Reportagens






 
A descoberta da estrutura do DNA

Há 50 anos, no dia 7 de março de 1953, no laboratório Cavendish, na Inglaterra, Francis Crick e James Watson concluíram que a molécula do DNA tem a estrutura de uma dupla hélice, uma descoberta que daria novos rumos à ciência. A partir de então, a biologia molecular tornou-se, de fato, uma ciência que hoje, com meio século de avanços, traz à cena a transgênese, a genômica e a possibilidade da clonagem reprodutiva.

No dia 25 de abril daquele ano, a revista Nature publicou o artigo Molecular Structure of Nucleic Acids (Estrutura Molecular dos Ácidos Nucleicos), primeiro de uma série sobre o tema. Com menos de mil palavras e um gráfico simplificado, o trabalho descrevia a estrutura da molécula. A representação a que chegaram Crick e Watson é a de uma longa molécula, constituída por duas fitas enroladas em torno de seu próprio eixo, como se fosse uma escada do tipo caracol. A ligação entre elas é feita por pontes de hidrogênio, que são ligações fracas, isto é, que se rompem com facilidade, ficando as bases nitrogenadas com o papel de corrimão de uma escada circular.

Desde o final da década de 30, pesquisadores tentavam obter um padrão de difração de Raios-X para tentar visualizar a molécula de DNA. Porém, somente na década de 50, com o aumento do interesse pelo DNA, os estudos estruturais da molécula se intensificaram. A estrutura tridimensional da molécula de DNA descrita por Watson e Crick, deu nova motivação à comunidade científica mas a dimensão e a importância do feito não foram reconhecidos de imediato pelos pesquisadores da época. Muitos apostavam mais nas proteínas como portadoras dos fatores genéticos, dada a sua maior complexidade. Foram os bioquímicos que perceberam o envolvimento do DNA na síntese das proteínas, que constituem o meio pelo qual os genes transferem às células a informação acerca do que elas devem ser e fazer.

Mas outros modelos tentaram representar o DNA anteriormente. O químico russo Phoebus A. T. Levene, em 1909, trabalhando em seu laboratório no Instituto Rockefeller havia mostrado que o DNA continha as quatro bases nitrogenadas - Adenina (A), Guanina (G), Timina (T) e Citosina (C) - e que estas estariam arranjadas na forma de uma coluna vertebral, isto é, composta de fosfato e açúcares, com as bases nitrogenadas ligadas a elas. Levene estava convencido de que, com ácidos nucléicos e proteínas no núcleo, as moléculas de proteínas armazenavam todas as informações genéticas nos cromossomos. Mas a teoria de Levene sobre a função do DNA ser unicamente manter unidas as moléculas de proteína revelou-se incorreta, pelas revelações posteriores de Frederick Griffith.

 

Griffith vinha estudando a bactéria que causa a pneumonia, Diplococcus pneumoniae. Seus estudos mostraram evidências da importância do DNA na hereditariedade da bactéria. Embora a maioria da comunidade científica tenha ignorado esses resultados obtidos por ele, foi a partir de então que alguns grupos de pesquisa realizaram estudos cujos resultados aumentavam as evidências de que o DNA era o 'princípio transformante', como o material genético era mencionado. Após a realização de cálculos com as quatro bases nitrogenadas, A, G, T e C, Griffth construiu o seu modelo, no qual propôs que as mesmas estariam dispostas lado a lado, ligadas entre si por átomos de hidrogênio.

 

Entre os cientistas que buscavam desvendar a estrutura do DNA, estava Rosalind Franklin, especialista em Raios-X que, em 1951, divulgou o que seria a sua versão sobre o DNA. Para ela, que era colaboradora de Maurice Wilkins no laboratório de difração de Raios-X no King's College, em Londres, a difração de Raios-X parecia confirmar que a estrutura do DNA era helicoidal. Algo entre duas e quatro cadeias helicoidais entrelaçadas. Muito parecido ao modelo proposto por Levene. Como Franklin não acreditava na construção de modelos para confirmar seus resultados, continuou seus cálculos, ignorando pequenos detalhes como a localização das bases, que teria visto em um modelo tridimensional.

Também em 1951, Linus Pauling, no Caltech Institute, nos Estados Unidos, trabalhando com difração de Raios-X, sugeriu que a estrutura do DNA era composta por três hélices enroscadas umas às outras, sugerindo uma estrutura espiral semelhante a um sacarolha.

