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Os
Caçadores de Vagalumes
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Carlos Vogt Eu nunca cacei cometas, nunca nenhum saci cavalgou na garupa dos cavalos em que viajei, jamais dobrei a noite das esquinas de Sales Oliveira, sem que tivesse medo de topar com a ausência brusca da cabeça escura da mula-sem-cabeça. Eu fui, isso sim, um grande caçador de vagalumes, com vidros cheios de lanternas vivas, iscas de tiques e estalos de pescoço, com tições em brasa riscando a escuridão do Triângulo, que abastecia de lenha as máquinas da Mogiana. Ali, onde meu pai, menino, jura ter visto aparições temíveis, vi apenas o meu e o medo de outros meninos com medo das aparições. Mas o cometa Halley, este sim, eu vi, quando era menino, cortar de silêncio e espetáculo o poente do céu da infância de meu velho pai; vi também muitas outras coisas com os olhos adultos e as mãos atentas de seleiro, que cortavam o couro e teciam arreios para os colonos e fazendeiros dos cafezais, com estes olhos e aquelas mãos que cortavam o couro e teciam enredos.
Por Sales Oliveira, passaram muitos cometas, desses mais triviais que o tempo deixou sem uso e superstição, cometas-vendedores, de roupas, de jóias, de supérfluos, de bijouterias, que pousavam na pensão de Dona Itália; mais freqüentes que os do céu, mais transitórios na terra, fortes, contudo, na regularidade e cíclicos na invenção, cheios de histórias e fantasias, de mundos estrangeiros, de prosopopéias, feitos não só de silêncios luminosos, mas de lâminas sonoras de persuasão.
Quando o cometa Halley aparecer de novo e meu pai tiver completos seus oitenta anos, já não serei eu mesmo, sem ter sido outro, não estarei em Sales, tampouco a selaria, a Mogiana, os colonos, os cafezais, não haverá cometas, desses sem uso de compra e venda, por desusados; juntos estaremos a olhar as terras que olham retas o risco branco que corta a noite, a mesma noite em que, meninos, seremos velhos, perto e distantes na solidão. |
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Atualizado em 10/02/2001 |
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