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Exploração
e Desenvolvimento Humano no Espaço
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Ronaldo Garcia O céu profundo e escuro sempre fascinou o homem desde a Antigüidade. À medida que a História do homem avançava com a sua tecnologia, foi ficando cada vez mais claro que descobrir o que nos rodeava era apenas uma questão de tempo. Somam-se a isso, as antigas disputas territoriais, que, de uma maneira ou de outra, sempre contribuíram para o progresso de uma nação em relação às outras. Pensava-se antes que, quem dominasse os mares dominaria a Terra; depois, que quem dominasse os ares, conquistaria também a Terra. De modo que, inevitavelmente... Depois que o homem pisou na superfície da Lua pela primeira vez, em 20 de Julho de 1969, o céu acabou ficando pequeno. Nunca antes o ser humano tinha ido tão longe de casa quanto nesse dia. Realmente, um grande passo para a humanidade foi dado nessa época. À partir daquele momento, a raça humana entrou para o clube - que nem sequer sabemos se existe - das raças interplanetárias. Finalmente, saímos do nosso berço para explorar o que se nos avizinha. Mas ir para a Lua não é nada. O nosso Sistema Solar compreende nove planetas, dezenas de luas, centenas de cometas e milhares de asteróides, o que nos impõe mais um delicado problema: para onde ir agora? Marte tornou-se o que é chamado no jargão astronáutico de "o próximo passo lógico" e não poderia deixar de sê-lo. Vênus é o planeta mais próximo da Terra, mas as condições que reinam na sua superfície são totalmente desagradáveis. Já Marte, o segundo planeta mais próximo de nós, tem uma série de condições - atmosféricas principalmente - que parecem até convidativas. Mas, para ir a Marte, seria necessário um outro desenvolvimento tecnológico e, pela primeira vez, um desenvolvimento humano no espaço como não tinha acontecido até então. Na época das naves Apollo que foram para a Lua, o espaço interno era muito pequeno e apertado para que os astronautas pudessem desenvolver qualquer tipo de pesquisa ou mesmo ter um certo conforto. Mesmo antes, com as naves norte-americanas Mercury e Gemini e as soviéticas Vostok e Voskhod, as dependências não eram agradáveis: eram apenas cubículos onde os astronautas ficavam durante praticamente todo o vôo. A viagem para a Lua, incluindo ir, ficar e voltar, demora, em média, uma semana, dependendo do tempo de permanência na superfície da Lua. Já uma viagem a Marte é algo muito mais complexo. A viagem de ida demora em torno de seis meses, mais um ano e meio na superfície e mais seis meses para voltar. Total: dois anos e meio! Até o começo da década de 70 ninguém tinha ficado mais que 14 dias no espaço, façanha realizada pelos astronautas Jim Lovell - que voaria depois na famosa Apollo 13 - e Frank Borman, numa das naves da série Gemini. Depois que os soviéticos "perderam" a corrida para a Lua, algumas "línguas" disseram que eles agora queriam ir a Marte e sabiam que não seria fácil. Tal afirmação nunca chegou a ser totalmente confirmada, mas o fato é que os soviéticos, em Abril de 1971, lançaram a primeira estação espacial em órbita da Terra, a Salyut 1, tripulada por Dobrovolski, Volkov e Patsayev, e permaneceram em órbita por 22 dias. A Salyut 1 era um cilindro com 15,8 metros de comprimento por 4,15 metros de largura e dentro havia um tocador de fitas cassete, uma "mesa" para refeições, uma pequena biblioteca com alguns livros e, pela primeira vez, os cosmonautas - como são até hoje chamados os "astronautas" russos - podiam dormir em pé! Parece estranho "dormir em pé", mas o fato era que havia um lugar reservado para as "camas" e estas eram presas às paredes da estação. Como no espaço nem é possível definir "em cima" e "em baixo", não importa o jeito que se durma! Infelizmente, depois de 22 dias no espaço a tripulação da Salyut 1 morreu durante a descida, devido a uma falha na pressurização da nave que os traria de volta. A Salyut 1 caiu, o que estava totalmente previsto e sem ninguém a bordo, no dia 11 de outubro de 1971, permanecendo seis meses no espaço. Existiram várias estações Salyut. Descontando as que falharam no lançamento, as Salyuts 6 e 7 eram a segunda geração de estações espaciais. As primeiras versões da Salyuts tinham apenas uma porta de docagem, ou seja, para entrar e sair da estação, só por um lado. Já com a 6 e 7 existiam duas portas, possibilitando que duas tripulações visitassem a estação ao mesmo tempo e com naves