Para a pesquisadora Dulce Helena Ferreira de Souza, do Centro de Biotecnologia Molecular Estrutural do Instituto de Física de São Carlos, ao conhecimento da estrutura do DNA seguiram-se os estudos de suas características físico-químicas. Segundo ela, em 1961, por intermédio da preparação de duplas hélices híbridas de DNA e RNA, Bem Hall e Sol Spiegelman obtiveram a prova definitiva de que o DNA atua na síntese de proteínas. "O maior conhecimento das características do DNA e os avanços computacionais têm permitido o desenvolvimento de ferramentas de manipulação dessa molécula e contribuído para o atual cenário científico na área de biologia molecular e genética", afirma a pesquisadora.

Já para João Bosco Pesquero, do Departamento de Biofísica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), graças ao conhecimento da estrutura do DNA e ao posterior desenvolvimento da biologia molecular, hoje a medicina vislumbra a possibilidade da geração de novas técnicas terapêuticas e tratamentos para doenças antigamente consideradas incuráveis, a terapia gênica. "O seqüenciamento completo do genoma humano, considerado um marco na pesquisa, o qual abre inúmeras possibilidades para o melhoramento da saúde e do bem-estar dos seres humanos, não poderia ser alcançado sem o prévio conhecimento da estrutura do DNA", diz. Para Pesquero, todos esses avanços tecnológicos baseiam-se na manipulação das moléculas de DNA produzidos em laboratório (DNA recombinante) como fonte de informação e conhecimento.

A história da dupla-hélice
Até 1950, quando Crick e Watson iniciaram suas pesquisas sobre o DNA, a mágica da transmissão da informação genética ainda era um mistério. O físico inglês Francis Crick, aos 33 anos de idade, após assistir a uma palestra de Linus Pauling e ler o livro What is Life? The Physical Aspect of the Living Cell (O que é a vida? O Aspecto físico das Células Vivas), escrito por um dos pais da mecânica quântica, Erwin Schrödinger, decidiu ir para Cambridge trabalhar no mais famoso laboratório de física da época, o Cavendish.

Já o zoólogo James Dewey Watson, viveu dois acontecimentos que marcaram definitivamente a sua trajetória no caminho científico: um deles foi a leitura do livro de Schrödinger, no qual descobriu o gene; o segundo foi a decisão de trabalhar com o microbiologista italiano Saldor Luria, nos Estados Unidos, com quem iria estudar os fagos (ou bacteriófagos, vírus que infectam bactérias). O termo bacteriófago significa, literalmente, "comedor de bactéria", uma vez que os fagos se reproduzem às expensas da bactéria hospedeira a qual, normalmente, não sobrevive ao processo.

Foi num congresso em Nápoles, na Itália, que Watson conheceu Maurice Wilkins, que lhe mostrou uma imagem de difração de Raios-X em que vinha trabalhando no Medical Research Council do King's College de Londres. A visão dessa imagem levou Watson a perceber que era aquele o caminho para descobrir a estrutura química do DNA.

Disposto a estudar a difração de Raios-X , Watson conseguiu transferir-se para o laboratório Cavendish em Cambridge, onde conheceu Crick. A empatia entre os dois foi imediata. Resolveram então que o ponto central de suas pesquisas seria a descoberta da estrutura do DNA.

Enquanto Watson e Crick estudavam os resultados de Linus Pauling, em Cavendish, no King's College, Wilkins e sua colaboradora Rosalind Franklin trabalhavam no aperfeiçoamento das imagens de difração de Raios-X.

Ao ler um novo artigo de Pauling sobre o tema, Watson descobriu um erro e tentou convencer Wilkins e Franklin de que tinha a interpretação correta, diferente da de Pauling, o que levou Wilkins a mostrar a Watson suas imagens mais recentes de difração de Raios-X do DNA. Tais imagens revelaram a Watson que sua idéia estava correta. De volta para Cavendish, iniciou, juntamente com Crick, a construção do novo modelo da estrutura do DNA.

