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Exobiologia
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Os livros-texto de astronomia nos ensinam que o Universo teve início há uns 13 bilhões de anos. Desde então, ele tem evoluído do simples para o complexo. As forças fundamentais da natureza (gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte), possivelmente unificadas no início, logo teriam se desmembrado conforme o Universo se expandia e se resfriava. Essas forças explicam: a conversão da energia primordial em partículas que formaram o hidrogênio e o hélio; a agregação desses elementos leves para formar galáxias e estrelas; a síntese, nas estrelas, dos elementos pesados a partir dos leves; a segregação destes últimos em planetas rochosos como a Terra, e a acumulação de gás enriquecido com elementos pesados em nuvens moleculares, algumas das quais podem conter os monômeros (aminoácidos, bases nitrogenadas, açúcares etc) que formam os polímeros complexos da vida na Terra (ácidos nucleicos e proteínas); e, finalmente, a evolução da vida na Terra até o surgimento do Homo sapiens, capaz de criar cultura, ciência e tecnologia. A vida na Terra se insere, portanto, na evolução natural do Cosmo para uma crescente complexidade. O carbono, oxigênio, nitrogênio, fósforo, cálcio e ferro do nosso corpo fizeram parte de alguma estrela. Temos, portanto, um nexo genético ou parentesco com as estrelas. Ainda hesitamos em afirmar que a formação das estrelas conduziu à emergência da vida. Mas temos certeza de que jamais poderíamos existir se não fossem as estrelas. A evolução de uma estrela pode demandar bilhões de anos. Por isso, só pudemos existir quando o Universo havia ficado suficientemente velho e expandido. Conseqüentemente, a vastidão do espaço sideral não é o desperdício de um Criador perdulário, como Adão pensou no Paraíso Perdido de Milton. Ela é um pré-requisito da vida, e está na medida certa da viabilização da nossa existência. Só da nossa? Eis a pergunta! A idéia de uma vida fora da Terra é um corolário da evolução cósmica. Depois de errar, pensando que a Terra era o centro do Universo, um local singular e privilegiado, o homem aprendeu que habita um nicho prosaico que pode se reproduzir em outros locais do Universo. Afinal, a matéria que aqui está, tem os mesmos elementos químicos dos astros mais distantes. As leis físicas que vigoram aqui, também vigoram lá. Não há razão aparente para a evolução cósmica convergir única e exclusivamente para a vida na Terra. Assim é que se fundamenta a nova disciplina chamada exobiologia ou bioastronomia. Seu objetivo é estudar na Terra e no Universo a origem, a evolução e a distribuição da vida e das moléculas a ela relacionadas, dando especial atenção à influência do ambiente físico-químico e dos processos astrofísicos nos processos vitais em potenciais nichos de vida. O fato de a União Astronômica Internacional ter criado em 1979 uma Comissão devotada a essa disciplina (Comissão 51), confere formalmente a ela o status de disciplina ortodoxa. De certa forma, assim como no final do século XIX a astrofísica se firmava como uma proposta que transformava o Universo num laboratório de física, a astrobiologia hoje tenta se firmar transformando o Universo num imenso laboratório de biologia. Há um relativo consenso de que as formas menos complexas de vida, como a representada aqui pelos organismos procarióticos, devem até mesmo abundar no Universo. A base empírica vem da micropaleontologia que descobriu fósseis de organismos simples datando de até 3,8 bilhões de anos. Lembrando que até 3,9 bilhões de anos atrás a Terra foi alvo de intenso bombardeamento por refugos da Nebulosa Solar Primitiva não aproveitados para formar planetas e satélites, o nosso Planeta havia se tornado apto para abrigar a vida há apenas 100 milhões de anos. Isso sugere que o surgimento da vida é quase um imperativo, desde que as condições sejam propícias. A vida extraterrestre rudimentar se torna ainda promissora se levarmos em conta que organismos simples conseguem sobreviver em várias condições ambientais hostis, antes consideradas deletérias e esterilizantes. Quanto à vida mais evoluída, digamos a vida animal, uma limitação metodológica insuperável é imposta pela unicidade do paradigma terrestre. Vidas extraterrestres podem, em princípio, assumir formas insuspeitadas ampliando também o espectro de possibilidades. O biólogo inglês John Burdon S. Haldane (1892-1964), um dos precursores da pesquisa exobiológica, afirmou que a vida não é apenas mais extravagante do que podemos imaginar. Ela é mais extravagante do que somos capazes de imaginar. A vida na Terra também tem apresentado algumas intrigantes correlações entre alterações severas das condições ambientais e surtos de especiação. Paradoxalmente as condições desfavoráveis deflagrariam o surto evolutivo, em vez de extinguir a vida. Isso nos leva a pensar mais otimisticamente na possibilidade de vida extraterrestre mais evoluída. Mas, a emergência da vida animal na Terra se situa entre 550 milhões e 1 bilhão de anos atrás. Como quer que seja, a transição de organismos unicelulares a pluricelulares teria durado 30 vezes o tempo para a vida surgir na Terra, indicando que os caminhos da evolução seriam mais difíceis ou improváveis do que o da emergência da vida. Através de uma formulação probabilística, a conhecida equação de Drake [1] permite, em princípio, estimar o número provável de civilizações extraterrestres em nossa Galáxia. Mas é impossível efetuarmos o cálculo sem termos uma quantificação de, até que ponto a transição para seres pluricelulares, dadas as condições, é inevitável e não pode deixar de ocorrer, ou resulta de uma sucessão de inúmeras ocorrências fortuitas. Este desconhecimento é a