Revitalização
de rios é discutida hoje, mas
resultados demoram a aparecer
No final do século XIX, teve início
na Europa um movimento para promover a revitalização do principal
rio inglês, o Tâmisa. Na mesma época o processo industrial
brasileiro começava a se aquecer. O trabalho de revitalização
do Tâmisa durou mais de um século e hoje já é possível
até pescar em algumas partes do rio, ao mesmo tempo em que o Brasil luta
para colocar em prática os primeiros programas de revitalização
de seus rios. Mesmo que sejam bem estruturados, e que as ações
sejam executadas conforme o planejamento, os resultados só serão
percebidos daqui a pelo menos uma geração, mais ou menos como
ocorreu com o Tâmisa.
A atual política nacional de recursos hídricos
instituiu a bacia hidrográfica como unidade de gestão, coordenada
por Comitês de Bacia Hidrográfica – órgãos
formados por representantes da sociedade civil e do poder público. Cabe
a cada Comitê verificar as atividades que devem ser realizadas na bacia,
como as obras de revitalização de rios. De acordo com a antropóloga
Maria Lúcia de Macedo Cardoso, em artigo
publicado na revista Ciência e Cultura, existem hoje 93 comitês
de bacias estaduais (que envolvem mais de um Estado) e seis comitês de
rios estaduais (que nascem e deságuam no mesmo Estado).
Para o coordenador nacional do Programa de Revitalização do São
Francisco, Maurício Laxe, entende-se revitalização como
recuperação, conservação e preservação
ambiental. Este foi o conceito pensado para a elaboração das estratégias
de revitalização do São Francisco, que é parte do
Programa Nacional de Bacias Hidrográficas com Vulnerabilidade Ambiental.
O programa foi elaborado entre 2003 e 2004. “Antes havia um projeto de
revitalização coordenado por um único setor – de
recursos hídricos – do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Hoje a revitalização do São Francisco é um dos 10
principais programas do governo Lula, no mesmo patamar que o Fome Zero e o Plano
Amazônia Sustentável”, afirma Laxe.
O projeto de revitalização –
assim como o projeto de integração da bacia
do São Francisco – faz parte do Projeto de Desenvolvimento Sustentável
do Semi-árido, que tem orçamento fixo no Plano Plurianual (PPA)
de 2004. Para Laxe, a revitalização e a integração
da bacia podem ser feitas paralelamente: “a revitalização
é um processo e a integração de bacias é uma obra
de aproveitamento das águas, como existem inúmeras outras”,
afirma. (Leia opinião de Ciro Gomes sobre a revitalização
em entrevista à
ComCiência).
Não é à toa que o São
Francisco está sob os holofotes do governo. Ele é responsável
por 95% da energia elétrica do Nordeste, gerada por meio de usinas como
a de Sobradinho. De acordo com o pesquisador João Suassuna, da Fundação
Joaquim Nabuco, a demanda por energia deve crescer nos próximos anos
se o crescimento do PIB Nacional for igual a 4% ao ano, conforme as perspectivas.
“Com essa situação é de se esperar que nos próximos
12 anos seja necessário dobrar a oferta anual de energia elétrica
para o Nordeste, hoje estimada em cerca de 50 milhões de MW/h. Portanto,
em 2016 o Nordeste necessitará de 100 milhões de MW/h para dar
continuidade ao seu desenvolvimento”, afirma o pesquisador em artigo.
João Paulo Maranhão Aguiar, secretário-adjunto
da presidência da Companhia Hidrelétrica do São Francisco
(Chesf), sinaliza o motivo do grande interesse para a revitalização
do São Francisco também por parte das empresas: “Se não
houver rio, não existe a Chesf, por exemplo”, enfatiza. A Chesf
está envolvida na questão da revitalização, entre
ONGs, institutos de pesquisa, universidades e órgãos do governo.
