Cresce
participação dos índios na política
Na
comemoração dos 500 anos do Brasil, as populações
indígenas alcançaram importante visibilidade. Políticos
assumiram o compromisso de colocar a questão indígena como prioridade
na agenda política. No entanto, o efeito simbólico da comemoração
não trouxe mudanças significativas na situação
dos primeiros habitantes do Brasil. A reduzida efetividade das ações
do governo atual vem decepcionando lideranças indígenas e entidades
indigenistas nacionais e internacionais. Essa insatisfação levou
as lideranças indígenas a programarem para o mês de abril
uma série de eventos e protestos contra essa política atual,
além de lançarem um documento, o "Manifesto
de Abril" que traz uma série
de propostas.
Dentro
desse contexto, parece que os indígenas não estão mais
dispostos a esperar que os políticos brancos ajam em seu favor. A participação
dos povos indígenas da América do Sul na "política
branca" cresceu durante as duas últimas décadas. O Brasil
também mostrou um aumento da participação dos índios
como eleitores e candidatos nas últimas eleições. E 2004,
por exemplo, havia um candidato a deputado pelo estado de Roraima e um pelo
Acre. Também no Acre havia um candidato a suplente de senador, mas
nenhum deles foi eleito. No entanto, nosso país ainda apresenta um
quadro desfavorável quando comparado com outros
países da América do Sul que já possuem partidos
indígenas próprios e índios ocupando cadeiras no Parlamento.
No
Brasil, 70% dos indígenas votaram nas últimas eleições
(2004). Foram eleitos quatro prefeitos e em torno de 95 vereadores indígenas
dentre os mais de 350 candidatos índios. Outros 30% não conseguiram
votar pelo fato de não possuir os documentos necessários e até
mesmo pela dificuldade do acesso aos locais de votação. Na última
eleição, apesar de haver pelo menos um candidato a deputado
por Roraima e um pelo Acre, não foram eleitos representantes indígenas
na esfera estadual e federal, sendo que o único indígena já
eleito fora do âmbito municipal foi o deputado Mário Juruna pelo
estado do Rio de Janeiro, em 1982.
A
falta de representatividade indígena dentro do congresso nacional e
senado é apontada como um dos grandes entraves para a consolidação
dos direitos indígenas. “Atualmente os índios ainda não
possuem um contingente eleitoral que os permita eleger representantes federais
e estaduais somente através dos votos indígenas – o voto
étnico. Somente o Amazonas e Roraima seriam exceção.
Mas, o que temos percebido, é que está havendo um aumento da
presença indígena nos espaços políticos eletivos
brasileiros, principalmente como vereadores”, analisou Thiago Ávila,
antropólogo do Centro
de Trabalho Indigenista.
Adriana
Menezes |
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Índia
trabalha usando camisa de partido político na aldeia dos Pancararus,
em Pernambuco
|
A
organização política dos indígenas na América
do Sul teve início na década de 80. Em alguns países,
a maior presença indígena na população, algumas
garantias constitucionais de participação política, dentre
outros fatores, favoreceram uma participação política
efetiva. Em outros casos, esse processo foi bem mais lento. Na Bolívia,
por exemplo, um partido indígena-camponês tem hoje a maior bancada
de oposição no parlamento. “Nos anos 80, as lideranças
indígenas começaram a perceber que não é possível
o êxito de qualquer projeto étnico-político sem uma aliança
com outros setores da sociedade não-índia. Essas lideranças
começaram a entender que a vitória ou a derrota de seus projetos
enquanto povos distintos estavam historicamente vinculadas aos projetos políticos
da sociedade não-índia”, explica Paulo Porto, membro militante
do PC do B e professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná.
O
PC do B é um dos partidos que possui maior número de lideranças
indígenas em seus quadros, confirmando a tendência sul-americana
de candidaturas indígenas predominantemente em partidos de esquerda.
Segundo Ávila, os candidatos indígenas ainda não possuem
uma ideologia partidária explícita, “indo do PC do B ao
PFL”. “Um partido indígena seria uma idéia interessante,
mas vejo dificuldades de se colocar uma articulação forte e
consolidada que efetivamente dê suporte para as candidaturas indígenas”,
ponderou.
Para
o líder indígena Uilton
Tuxá, membro da Apoinme (Comissão Executiva da Articulação
dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas
Gerais e Espírito Santo), já existe um consenso do movimento
indígena no Brasil sobre o a necessidade de ampliar a participação
indígena em todas as esferas políticas. "Só assim
poderemos defender em linha horizontal os nossos direitos ameaçados
pelos grupos de políticos anti- indígenas no congresso nacional",
enfatizou.
Outra
questão importante que envolve a qualidade da representatividade política
indígena é o despreparo de muitos candidatos índios para
lidar com os "modos de fazer política branca". Essa falta
de preparo diminui as chances dos representantes eleitos agirem e se articularem
politicamente em prol das comunidades indígenas.“Existe hoje
uma expectativa de se iniciar uma articulação sólida
entre as organizações que compõem o movimento indígena,
os parlamentares e lideranças; para que os prefeitos e vereadores eleitos
possam usar esses espaços em defesa de seus direitos", completou
Tuxá. Além disso, afirmou Ávila, o voto étnico
indígena é muitas vezes corrompido pela política municipal
ou pelos tradicionais meios políticos de exploração da
miséria e dos currais eleitorais, clássicos da política
brasileira.