diferentes. Para se ter uma idéia da evolução desse novo tipo de artefato espacial, a Salyut 7 subiu em abril de 1982 e foi desativada em junho de 1986. Nesses quatro anos de uso muitas experiências médicas, astronômicas, físicas e químicas foram realizadas. A Salyut 7 caiu em fevereiro de 1991 e alguns pedaços foram encontrados na Argentina. Os norte-americanos também investiram numa estação espacial na década de 70. O Skylab, primeira e única estação espacial norte-americana até o momento, era, na verdade, o terceiro estágio do poderoso foguete Saturno V, que havia levado os homens à Lua anos antes. O Skylab subiu em maio de 1973 e contou com três tripulações diferentes em quase um ano de atividades. A última tripulação deixou o Skylab em fevereiro de 1974 e ficaram lá em cima por 84 dias. Durante esse período muitas experiências foram realizadas, como observações do Sol e do cometa Kohoutek - que passava na época -, pesquisas de recursos naturais terrestres e dezenas de experiências médicas. Caiu em julho de 1979 e sua queda foi a mais comentada e coberta pela mídia em todo o mundo. Vários pedaços foram encontrados no deserto da Austrália. Enquanto a antiga União Soviética insistia no seu programa de estações espaciais, os Estados Unidos resolveram construir um veículo mais ambicioso. Como o preço para uma viagem ao planeta Marte era extremamente elevado - orçado hoje em 250 bilhões de dólares - seria interessante "começar devagar". Primeiro fator a ser mudado: ter uma nave que fosse capaz de ir ao espaço sem ter que se construir outra nave a cada missão. Nasceu, então, o programa Space Shuttle - conhecido como Ônibus Espacial - que consistia num veículo que podia ir ao espaço, voltar à Terra, ir ao espaço novamente, voltar para a Terra... O primeiro vôo desse novo conceito de nave espacial ocorreu em 12 abril de 1981 com o veículo Columbia, tripulado pelo comandante John W. Young - que já tinha voado no projeto Gemini e nas Apollo 10 e 16 - e pelo piloto Robert Crippen, na época ainda novato. Pois bem, no dia 12 de abril de 2001, serão comemorados os 20 anos de um veículo que trouxe grandes mudanças nos vôos espaciais tripulados. Mas qual é a missão principal do ônibus espacial? Para que ele foi construído? Para ir a Marte? Com certeza, não. A missão principal era construir e realizar manutenções periódicas e dar apoio logístico à estação espacial. Mas qual estação espacial? Qualquer uma. A idéia era que o ônibus seria o veículo de ligação permanente entre a Terra e o espaço. Depois dos sucessos dos primeiros anos de operação dos ônibus espaciais, decidiu-se construir a estação espacial norte-americana Freedom, que não chegou a sair do papel devido aos custos literalmente astronômicos. Sem uma estação espacial, os quatro ônibus espaciais - Columbia, Discovery, Atlantis e Endeavour - existiam sem realizar a sua principal missão, aquela para a qual eles foram criados e desenvolvidos. Dessa maneira, os ônibus espaciais continuaram sendo apenas um veiculo com viagens espaciais rotineiras. E por falar em missões dos ônibus espaciais, não seria justo não registrar o mais famoso acidente espacial da História da Astronáutica. Em 28 de janeiro de 1986, aos 76 segundos da decolagem, explodia nos céus da Flórida o ônibus espacial Challenger, levando sete astronautas, entre eles uma professora do equivalente norte-americano ao nosso ensino fundamental. Na verdade, o conjunto do ônibus espacial é formado por dois foguetes de combustível sólido (SRB), por um tanque de combustível externo (ET) - combustível: hidrogênio e oxigênio líquidos - e pelo próprio ônibus espacial. O intenso frio que se registrou nos dias antes do lançamento fez com que as borrachas de vedação dos foguetes de combustível sólido não resistissem às temperaturas extremas e, como conseqüência, ao se acender os SRBs uma das borrachas se rompeu justamente do lado do tanque externo. Os jatos extremamente quentes que saíam por esse "orifício" ficaram lentamente perfurando as paredes do ET até que, depois de 76 segundos de vôo... O que realmente explodiu foi aquele enorme cilindro vermelho onde o ônibus espacial se acoplava e, quando isso aconteceu, o Challenger, devido a pressões aerodinâmicas fortíssimas, quebrou totalmente. A cápsula pressurizada onde os astronautas ficavam resistiu à força da explosão, mas o impacto com as águas do Atlântico a 3214 km/h foi decisivo. Ninguém sobreviveu. Mas o ônibus espacial não tem somente histórias tristes. Muitas proezas