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Carlos Alberto de Oliveira Torres

Até pouco menos de vinte anos atrás praticamente toda nossa informação sobre sistemas planetários vinha de um único sistema - o nosso. No máximo, podia-se especular se certas informações sobre outras estrelas - por exemplo, a rotação - nos davam pistas sobre outros sistemas. Havia mesmo quem alegava ter detectado, medindo imagens de diversas épocas, perturbações nos movimentos de algumas estrelas que indicariam a existência de planetas. Nunca foram confirmadas com medidas mais precisas. Assim, as idéias sobre a formação de sistemas planetários se baseavam apenas na hipótese de que o nosso não era especial (isso é uma aplicação da generalização do princípio copernicano de que não somos o centro do Universo).

Os planetas do sistema solar estão distribuídos no mesmo plano do equador do Sol e todos têm movimento orbital na direção da rotação solar. Isso indica que a nossa estrela central e seus planetas foram formados pelo mesmo processo. Os estudos das regiões com formação estelar recente (1 milhão de anos ou pouco mais), como a nuvem de Orion, já mostravam que uma estrela se forma pela contração de parte de uma nuvem interestelar fria. Por menor que fosse a rotação inicial da parte da nuvem envolvida no processo, a imensa contração provocaria uma forte rotação na proto-estrela. O material que sobra do processo teria rotação similar e, gradativamente, tomaria a forma de um disco (discos ou anéis são resultados normais do efeito da gravidade em grande quantidade de material pouco compacto com rotação, como podemos ver da forma das galáxias ou dos anéis de Saturno.) As partículas desse disco protoplanetário iriam se aglomerando em partículas maiores, chamadas planetesimais, e, se chegassem a formar blocos grandes, atrairiam mais material até adquirirem a massa de planetas. A proximidade do Sol faria com que os materiais leves fossem evaporados, restando planetas rochosos na parte interna do sistema solar e gasosos na parte externa. De forma simplificada, esse era o modelo de formação planetária preferido.

Em 1983, foi colocado em órbita o primeiro satélite (IRAS) que detectava as emissões celestes no infravermelho remoto. Com isso, se pode medir emissões de corpos muito frios, com temperaturas de até 250°C abaixo de zero. Ora, um disco protoplanetário deve ter temperaturas que vão desde a da superfície da estrela central (milhares de graus), nas regiões em que o disco roça a estrela, até as baixíssimas temperaturas do meio interestelar. A emissão infravermelha dessa distribuição de temperatura tem aspectos característicos e foi exatamente o que se encontrou na direção de um terço das estrelas em formação. Isso indica que pelo menos essa proporção de estrelas possui os tais discos que eram previstos para o proto-sistema solar. Mas não implica que essa seja a proporção dos sistemas planetários que realmente se formam. Tanto pode não se estar contando sistemas que já passaram da fase de disco quanto contando os que não vão evoluir, por muitas razões, até a fase de planetas.

De qualquer forma, foi possível distinguir várias fases do processo, desde uma fase muito inicial, onde a proto-estrela estava envolvida numa espécie de casulo de gás e poeira, sem forma, passando pelos clássicos discos do modelo até a fase em que esse disco deveria estar se rompendo em anéis. Uma das estrelas encontradas nessa fase foi supreendentemente Beta Pictoris, uma estrela quente, bem diferente do Sol. Seu disco está numa fase final e a emissão infravermelha só foi detectada por ser uma estrela muito próxima. Por isso, também foi possível tapar a estrela, impedindo que ofuscasse sua vizinhança, e se obteve, pela primeira vez, a imagem de um disco protoplanetário. O disco de Beta Pic possui falhas como que produzidas por hipotéticos planetas sendo formados. Mais tarde, com o telescópio espacial Hubble, se obteve várias imagens de outros discos. São especialmente bonitas as imagens de estrelas em formação no Orion, com seus discos, alguns sendo rompidos pela interação com outras estrelas.

Após a fase de Beta Pic, com os grãos de poeira se tornando cada vez maiores, formando os planetesimais, a emissão infravermelha se torna pequena, não sendo mais possível detectá-la com o IRAS. Mas, essencialmente, todas as fases previstas no modelo até esse estágio foram observadas - um sucesso do modelo.