fonte principal das controvérsias exobiológicas. De um lado, os otimistas apostam numa multiplicidade de civilizações extraterrestres, acreditando que a evolução é um imperativo categórico. De outro, os defensores da tese da Terra Rara apostam que estamos sós no Universo, pois seríamos filhos únicos do puro acaso. Esta discussão assumiu uma surpreendente complexidade. Baseando-se em cálculos que demonstram que uma civilização decidida a colonizar a Via Láctea, poderia realizar esse projeto em apenas 5 milhões de anos - o termo apenas indica que 5 milhões de anos é milhares de vezes menor que a idade da Galáxia -, o físico Enrico Fermi (1901-54) indagou: Se os extraterrestres existem, então onde estão eles? Para ele os extraterrestres já deveriam estar entre nós. Ficou claro então que devemos levar em conta, não só as alterações que seres inteligentes são capazes de promover na natureza (exploração interestelar, clonagem, criação de robôs exploradores etc), como também os fatores culturais, éticos, políticos, econômicos que podem influir decisivamente no recenseamento da vida extraterrestre. Para a astrobiologia como programa de pesquisa é importante que ambos os lados da controvérsia dependam crucialmente dos testes experimentais. Até mesmo os céticos precisam dos testes empíricos. A propalada pesquisa SETI (Search for Extraterrestrial Intelligence) é apenas uma dentre as várias alternativas de verificação experimental. Ela se baseia na recepção de sinais coerentes em ondas de rádio. Recentemente teve início a construção de um sistema OSETI (Optical SETI) que objetiva a detecção de pulsos coerentes de laser. O solo de Marte tem sido cada vez mais estudado in loco desde que as Landers das duas Vikings realizaram experimentos em 1976 visando a detecção de vida. Em 1996, o debate sobre a vida em Marte foi exacerbado pelo anúncio da descoberta no meteorito ALH84001, de um conjunto de compostos e estruturas que sugeriam origem biológica. Esse meteorito é um fragmento de quase 2 kg da crosta de Marte, coletado na Antártida onde teria caído há 13 mil anos. Ele teria resultado de uma colisão desse planeta com algum objeto cósmico há 16 milhões de anos. Até hoje não ficou comprovada a origem biológica desses indícios, mas cresce a convicção de que os cristais de magnetita teriam sido biomineralizados há 3,9 bilhões de anos, portanto antes dos primeiros microfósseis terrestres! Também soubemos recentemente do perturbador anúncio da descoberta por pesquisadores russos de microorganismos fossilizados em rochas trazidas pelas missões Luna na década de 1970! A atmosfera do satélite Titã, o único com atmosfera substancial no Sistema Solar, será investigada em 2004 com interesse exobiológico durante a descida da sonda Huygens quando a missão Cassini estiver sendo realizada em Saturno. Este novo milênio começa com a expectativa de que dentro das primeiras décadas serão feitas detecções de planetas extra-solares semelhantes à Terra. Fora do Brasil as pesquisas exobiológicas vêm tomando corpo nos últimos anos em laboratórios dedicados ao tema. Já há um curso de pós-graduação nessa área oferecido pela Universidade de Washington, em Seattle. Explorando a interdisciplinaridade da exobiologia, programas de ensino básico vêm sendo desenvolvidos e implantados. Aqui no Brasil, porém, esse assunto está ausente nos programas de pesquisa e pós-graduação em astronomia. As possíveis razões desse estado de coisas foram objeto de uma comunicação feita ano passado num Encontro SETI realizado no Museu de Astronomia e Ciências Afins, no Rio de Janeiro. A comunicação intitulada "A strategy for SETI in Brasil" pode ser encontrada em http://www.toucan.iwarp.com/meeting.htm. A esquiva ou aversão ao tema é certamente catalisada pela reputação justificadamente depreciativa de um certo tipo de ufologia. Mas a interdisciplinaridade da exobiologia também desafia a atual tendência especializante e compartimentada da atividade acadêmica nas nossas universidades. Uma proposta concreta feita nessa comunicação foi a realização de um amplo censo em que, professores, estudantes, cientistas e leigos dessem a sua opinião sincera sobre o estudo da vida extraterrestre. A partir desse levantamento será possível definir estratégias mais acertadas para contra-arrestarmos a generalizada postura desfavorável a uma disciplina que já deveria estar implantada, consolidada e operando a pleno vapor. Esse censo deverá ser anunciado em breve e gostaríamos de poder contar com a colaboração dos leitores. [1] O radioastrônomo americano Frank Donald Drake (1930-) formulou essa equação em 1961. Em 1959 ele tinha realizado com um radiotelescópio de 26 m, no National Radio Observatory de Green Bank, Virgínia Ocidental, um experimento pioneiro (Projeto Ozma) visando captar sinais inteligentes de duas estrelas similares ao Sol a 12 AL, sintonizando na linha de 21 cm do hidrogênio. Referências Matsuura, Oscar T.: Vida Extraterrestre, Capítulo 13, "O que é Vida? Para entender a Biologia do século XXI", pág. 273, Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2000 Cavalcanti, Mauro J.: http://toucan.iwarp.com Oscar Toshiaki Matsuura é pesquisador do Museu de Astronomia e Ciências Afins, Rio de Janeiro, onde realiza estudos em história da astronomia no Brasil e exobiologia, e desenvolve projetos para o ensino básico de astronomia. Professor aposentado do Instituto Astronômico e Geofísico da USP em 1997, lá liderou o Grupo de Astrofísica do Sistema Solar onde realizou pesquisas aplicando magnetohidrodinâmica e teoria da poeira cósmica em física solar e cometária, depois de ter trabalhado em radioastronomia solar. |
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Atualizado em 10/02/2001 |
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