Após cinco semanas de erros e acertos, finalmente o modelo estava pronto. A notícia se espalhou: "pesquisadores de Cambridge haviam descoberto o segredo da vida".
Maurice Wilkins no entanto, fiou de fora da descoberta a que teria reagido apenas com uma breve e sarcástica mensagem: "acho que vocês são uma dupla de belos patifes...". Em 1962, Crick, Watson e Wilkins receberam o Prêmio Nobel de Medicina. Franklin, que deveria partilhar a homenagem, havia morrido de câncer em 1958.

Panorama das Ciências na época
O século XX iniciou-se com a física dominando o panorama das ciências. A publicação, em 1927, do Princípio da Incerteza de Heisenberg chega ao limite do conhecimento da época. O mundo ficou dividido em duas partes: o das coisas grandes e o das minúsculas, colocando por terra a convicção de que o mundo seria regido por um único conjunto de leis, em todas as escalas e grandezas. Quando, em 1944, o bacteriolista Oswald Theodore Avery, descobriu a molécula do DNA, teve início uma agitação nas áreas da química e biologia. A primeira tentativa de reproduzir a vida em laboratório foi feita pelo químico norte-americano Stanley Lloyd Miller que, em 1952, procurou reproduzir as condições que teriam existido na Terra antes do aparecimento dos seres vivos. Misturou água, hidrogênio, amônia e metano e os submeteu a descargas elétricas. Ao reagirem, os ingredientes chegaram a gerar os aminoácidos dos quais são feitas as proteínas no corpo humano, mas Miller não conseguiu transformar seu "caldo" em células vivas.
A Genética, iniciada por Mendel em meados do século XIX, experimentou grande impulso com a descoberta ocorrida um século depois e fechou o milênio com o seqüenciamento do DNA humano.

Cronologia
1856 Gregor Mendel, monge austríaco, estabelece as primeiras leis da hereditariedade, estudando sucessivas gerações de ervilhas verdes e amarelas: conclui que existem elementos autônomos que controlam as características hereditárias.
1881 Edwar Zacharias prova que os cromossomos contêm o DNA descoberto por Miescher.
1889 Richard Altmann batiza a nucleína com o nome de ácido nucléico.
1909 As unidades fundamentais da herança biológica recebem o nome de genes.
1910 Thomas Morgan descobre que os genes estão localizados nos cromossomos.
1929 F. Griffith faz a primeira experiência de transferência genética passando ácido nucléico de uma bactéria para outra, transmitindo-lhe assim as suas características patogênicas.
1953 James Watson e Francis Crick descobrem a estrutura molecular do DNA, o material hereditário da vida, que tem a forma de uma dupla hélice.
1959 Severo Ochoa e Arthur Komberg ganham o Prêmio Nobel da Medicina pelo seu trabalho na síntese de polinucleótidos de DNA e RNA.
1960 Paul Berg consegue clonar DNA.
1978 Clonagem do gene da insulina humana.
1985 Ralf Prinstar cria o primeiro porco transgênico. É pela primeira vez analisada a possibilidade de se vir a decodificar o genoma humano.
1986 É anunciado o lançamento do Projeto Genoma Humano.
1995 É seqüenciado o primeiro genoma não viral: o da bactéria Haemophilus influenzae.
1996 Ian Wilmut e a sua equipe clonam a ovelha chamada Dolly, que logo se torna na mais famosa ovelha do mundo. É seqüenciado o genoma de uma levedura, a Sacharomyces cerevisae.
1997 É seqüenciado o genoma da bactéria Escherichia coli , o principal microorganismo utilizado nas técnicas de clonagem.
1998 Sequenciação do genoma do verme Caenorhabditis elegans. É formada a empresa Celera Genomics que anuncia querer seqüenciar o genoma em três anos, aproveitando os recursos desenvolvidos pelo consórcio internacional.
1999 Setembro O consórcio público anuncia a intenção de publicar um rascunho do genoma humano durante a Primavera de 2000, um ano antes do previsto.
Dezembro Publicada a sequência do cromossoma 22.
2000Março É publicada a seqüenciação do genoma da mosca-do-vinagre, com cinco cromossomas.
Maio É apresentada a seqüência do cromossoma 21.
Junho A Celera e o consórcio público anunciam um primeiro rascunho do genoma humano.
12 de Fevereiro de 2001 É anunciada a publicação da análise da seqüência do genoma humano.
Fonte: Cronologia da Genética - 13 Fev 2001 - CienTIC, 2001


Para saber mais:


(LO)

 
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Atualizado em 10/04/2003
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