Era, pois, de se esperar que nosso sistema solar fosse bastante comum no Universo. Mas a conquista tecnológica seguinte mostrou dificuldades imprevistas. Quando um planeta gira em torno de uma estrela, ambos se movem em torno de um ponto chamado "centro de massas". A estrela fica bem mais próxima desse centro e sua velocidade é bem menor. A velocidade faz com que a luz corra um pouco para o azul, quando a estrela se aproxima, ou para o vermelho, quando se afasta. O espectrógrafo pode detectar esse corrimento. A geração clássica de espectrógrafo, aliada à forma tradicional de se fazer a medida, permitia uma precisão de até 1 km/s. Isso é muito longe dos possíveis movimentos provocados por planetas nas estrelas e nenhum era encontrado. Nessa última década foram construídos espectrógrafos muito mais precisos, aliados a várias melhorias nas formas de se fazer as medidas, e a precisão foi ampliada para 10m/s. Como conseqüência, os noticiários registram a descoberta de novos sistemas planetários quase todos os meses. Já foram encontrados mais de 50 planetas em volta de outras estrelas.

A técnica favorece a detecção de planetas gigantes, como Júpiter, próximos à estrela, pois as velocidades orbitais são maiores. Apesar do modelo prever que não deveria haver planetas análogos a Júpiter próximos à estrela, a maioria dos sistemas encontrados é desse tipo. E com órbitas muito elípticas. No início se podia pensar que eram exceções favorecidas pelo método de detecção. Agora nos encontramos em dificuldades para explicá-los. Isso não assusta os astrofísicos, que são sempre capazes de imaginar alguma modificação dos modelos que se ajusta aos novos resultados. De qualquer forma, isso deixa sérias dúvidas se nosso sistema planetário é realmente "típico".

É de se esperar pelo modelo que o processo de formação de planetas seja muito mais tumultuado do que o descrito acima. Afinal, é mais provável que os planetesimais ou corpos maiores se choquem destrutivamente do que se aproximem de forma graciosa para se aglutinarem. O processo deve passar por seqüências de construção e destruição. E, de fato, o sistema solar é cheio de marcas de cataclismos, (nosso próprio sistema Terra-Lua, que poderia ser descrito como um planeta duplo, parece ter sido formado pela colisão entre um planeta parecido com Marte e a Terra). No meio interplanetário existe enorme quantidade de pequenos corpos, cujo número é tanto maior quanto menor a massa. São tantos que, diariamente, caem na Terra 1200 toneladas de materiais. A maioria absoluta queima na alta atmosfera e, eventualmente, formam as chamadas "estrelas cadentes". Muito raramente atingem o solo, na forma de meteoritos que podem ser vistos em alguns museus e são muito instrutivos. Tive a oportunidade de colaborar na identificação do meteorito de Maria da Fé. Parece um peça abandonada de aço vinda de um alto forno. Não pode ser resultado de uma aglutinação. Embora a estrutura dos cometas possa ser explicada assim, os asteróides parecem mais resultados de cataclismos. Cometas, asteróides e meteoritos nos contam fases distintas da formação do sistema solar. Alguns meteoritos podem mesmo vir de cataclismos mais recentes, resultados de choques em Marte, na Lua e outros satélites, e nos informar sobre as condições então existentes no astro de origem. Daí o sucesso dos meteoritos "marcianos". Mas, mesmo contando com tantos cataclismos, essa não parece ser a explicação para a existência de tantos sistemas planetários "exóticos" encontrados.

Nosso grupo, no Brasil, preferiu um outro tipo de abordagem. Se as estrelas jovens possuem emissão infravermelha característica de disco protoplanetário, então a emissão infravermelha poderia ser um indicador para encontrar estrelas jovens desconhecidas. Selecionamos, então, todas as fontes infravermelhas, detectadas pelo IRAS, com essa característica e que tivessem alguma estrela em sua direção. E passamos a observar todas com o espectrógrafo do Observatório do Pico dos Dias, em Brazópolis (MG). Procurávamos pelos sinais característicos do elemento lítio, que, em tese, só poderia existir em estrelas jovens. A idéia era simples: estrela com emissão infravermelha característica e abundante em lítio só podia ser jovem. Claro que as coisas são sempre mais complicadas. Havia emissões parecidas com outras explicações, até mesmo um quasar muito luminoso (no caso, também deve haver um disco de poeira, mas em torno de um buraco negro), e descobrimos estrelas velhas com lítio (no momento, basta dizer que sabemos distinguir entre um caso e outro). E descobrimos, realmente, muitas estrelas jovens. Algumas longe das nuvens interestelares onde deveriam estar sendo formadas - como bebês longe da maternidade.

