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O
evento do Curuçá: bólidos caem no Amazonas
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Várias toneladas de matéria, na maioria formada de pequenas partículas micrométricas, caem por dia na atmosfera terrestre. No entanto, de vez em quando, corpos com dimensões maiores entram na atmosfera. Para um ângulo de queda médio de 45 graus e dimensões menores do que 50 metros, eles são consumidos pela fricção atmosférica, aparecendo no céu como as conhecidas "estrelas cadentes". Se o corpo remanescente consegue chegar no solo (meteorito) ele, em geral, mede só alguns centímetros. O perigo é representado pelos corpos que medem 50 metros ou mais, para os quais a atmosfera é transparente. Eles chegam no solo ou podem explodir a alguma distância do solo com toda a energia cinética original. As energias envolvidas são muito grandes, da ordem de pequenas a grandes bombas nucleares. Isto é devido não só ao tamanho considerado, mas sobretudo, às grandes velocidades envolvidas, na média da ordem de 20 km por segundo! Sessenta milhões de anos atrás, um bólido de 9,6 quilômetros (equivalente a 12 vezes a Pedra da Gávea, da cidade do Rio de Janeiro) formou uma cratera de 100 quilômetros de diâmetro e modificou a vida em nosso planeta. Felizmente, estes eventos são raríssimos. No entanto, corpos da ordem de 50 metros podem ser mais freqüentes. Durante nosso recente século vinte, em 1908, a região de Tunguska, na Sibéria, foi alvo de uma onda de choque que destruiu 2000 quilômetros quadrados de floresta. Neste evento, o bólido explodiu na alta atmosfera. Uma energia da ordem de 15 megatons estava envolvida. Um evento de energia menor, provavelmente da ordem de 5 megatons, aconteceu na manhã de 13 de agosto de 1930 no Vale do Javari, em plena selva amazônica, perto da fronteira com o Peru. Como veremos mais adiante, os estragos foram muito menores porque o bólido ou os bólidos conseguiram tocar o solo abrindo uma cratera da ordem de um quilômetro de diâmetro. Neste caso, quase toda a energia foi utilizada para volatilizar o corpo e produzir a escavação. Os corpos responsáveis são, em geral, de dois tipos diferentes. De um lado, os asteróides - corpos rochosos provenientes de perturbações na órbita do grande grupo de asteróides localizados entre Marte e Júpiter e, de outro lado, os cometas ou pedaços de cometas. O corpo central de um cometa é formado por gelo "sujo" (gelo mais poeira) e tem dimensões da ordem de 20 a 40 quilômetros de diâmetro. Se não acabam caindo no Sol, eles, em geral, giram em órbitas muito excêntricas em volta do Sol. Na sua passagem perto do Sol sofrem fortes interações com ele, não somente sendo vaporizados, mas também podendo perder matéria sólida, que fica no rastro da órbita cometária. Já foram observados em cometas recentes pedaços da ordem de 100 metros serem desprendidos do corpo central. Os eventos cometários, contrariamente ao caso dos asteróides, podem ser previstos e têm "datas marcadas". Por exemplo, a cada ano, a Terra cruza o caminho deixado por alguns cometas periódicos conhecidos e durante alguns dias se produzem "chuvas de meteoros", como é o caso das Leônidas ou Perseidas. As partículas deixadas pelo cometa em sua viagem entram na atmosfera terrestre em direções que parecem vir das constelações mencionadas. No caso das Perseidas, as datas são de 11 a 13 de agosto. Neste sentido, acreditamos que é grande a probabilidade de que o evento do Curuçá do dia 13 de agosto de 1930 seja devido à queda de pedaços (um ao menos) estimados em 50 metros, deixados pelo cometa P/ Swift-Tuttle, responsável pela chuva das Perseidas. As evidências do evento do Curuçá são várias. Comecemos pelos fatos "históricos". Depois de uma pesquisa inicial, mediante referências de pesquisadores russos, o astrônomo inglês M. E. Bailey descobre em 1995, nos arquivos do Vaticano, um artigo que apareceu no jornal do Papa "Osservatore Romano", em 1931, e reproduzido em outros jornais europeus. Tratava-se de um relato feito por Fedele D'Alviano, monge capuchinho que estava em missão religiosa. Ele chegou no rio Curuçá cinco dias depois do evento e encontrou os seringueiros apavorados. O relato, muito bem feito, é o resultado de uma centena de entrevistas de testemunhas e explica como de manhã, cerca de oito horas, três corpos caíram na floresta, havendo mudança da cor do céu e produção de um tremor local. O documento descreve a chuva de poeira e conta que os estrondos foram escutados a mais de 100 quilômetros, na cidade de Tabatinga. Depois da publicação do artigo de Bailey, em que ele examina, pela primeira vez, a possibilidade da relação com o cometa P/ Swift-Tuttle, comecei a coordenar uma série de estudos multidisciplinares sobre este