Além do MMA, que coordena o programa em parceria com o Ministério
da Integração (MI), também estão envolvidos outros
13 ministérios, sete estados e 505 municípios. A participação
da sociedade civil ainda é tímida, mas tem sido motivada pelas
audiências públicas – características do governo Lula
– que tiveram início neste ano, e pela atuação de
15 pólos intermunicipais, criados a partir do Programa de Revitalização.
“Nesses pólos é feita a discussão com a sociedade
civil, com envolvimento de 15 a 20 municípios e de universidades que
atuam em cada um desses pólos”, afirma Laxe. Ele lembra que as
populações de grandes municípios como Belo Horizonte e
Distrito Federal também são populações 'franciscanas',
que vivem na bacia do rio, e precisam ter consciência sobre os projetos.
Gestão integrada
O programa de revitalização do São Francisco envolve um
grande número de atores, idéias e objetivos e por essa razão
foi necessário adotar uma gestão compartilhada, com foco nas ações
voltadas para a recuperação e preservação do meio
ambiente e para o desenvolvimento econômico sustentável, que gere
renda para a população local. “Tanto as obras de saneamento
quanto o reflorestamento necessitam de mão-de-obra. Queremos também
desenvolver turismo na região, com a criação e ampliação
de parques”, explica Laxe. “Não podemos mais tratar o São
Francisco como um problema, mas sim como um grande produto nacional, rico em
potencialidades, a ser redescoberto pela população brasileira”,
complementa.
Seguindo essa política, as ações da revitalização
foram iniciadas no ano passado, quando o MMA, o MI e a Companhia de Desenvolvimento
do Vale do São Francisco (Codevasf) investiram R$ 26 milhões no
programa. A perspectiva é que em 2005 o montante seja de R$100 milhões.
O Ministério das Cidades, juntamente com a Fundação Nacional
de Saúde (Funasa) investiu R$ 620 milhões em 2004 para ações
de saneamento ambiental – água, esgoto e lixo – e pretende
gastar a mesma quantia em 2005. O saneamento, aliás, é o principal
ponto da revitalização do São Francisco. Do total de 14
milhões de pessoas que vivem nas proximidades, cerca de 80% não
contam com saneamento básico e despejam o esgoto diretamente no rio.
Para Aguiar, é preciso destacar também
os impactos das hidrelétricas instaladas na bacia
e os dejetos das indústrias que se fixaram na região, além
do desmatamento provocado pela indústria siderúrgica nacional,
que usou durante todo o século XX a cobertura vegetal natural para fazer
carvão. “E hoje esse processo de desmatamento continua”,
completa. O reflorestamento vai permitir a recuperação da cobertura
vegetal, que diminui o impacto da água da chuva no solo, além
de “segurar” a água por mais tempo na margem, evitando erosão
e sedimentação do rio.
Modelo
Apesar de estar ainda em fase inicial, a revitalização do São
Francisco já é apontada como um modelo a ser reproduzido nas bacias
do Araguaia-Tocantins e do Rio Paraíba do Sul. No último dia 17
de janeiro, foi montada uma comissão para iniciar os trabalhos do Programa
de Revitalização da Bacia Araguaia-Tocantins, cuja elaboração
deve estar concluída dentro de um ano. O rio Tocantins nasce em Goiás
e desemboca na foz do Amazonas, próximo à Ilha do Marajó.
Durante as cheias, seu trecho navegável é de quase dois mil quilômetros,
entre as cidades de Belém (PA) e Peixe (GO). Já o rio Araguaia
nasce na Serra dos Caiapós, entre Goiás e Mato Grosso, e tem 2,6
mil quilômetros extensão. Desemboca no Rio Tocantins em São
João do Araguaia, antes de Marabá e da Barragem de Tucuruí
(PA).
De acordo com informações da Agência Nacional de Águas
(ANA), a região hidrográfica do Tocantins apresenta grande potencial
para a agricultura irrigada. Atualmente, devido ao crescimento de culturas como
a da soja na região, o uso de água para irrigação
corresponde a 66% da demanda total, número que pode aumentar com a revitalização.
Cerca de 4 milhões de pessoas vivem na região hidrográfica
(2,37% da população nacional), sendo 72% em áreas urbanas.
