode dizer, por exemplo, que um pedacinho
de carvão foi queimado há mais ou menos 2500 anos",
explica Neves. Datado o material, cabe ao arqueólogo trabalhar
o contexto do fóssil. "O arqueólogo tem que mostrar,
por exemplo no caso de um esqueleto encontrado, que o peixe do qual
esse osso fazia parte morreu há tantos anos atrás,
foi trazido para o sítio arqueológico porque foi pescado
e consumido por uma comunidade. Os materiais que são datados
estão no contexto de uma intervenção humana",
conclui.
Por
último, cabe também ao arqueólogo publicar
o material trabalhado em catálogos de artefatos e fazer o
relato da expedição que, muitas vezes, é publicado
em algum periódico específico da área.
Como
se tornar um arqueólogo no Brasil?
A dificuldade em se tornar arqueólogo começa no longo
caminho que deve ser percorrido até a obtenção
do título. No Brasil, não existe atualmente nenhuma
graduação em arqueologia. "Poucos países
do mundo têm essa graduação", afirma Prous,
"não há necessidade de uma graduação
específica em arqueologia", complementa.
O curso,
no entanto, já foi ministrado no Brasil. Em 1976, a Faculdade
Marechal Rondon, no Rio de Janeiro, criou a primeira graduação
em arqueologia do país. Dois anos depois, a faculdade foi
absorvida pela atual Universidade Estácio de Sá.
De
acordo com a arqueóloga Tania Andrade Lima, que é
graduada em arqueologia e chegou a lecionar na Universidade, o curso
funcionou por cerca de 25 anos e recentemente deixou de ser oferecido.
"Não creio que se possa dizer que o curso não
tenha dado certo porque formou centenas de profissionais que se
encontram em atividades hoje no país, alguns deles ocupando
destacadas posições na academia, em órgãos
federais, ou a serviço de empresas", afirma Lima. Para
a pesquisadora, a arqueologia é uma disciplina eminentemente
científica, o que é pouco atrativo para uma instituição
particular. "Idealmente este é um curso que deveria
funcionar em uma universidade pública", diz Lima.
A arqueologia
começou a se mostrar no Brasil pouco após a Segunda
Guerra Mundial, mas foi somente nas décadas de 60 e 70 que
a área foi se firmando, principalmente após a formação
do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (Pronapa).
Nessa época, e nas décadas seguintes, os interessados
na área se encaminhavam ao exterior para fazer seus estudos,
já que existiam poucos profissionais no país que pudessem
orientar suas pesquisas.
Atualmente,
para quem deseja ser arqueólogo no Brasil, o caminho mais
fácil é fazer uma graduação em alguma
área das ciências humanas, ou da biologia, e depois
fazer um mestrado em arqueologia. "Mas até quem fez
direito pode se tornar um arqueólogo e acabar trabalhando
com questões jurídicas dos sítios arqueológicos,
por exemplo", complementa a arqueóloga. Eduardo Góes,
que tem formação em história, ressalta que
é importante que o estudante faça um estágio
ou uma iniciação científica na área
ainda durante a graduação.
É
exatamente isso que fazem Marília Bueno de Araujo, que cursa
história, e Alexandre Hering de Menezes, estudante de ciências
sociais, ambos na USP. Os dois trabalham no Laboratório de
Lavagem do Museu de Arqueologia (MAE) da USP.
Estudantes no laboratório de lavagem do MAE
Para
Tania Lima, esses estudantes estão no caminho certo. "É
preciso adquirir conhecimentos básicos durante a graduação,
sem os quais o aluno não terá condições
de fazer uma pós-graduação na área",
afirma.
O Brasil
conta hoje com três pós-graduações em
arqueologia, em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em Pernambuco
(ver BOX). A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estuda
a possibilidade de também implantar sua pós-graduação
na área.
Mercado
em expansão
"Faltam arqueólogos no mercado, estamos sobrecarregados."
A frase de Tania Lima é confirmada por Pedro Paulo Funari
que, em 2000, calculou em trezentos o número de arqueólogos
em todo o país. "A arqueologia no Brasil é recentíssima,
o número de arqueólogos profissionais reduzidíssimo
e os centros de formação pouco numerosos" afirma.
Ele
destaca um aumento do interesse pelo passado, por parte dos próprios
brasileiros, evidenciado em exposições e mostras que
trazem informações sobre arqueologia
nacional. "Há uma crescente conscientização
do valor social do passado", complementa.
Para
Neves, essa expansão do mercado de trabalho tem relação
direta com a mudança na constituição
de 1988 e com a criação do Conama.
A
profissão ainda não é regulamentada no Brasil,
o que faz com que exista uma discussão a respeito de quem
pode se responsabilizar por uma pesquisa arqueológica ou
assinar um laudo arqueológico (resultado de uma peritagem
em um sítio). Cabe ao Instituto do Patrimônio Histórico
e Artístico Nacional (Iphan) autorizar uma pesquisa arqueológica
e, nesse caso, são levadas em consideração
a experiência e a formação do profissional para
que seja concedida uma autorização.
Ao
falar do trabalho do arqueólogo, sobretudo o acadêmico,
Funari é conclusivo: "Tornar-se arqueólogo não
compromete uma remuneração fabulosa, mas oferece oportunidades
excepcionais para refletir sobre a sociedade, para agir com a comunidade
em prol tanto da preservação do passado como para
a transformação do presente".
(SR)
Pós-Graduações
em Arqueologia no Brasil
Universidade
de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas -
Museu de Arqueologia e Etnologia
Área de Concetração: Arqueologia
Mestrado, Doutoramento e Livre-Docência
Av. Prof. Almeida Prado 1466, Cidade Universitária,
São Paulo/SP CEP 05508-900
Fone: (11) 818-4905 / 818-4899
www.mae.usp.br
Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em História
Área de Concentração: Arqueologia
Mestrado e Doutoramento
Av. Ipiranga 6681, Prédio 03, Sala 321. Caixa Postal
1429, Porto Alegre /RS. CEP 90619-900
Fones: (51) 320-3534 / 320-3500 - ramal 4167.
www.pucrs.br
Universidade
Federal de Pernambuco
Programa de Pós-Graduação em História
Área de Concentração: Pré-História
do Brasil
Mestrado e Doutoramento
Centro de Filosofia e Ciências Humanas - 10º andar.
Depto. de História Cidade Universitária, CEP
50670-901, Recife/PE
Fone: (81) 3271-8292
www.ufpe.br
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