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Pedras
no caminho
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Em 1776 o mineralogista austríaco Ignaz von Born julgou que tomava cuidados científicos quando retirou, da coleção imperial de Viena, um conjunto de pedras caídas do céu. Von Born fez isso convencido de que pedras que "caem do céu" eram sinal de ignorância do povo. Não estava sozinho nessa conclusão. Sete anos antes, em 15 de abril de 1769, o químico francês Antoine-Laurent de Lavoisier havia assegurado aos membros da Academia Francesa de Ciência que "pedras que caem do céu não existem". Lavoisier, que literalmente perdeu a cabeça em 8 de março de 1794, guilhotinado pela revolução, é considerado o fundador da química moderna. Fez trabalhos produtivos em várias áreas e seus biógrafos contam que deu apoio a muitos cientistas de finanças arruinadas. Essa generosidade fez dele um homem louvável, mas, em relação a pedras celestes, Lavoisier disse o que não sabia. Um físico alemão, Ernest Florens Friedrich Chladni, no ano da morte de Lavoisier, publicou um trabalho defendendo a origem celeste de um bloco de ferro encontrado na Sibéria, em 1749, levado para São Petersburgo em 1772. Mas também enfrentou a resistência de colegas. O mistério das pedras celestes só foi desfeito no século 19, com uma pesquisa encomendada pelo governo francês ao astrofísico Jean Baptiste Biot. Investigando uma chuva de meteoros, em 26 de abril de 1803 Biot demonstrou a origem extraterrestre desses acontecimentos. Se a teoria do Prêmio Nobel de Física de 68, Luiz Walter Alvarez, estiver correta, tanto Born quanto Lavoisier só puderam negar a origem de pedras celestes por um bólido que golpeou a Terra há 65 milhões de anos. O impacto pôs fim ao reinado de 140 milhões de anos mantido pelos dinossauros. A marca da colisão seria uma cratera semi-submersa de pelo menos 180 quilômetros de diâmetro, a Cratera Chicxulub, na Península de Yucatan, no México. O cenário desse choque no cretáceo é bem conhecido. O relevante é que, ao dizimar os dinossauros, o asteróides abriu espaço para a multiplicação de mamíferos, cujo desenvolvimento, como os galhos ramificados de uma árvore, produziu, numa de suas extremidades, a espécie humana. De acordo com Alvarez, Born e Lavoisier, como todos os outros humanos têm um estranho débito com esse asteróide obscuro. A ciência, com seus procedimentos meticulosos, não é outra coisa senão um repetido encontro com o desconhecido. O que a faz diferente da literatura, por exemplo, é a adoção de um método particular: a necessidade de verificação experimental das proposições. E, mesmo assim, é uma diferenciação precária. A literatura não só é um encontro renovado com o desconhecido, mas também uma forma de previsão do futuro. O que está por trás da necessidade de verificação empírica de proposições. Na década passada, meteoritos destruíram o porta-malas de um automóvel nos Estados Unidos, romperam o telhado de uma casa no Japão e explodiram o pára-brisas de um outro veículo, na Espanha. Nos três casos, ninguém se feriu. Outro deles, o Allan Hills, coletado na Antártida em 84 e originário de Marte, trouxe controvertidas evidências de que esse mundo vizinho, num passado ainda desconhecido, teria compartilhado formas de vida como a Terra. Mais esquivos que seus parentes próximos, os cometas e asteróides são astros comparativamente pouco conhecidos. Uma confusão de nomes, entre leitores de jornais e obras de divulgação, embaralha ainda mais as noções de quem não tem familiaridade com o céu. Meteoro é a luz produzida por um corpo, um meteoróide, quando mergulha em direção à Terra e se atrita com a atmosfera. Se resistir à prova, o que depende de sua composição química, ao chegar ao solo é um meteorito. O Bendengó, ou Bendegó, meteorito metálico de 5,4 toneladas, é o mais conhecido do Brasil. Foi encontrado em 1784, um século antes da chegada de Antônio Conselheiro junto ao rio Vaza Barris, na Bahia, onde nasceu Canudos. Asteróides são corpos muito maiores. De dezenas de metros a pelo menos mil quilômetros de diâmetro, caso de Ceres, o maior asteróide conhecido, descoberto pelo astrônomo italiano Giuseppe Piazzi, em 1801. Um meteoro quase sempre é produzido por um corpo do tamanho de um grão de arroz. O atrito com átomos dos gases atmosféricos faz com que se produza um efeito físico (excitação seguida de ionização), origem dos rastros luminosos das "estrelas cadentes". Essas partículas quase sempre desprenderam-se de cometas envelhecendo a cada passagem pelas proximidades do Sol. Entram com maior ou menor velocidade na atmosfera (nos dois casos são milhares de quilômetros por hora) dependendo da natureza de suas órbitas. Corpos ligeiramente maiores, como um pequeno pedregulho, podem produzir de um "chiado" a um "assobio", dependendo das dimensões. Blocos muito maiores provocam explosões, devido às ondas de choque. O cenário para um asteróide é assustador. Incendeia e ejeta para o espaço boa parte da atmosfera, antes de golpear o solo como o martelo exterminador de Thor. A superfície lunar é a melhor evidência do intenso bombardeio de projéteis cósmicos nas imediações da Terra, quando o Sistema Solar ainda era jovem, há pelo menos 3 bilhões de anos. Mas foi só em meados dos anos 50 que o astrônomo norte-americano Daniel Moreau Barringer convenceu seus colegas de que as crateras lunares resultaram do impacto de cometas asteróides. Isso explica a busca atual de água nos pólos lunares. Cometas são "bolas de gelo sujo", como definiu o astrônomo norte-americano Fred Whipple, nos anos 50. Água, "gelo seco" e possivelmente uma camada de compostos orgânicos envolvendo um caroço de rochas e metais. É imagem que se tem atualmente dos cometas. O campo gravitacional terrestre, mais intenso que o lunar, atraiu ainda mais bombardeio. Mas um mundo com atmosfera alisa constantemente sua superfície, eliminando as cicatrizes mais profundas e minimizando entalhes. Ainda assim, a há evidências de que diferentes impactos eliminaram a vida na Terra mais de uma vez. O estudo de meteoros e asteróides foi bastante ampliado com o desenvolvimento da radioastronomia, após a Segunda Guerra Mundial. Especialmente pela incorporação das técnicas de radar. Foi quando as chuvas de meteoros puderam ser estudadas também durante o dia. O encontro com um asteróide em seu habitat só foi possível com as naves espaciais. A pequena Galileo, que ainda gira em torno de Júpiter, depois de ter lançado uma sonda no corpo gasoso desse planeta, interceptou dois asteróides antes de chegar ao destino, em 7 dezembro de 1995. Gaspra e Ida foram examinados e fotografados em closes inéditos. Ida mostrou uma pequena lua, Dactyl, de 1,5 quilômetro de diâmetro, sobrevoando seu corpo marcado por crateras. Com base na terceira lei de Kepler, observando o movimento da Lua, os astrônomos estimaram que Ida tem densidade de 2,5 g/cm3. Menos da metade da densidade da Terra, de 5,5 g/cm3. Além de investigar Ida e Gaspra, a Galileo também observou o impacto do cometa Shoemaker-Levy 9 com Júpiter, em julho de 1994. Depois da Galileo, uma nave especializada, a Near, enviou dados e imagens de cometas e asteróides entre 1999 e 2000. Em 2004, uma nave deve disparar um projétil contra o corpo de um outro cometa descoberto por Eugene Shoemaker. Morto recentemente, num acidente de automóvel, Shoemaker e sua esposa Carolyn renovaram temores de que um deles se espatife contra a Terra, trazendo de volta morte e destruição. Investigando os asteróides, astrônomos querem saber porque algumas dessas montanhas errantes têm constituição basáltica. Na Terra esse material é expelido pela garganta fumegante dos vulcões. No passado remoto asteróides chegaram a ter dimensões capazes de produzir vulcanismo? Como na triste história do Super Homem, existiram mundos que acabaram como Krypton? São perguntas sem respostas e essa situação pode continuar assim por um tempo indeterminado. Como ocorre com a origem da Lua. Mesmo depois das viagens tripuladas, permanecem dúvidas sobre o nascimento do único satélite da Terra. Nos últimos anos, os astrônomos descobriram que cometas de brilho exaurido pela contínua exposição ao Sol podem assumir a forma esmaecida de asteróides. Em órbitas próximas, cometas ou asteróides são ameaçadores. Distinguir uns de outros é uma tarefa para pesquisadores do futuro. Quando naves espaciais cortarem o espaço entre os mundos, como os navios do século 20 faziam nos oceanos da Terra. Ulisses Capozoli, jornalista e historiador da ciência, é presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC). |
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Atualizado em 10/02/2001 |
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