Um
parlamento indígena
Uma
idéia discutida pelos diversos movimentos indígenas brasileiros
é a constituição de um parlamento indígena. Essa
proposta foi discutida durante o “Seminário Índios e Parlamentos”
que ocorreu em Brasília em novembro de 2003. O parlamento deveria ser
reconhecido pelo governo federal e seria uma instância de articulação
indígena que faria a ponte entre as necessidades e opiniões
das comunidades indígenas e os ministérios. “O único
e exclusivo objetivo da criação do parlamento é o fortalecimento
do movimento indígena, pois nele seriam contemplados organizações,
lideranças e parlamentares indígenas. Essa instância de
articulação teria um caráter interministerial e estaria
lutando permanentemente em defesa dos direitos dos povos indígenas",
explicou Tuxá.
Na
visão de Ávila, a idéia de um parlamento indígena
é bastante interessante, desde que ele seja reconhecido como uma instância
política no mesmo nível do nosso parlamento e que seja chamado
para opinar e tomar decisões sobre temas que envolvem diretamente os
indígenas como mineração em áreas indígenas,
acesso aos recursos genéticos com conhecimento tradicional associado
e regularização fundiária. “Um parlamento indígena
seria um canal de discussão mais representativo dos direitos indígenas
do que o parlamento brasileiro com suas bancadas contrárias aos interesses
indígenas”, argumenta o antropólogo.
Tutela
e proteção do conhecimento indígena
A
criação de um parlamento indígena e o aumento da participação
dos índios nas esferas políticas estaduais e federais seria
um passo importante para aprovar uma antiga reivindicação de
grande parte dos movimentos indígenas: a mudança do atual Estatuto
do Índio. Isso porque, a Lei 6001, promulgada em 1973, que passou a
ser conhecida como Estatuto
do Índio é considerada hoje ultrapassada pela maioria dos
movimentos indígenas.
As
críticas são dirigidas principalmente à parte que determina
que os índios ou silvícolas devem ser "tutelados"
por um órgão indigenista até que estejam “integrados
à comunhão nacional”. Segundo o Estatuto, os índios
seriam “relativamente incapazes” de exercer seus direitos civis,
o que justificaria o estabelecimento da tutela. Para Ávila a tutela
indígena seria hoje injustificada já que os povos, organizações
e lideranças indígenas lutam ativamente em busca de seus interesses,
articulando e mobilizando diversos setores da sociedade nacional e global.
Segundo
Tuxá é preciso que os povos indígenas façam um
novo Estatuto onde sejam incorporados artigos que visem a proteção
dos direitos de conhecimento
intelectual, direito à posse
coletiva sobre as terras
indígenas e parte das riquezas do subsolo. Também
seriam necessárias adequações nos sistemas de educação
e saúde de forma que possam atender a atual demanda dos povos indígenas
e definir modelos de sistemas de proteção e gestão territorial
sustentável.
Na
opinião de Ávila, o desrespeito às diferenças
de costumes, crenças e organização social foram os elementos
fundamentais para estabelecer o conceito equivocado de tutela indígena,
onde as diferenças culturais são colocadas como sinônimo
de incapacidade. “É preciso separar e distinguir a tutela da
responsabilidade federal frente aos assuntos e questões indígenas”,
lembrou ainda o antropólogo.
A
questão relacionada ao direito de propriedade intelectual do conhecimento
indígena ainda não possui nenhuma regulamentação
específica no Brasil. A constituição brasileira apenas
reconhece que os povos indígenas têm o direito de manter suas
diferenciadas formas de organização social. Existe um Projeto
de Lei em tramitação há mais de oito anos mas, a questão
é, por enquanto, normatizada por uma Medida Provisória. "Vejo
a questão da legitimidade política – quem tem o direito
de falar e assinar um contrato em nome de um povo – como um grande desafio.
As sociedades indígenas brasileiras nunca tiveram uma centralização
política que representasse um conjunto de aldeias. Cada aldeia é
uma unidade política em si", acrescenta Ávila. Essa questão
já tem trazido problemas concretos para a população indígena
como no caso
do povo Krahô, numa experiência de parceria com a Universidade
Federal de São Paulo .
Segundo
Tuxá, a proteção dos conhecimentos indígenas é
um dos grandes desafios para as comunidades indígenas hoje e será
necessário que a proposta de Estatuto dos Povos Indígenas tenha
normas claras sobre como será feita essa proteção. Segundo
ele, os movimentos indígenas já estão articulando uma
revisão das propostas de Estatuto que tramitam pelo congresso. Essa
revisão deve ser realizada em três oficinas nas regiões
Leste/Nordeste, Sul/Sudeste e Norte/Centro-Oeste. Após essas 3 oficinas
regionais será feita uma última oficina nacional de onde será
tirada uma única proposta dos povos indígenas no Brasil que
será apresentada ao congresso.
(MT)