O Rio Paraíba do Sul corta três estados: São Paulo, Rio
de Janeiro e Minas Gerais, que concentram o maior parque industrial do país.
Desde 1996, a região conta com o Comitê de Integração
da Bacia do Paraíba do Sul (Ceivap), que reúne o MMA, Ministério
das Minas e Energia (MME) e o Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão (MPO). Quase dez anos depois da criação do Ceivap,
o programa de revitalização do Paraíba do Sul sequer está
elaborado. A previsão é de que em 2006 esteja pronto.
Além da revitalização das bacias do São Francisco,
Araguaia-Tocantins e Paraíba do Sul, de esfera federal, outros projetos
seguem em âmbito estadual ou até municipal. Apesar de não
existir nenhum levantamento por parte da ANA ou do MMA, de quantos projetos
de revitalização de rios existem ou estão sendo implementados
no Brasil, alguns têm se destacado. É o caso da revitalização
do rio Tietê, um rio estadual que nasce em Salesópolis, na serra
do Mar, e após atravessar a cidade de São Paulo, deságua
no rio Paraná, na divisa com o Estado do Mato Grosso do Sul. Mas, no
caso do Tietê, o principal objetivo da revitalização é
a despoluição para contenção de enchentes nas avenidas
marginais, e apenas em segundo plano é visada a preservação
ambiental.
Em SP, o Tietê tenta respirar
O trabalho no Tietê começou em 1992, após o conhecimento
mundial da situação do rio na ECO-92. A primeira fase do projeto,
que seguiu até 1998, contou com investimentos de US$ 1,1 bilhão,
sendo US$ 450 milhões financiados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e o restante da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo (Sabesp) e de outras fontes de financiamento, como a Caixa Econômica
Federal. Com esses recursos foram construídas três estações
de tratamento, foi ampliada a estação de tratamento de esgotos,
foram realizadas novas ligações domiciliares, entre outras ações.
A segunda etapa do projeto, que começou em 2002 e termina neste ano,
tem dado continuidade à expansão de ligações domiciliares
de esgoto. Para esta fase, foram feitos novos financiamentos junto ao BID, de
US$200 milhões, além de outros US$ 200 milhões investidos
pela Sabesp.
Foto: Divulgação |
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Obras de revitalização do Rio Tietê |
O governo de São Paulo tem investido também
na ampliação de calhas, a partir de uma cooperação
com o governo japonês e com investimentos do Japan Bank for International
Cooperation (JBIC). De acordo com informações do Consulado Geral
do Japão, localizado no Rio de Janeiro, o Japão oferece empréstimos
sobretudo na área de meio ambiente para projetos como o do Tietê.
Na América Latina o Brasil é o maior beneficiado dos empréstimos
japoneses. O aumento da calha faz parte do Programa Estadual de Combate às
Inundações na Região Metropolitana de São Paulo
e a idéia é chegar ao limite de uma inundação a
cada 100 anos. Segundo dados oficiais da Secretaria de Recursos Hídricos
de São Paulo, antes da revitalização, o número de
inundações era de um a cada 2 anos. Cerca de 70% do cronograma,
que tem um custo total de R$ 700 milhões (75% foram financiados pelo JBIC e
25% pelo governo estadual), já foi cumprido. Desde o início do trabalho, já
foram retirados mais de 120 mil pneus e 11 mil toneladas de lixo e detritos.
No caso do Tietê, ao invés de reflorestamento,
fala-se em paisagismo para recuperar a margem do rio e evitar a sedimentação.
De acordo com a assessoria da Secretaria de Recursos Hídricos e Energia
de São Paulo, os trabalhos de paisagismo nas margens já começaram
e concluirão o trabalho. Aguiar justifica as obras de revitalização
do São Francisco e do Tietê: “Quando se revitaliza um rio,
é preciso pensar em qual o objetivo do trabalho. Não queremos
que o rio volte à situação do início do século
XVI, mas queremos estabelecer um compromisso de utilização das
águas do rio”, ressalta.
(SR)
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