evento. Junto com H. Lins de Barros, do MAST, contatamos P.R. Serra do INPE. Graças ao exame de mapas no infravermelho do satélite LANDSAT, Serra mostrou a presença de somente uma estrutura maior, da ordem de um quilômetro de diâmetro, oculta na floresta. Esta estrutura, chamada de astroblema, foi desde o início nosso principal objetivo. Mais tarde, o uso de mapas de radares e fotografias aéreas realizadas por P. Martini, do INPE, deram uma impressão mais completa do astroblema. Uma outra evidência importante e independente veio se adicionar. O Observatório Sismológico San Calixto, em La Paz (Bolívia) tinha registrado o evento. Assim, conseguimos saber a hora precisa do evento, que coincide com o relato histórico, na época considerado em La Paz como um tremor local. Graças ao trabalho de A. Vega, daquela instituição, ficou evidente que o sinal sísmico tinha todas as características de uma onda de superfície do tipo Lg perfeitamente transmitida através do Escudo Brasileiro, paralelamente aos Andes e através de uma distância de 1300 quilômetros. E mais, a magnitude e a energia da onda correspondem ao que se espera da conversão de energia cinética de um bólido capaz de produzir uma cratera de um quilômetro de diâmetro! Mais uma outra evidência: a cratera, de forma quase elíptica, tem seu eixo maior na direção norte, direção das Perseidas, que na latitude do Curuçá corresponde a uma queda de um ângulo baixo, de 20 graus acima do horizonte. Somente ângulos dessa ordem ou menores são capazes de produzir uma cratera não circular. Ângulos maiores que 20 graus produzem sempre crateras circulares. Realizamos outros tipos de pesquisas, como a procura de testemunhas. Uma entrevista a um velho seringueiro que a priori parecia ser uma boa testemunha foi filmada pelo programa "Discovery Channel". Infelizmente, ficou evidente de que esta pessoa tinha visto um outro evento de menor energia. A procura dos diários do monge Fedele D'Alviano também foi infrutífera. Nenhum relato em jornais brasileiros da época foi encontrado. Só faltou a expedição in loco para confirmar a queda. Graças ao programa Fantástico, da Rede Globo, a Televisão ABC da Austrália e, principalmente, com a participação de uma equipe da FUNAI dirigida pelo conhecido sertanista Sydney Possuelo, foi possível a expedição realizada em 1997. A região era inexplorada, perigosa pela presença de duas tribos, a dos "Flecheiros" e dos "Caceteiros". Esta última tinha sido contatada pela primeira vez por Possuelo um ano antes. Na etapa final, viajando vários dias a pé, conseguimos, graças aos modernos GPS, localizar o pretendido lugar de impacto. A equipe científica era formada por dois geólogos, P. Martini (INPE), A. Brichta (UFBa) e W. de Carvalho, da Sociedade Geográfica de Bahia, e por mim. A floresta aparecia intacta, já que a diferença de tempo corresponde ao tempo médio de recuperação. A estrutura do terreno, mesmo com a dificuldade de enxergar longe, não correspondia à drenagem típica da floresta. Encontramos as paredes concêntricas externas e uma outra região acidentada que corresponde à parte central da cratera. Uma série de dificuldades nos impediram de visitar toda a região da cratera, que teria, aproximadamente, um quilômetro de diâmetro. Encontramos nestas paredes as únicas "pedras" (no Amazonas não existem pedras, só argila e arenitos). A maioria das pedras encontradas eram pedaços de argila compactada. Posteriores exames de laboratório no Brasil e na Austrália não mostraram a presença de cristalização por impacto. Estas pedras na superfície seriam o resultado de remoção, provavelmente pelo impacto, de camadas internas. Como conclusão, se não dispomos de uma prova absoluta, como a presença de cristais produzidos por impacto, como empactite ou diamantes, ou um excesso de irídio, temos uma série de evidências não contraditórias em seu favor. A própria realização das provas absolutas é também duvidosa. Mesmo considerando as dificuldades do terreno, não encontramos nenhuma evidência de meteoritos. Este fato favorece a hipótese da queda de gelo sujo. De outro lado, não é evidente a formação de cristais na colisão de gelo com matéria argilosa e arenítica. Isso acontece, geralmente, na colisão de um asteróide duro com terreno rochoso. Fora disso, não se tem evidências de excessos de irídio em material cometário, tal como pode ser o caso na queda de grandes asteróides. Muito provavelmente, o Tunguska-Brasileiro, tal como foi chamado por Bailey, foi uma das quedas cósmicas mais importantes do último século. Ramiro de la Reza é pesquisador-titular do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro. |
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Atualizado em 10/02/2001 |
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