Ora, essas falsas estrelas-bebês se mostraram muito interessantes. Especialmente um pequeno grupo, na direção da constelação de Hydra. Essa pequena associação de estrelas jovens está a apenas 150 anos-luz e foi possível explicar a ausência de nuvens interestelares pela idade, cerca de 10 milhões de anos. Não eram exatamente "bebês", mas adolescentes. Seus discos estão numa fase análoga à de Beta Pic e próximos o suficiente para serem investigados com mais detalhes, sendo alvos prioritários para a nova geração de grandes telescópios, na procura por planetas em formação. De fato, em torno de uma delas já foi encontrada uma estrela anã marrom, esse misterioso objeto com massa entre as menores estrelas e os maiores planetas. O entendimento da diferença entre estrela e planeta passa pelo estudo das anãs marrons.

Entretanto, algumas das estrelas jovens da associação de Hydra não tinham emissão infravermelha detectada pelo IRAS (nós as tínhamos encontrado por outras indicações, na certeza de que ali devia haver mais estrelas jovens). Ora, as estrelas jovens são muito ativas, muito mais que o Sol no máximo de atividade. Isso acarreta que a atmosfera superior - a coroa - é muito intensa e quente, emitindo fortemente em raios X. O mapeamento do céu em raios X feito pelo satélite ROSAT na década passada mostrou que todas as estrelas da associação de Hydra eram fontes importantes de raios X. O passo seguinte foi procurar por mais estrelas jovens usando as indicações do ROSAT. Muitos astrônomos tiveram idéias semelhantes e, de repente, apareceram estrelas jovens em muitas partes do céu. A maioria das descobertas se deu perto das regiões de formação conhecidas, onde foram mais procuradas. Também se encontrou muitas "jovens-adultas" com idade perto de 100 milhões de anos espalhadas por todo o céu. Pela idade e outras características formariam o grupo das Plêiades, pois esse belo aglomerado seria seu protótipo. Inicialmente, tentamos descobrir outras estrelas na associação de Hydra e, de fato, descobrimos, mas outros chegaram antes. A questão se voltou, então, para saber se esse tipo de associação é real ou se são, apenas, parte de algo como o grupo das Plêiades, e se existem outras associações próximas. Com um pouco de sorte descobrimos indicação da existência de outra, um pouco mais velha, por volta de 30 milhões de anos, na direção de Horologium. Dois astrônomos americanos descobriram, independentemente, mais outra, ao lado da nossa, na direção de Tucana. São tão semelhantes que desconfiamos que ambas devem ser parte de uma única e imensa estrutura. No momento, estamos interessados em identificar essa grande estrutura e, com isso, procurar entender a formação estelar nessa parte da nossa Galáxia onde o Sol está atravessando. Outros astrônomos, que procuram entender os passos da formação planetária, se entusiasmam com essas associações, verdadeiros elos perdidos da evolução estelar, tão próximas que podem permitir, mais cedo ou mais tarde, um "álbum de recordações" das diversas etapas da formação dos sistemas planetários.

No final de março haverá um congresso num instituto da Nasa na Califórnia sobre as estrelas jovens da vizinhança solar. O grupo brasileiro é parte importante no congresso e esperamos surpreender com os últimos resultados da nossa procura por estrelas jovens na vizinhança solar, entre eles, a confirmação de que Tucana e Horologium formam uma enorme estrutura jovem no céu do Hemisfério Sul. Nosso céu tem mais estrelas... E mais jovens.

Carlos Alberto de Oliveira Torres é astrônomo e pesquisador do Laboratório Nacional de Astrofísica, em Itajubá (MG).

   
           
     

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Atualizado em 10/02/2001

   
     

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