Patrimônio
genético, pesquisa científica e biopirataria
José
Galizia Tundisi
O Brasil
reconhecidamente tem uma das maiores biodiversidades de todo o planeta
representada por um conjunto de organismos terrestres e aquáticos,
de águas continentais, costeiras e oceânicas.
Esta
biodiversidade estrutural é suportada por uma ampla base
de diversidade genética que gera, também, uma biocomplexidade
funcional de altíssima importância para o planeta Terra,
pois regula ciclos, estabelece padrões de distribuição
de plantas e animais e, portanto, constitui-se em um patrimônio
biológico, genético, e econômico, fundamental
em praticamente todas as regiões do país. Da Floresta
Tropical Úmida à Mata Atlântica, aos cerrados
e caatinga, ao Pantanal e Lençóis Maranhenses, às
regiões de mangue e praias, às zonas costeiras, bacias
e estuários, o Brasil tem uma enorme massa de organismos
e um espetacular e diversificado processo evolutivo, constituindo-se
em um imenso e formidável laboratório.
É
evidente que este patrimônio pelo seu valor científico
e suas características de biodiversidade única, tem
gerado enormes interesses no Brasil e no exterior. Estes interesses,
alguns genuinamente científicos, outros puramente econômicos
e comerciais, já despertam atenção. Há
muito tempo temos enfatizado que a biodiversidade no Brasil tem
um enorme potencial para acrescentar conhecimento à ciência,
mas é também um acervo econômico de alguns trilhões
de dólares pelo valor que pode ser gerado por descobertas
científicas de interesse comercial (fármacos), ou
pela simples comercialização de plantas e animais.
Para disciplinar esses usos da biodiversidade e coibir a biopirataria,
é evidente que algumas ações devem ser encetadas
com urgência: o controle do transporte de material para o
exterior, o disciplinamento dos usos de material genético
no país e no exterior e a adoção de medidas
drásticas contra qualquer tipo de atividade clandestina de
transferência de material biológico ou genético.
Entretanto, essas ações importantes não podem
também impedir que a pesquisa realizada por brasileiros no
Brasil ou no exterior em consórcio com cientistas de outros
países, seja desenvolvida. A prática científica,
transparente como ela deve ser, e honrada, e que é utilizada
para ampliar o conhecimento deve ser estimulada, e não inibida.
Desta forma, pesquisadores do programa Biota-Fapesp, reunidos em
São Carlos/SP, em dezembro de 2002, organizaram uma moção
com a finalidade de alertar autoridades dos órgãos
de controle, de que coletas de material, experimentos com organismos
vivos, transporte de organismos, todos com finalidade científica,
devem ter tratamento diferenciado daquele de projetos comerciais
ou com fins econômicos. Para poder dar continuidade às
experiências e projetos de pesquisa é preciso liberdade
de ação e capacidade de decisão no campo; a
solicitação foi feita no sentido de que houvesse uma
distinção salutar e importante, para os dois tipos
de procedimentos.
Explorar
a biodiversidade e o patrimônio genético do Brasil
é um dever de pesquisa científica e de todos os cientistas
que desejam contribuir para aumentar o conhecimento da humanidade.
Esta atividade deve ser preservada, estimulada e protegida, para
dar oportunidades e abrir perspectivas.
Biopirataria
e exploração econômica clandestina e feita à
sorrelfa seja por brasileiros ou estrangeiros ou em consórcio
deve ser punida e coibida. A distinção não
é difícil e as autoridades e os sistemas de avaliação
de projetos e de fiscalização têm meios para
fazê-la. Basta ter competência e capacidade de análise.
Isto é o que recomendam e solicitam os pesquisadores que
não querem parar suas pesquisas com o tema.
José Galizia Tundisi é presidente do Instituto
Internacional de Ecologia.
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