foram realizadas nesses 20 anos de serviço. Dentro do desenvolvimento humano no espaço, em fevereiro de 1984 pela primeira vez um ser humano se viu livre de qualquer ligação com a nave que o trouxera ao espaço. Bruce McCandless foi o primeiro astronauta a flutuar solto no espaço, sem o "cordão umbilical" com o ônibus espacial. Para se locomover no espaço, McCandless havia levado um "mochila" conhecida como Unidade Tripulada de Manobras (MMU) e, através de jatos de gás nitrogênio, foi possível "caminhar no espaço" sem problemas. McCandless se tornou o "primeiro satélite humano"! Os ônibus espaciais levaram os europeus para o espaço através do Spacelab, um cilindro que cabia no compartimento de carga do ônibus espacial, desenvolvido pela Agência Espacial Européia (ESA) para demonstrar a capacidade de se conduzir pesquisas num ambiente tão adverso quanto o espaço. No Spacelab foram feitas pesquisas em Astronomia, Física, observações da Terra, Biologia, Ciência dos Materiais, Física da Atmosfera e tecnologias, ampliando, assim, o desenvolvimento humano no espaço. Os ônibus espaciais levaram e consertaram o Telescópio Espacial Hubble, lançaram várias sondas interplanetárias como a Magalhães (Vênus) e a Galileo (Júpiter), o Telescópio Chandra, lançaram e consertaram em órbita dezenas de satélites, sem contar as centenas de horas de Atividades Extra-Veiculares (EVA), quando os astronautas saem da nave para "passear no espaço". Centenas de pesquisas científicas nas diversas áreas do conhecimento humano foram realizadas, inclusive uma para o Brasil, levada a cabo em 1997. Levaram para o espaço animais - abelhas, aranhas, galinhas, entre outros, embora os soviéticos também já tinham feito isso antes dos norte-americanos, só que em naves mais modestas e com objetivos diferentes - pesquisaram a conduta do corpo humano, tanto física como psicologicamente, dormiram em pé ou alojados no teto do veículo, "brincaram" no ambiente sem gravidade e trabalharam muito. Os astronautas dizem que não existe pôr-do-sol mais maravilhoso que o visto do espaço... deve ser mesmo! Enquanto isso, do outro lado do mundo, a então União Soviética, no mesmo ano em que o Challenger explodiu, lançou o primeiro módulo da estação espacial Mir, a primeira estação permanente. Lançada em 19 de fevereiro de 1986, foi completada pelos russos em 1996, com o lançamento do último módulo, o Priroda. A Mir é uma estação espacial totalmente independente e auto-suficiente. A água, o ar e os sistemas de temperatura e de pressão eram providos e mantidos por ela mesma. É evidente que a comida e alguns "acessórios" eram enviados da Terra por meio de veículos não tripulados conhecidos com o nome de Progress. A diferença básica entre as estações Salyut, o Skylab e a Mir era que esta última podia se sustentar no espaço. Esta estação tem 2 motores principais que, com o passar do tempo, faziam a correção na órbita para que a Mir não caísse. Isso justifica o termo "permanente" usado acima. O tempo de vida útil previsto para a Mir era de nove anos - no máximo 10 - no espaço. No entanto, ela está lá há quase quinze anos e nesse tempo todo foram realizadas mais de vinte mil experiências científicas para vários países. Ela foi visitada diversas vezes pelo ônibus espacial norte-americano entre 1995 e 1997 num ensaio geral da construção da Estação Espacial Internacional. A Mir já abrigou, além de soviéticos e russos, um jornalista japonês, um astronauta islâmico, além de franceses, italianos e norte-americanos. Depois da queda do Império Soviético, ocorrida entre os anos de 1989 a 1991, o espaço ficou mais democrático... Se a intenção era treinar longos períodos de permanência humana no espaço para uma viagem a Marte, a Mir detém todos os recordes até hoje. Já houve missões que ficaram 141 dias no espaço, 176, 186, 191, 366 e assim por diante... A antiga União Soviética também tinha o seu "ônibus espacial". Não comentar sobre ele não seria justo também. O Buran (Nevasca) teve o seu projeto iniciado em 1976, numa clara resposta ao mesmo programa americano. O seu primeiro e único vôo aconteceu em 1988 e foi totalmente automático, sem tripulantes. Esse vôo durou apenas uma órbita, de, aproximadamente, uma hora e meia. Tal vôo foi curto assim devido à capacidade de memória dos computadores do Buran. Neles, tinham que ser programados o lançamento, as atividades em órbita e o pouso e, como lá não cabia muita coisa, a opção era realizar uma única volta em torno da Terra. Depois disso, o Buran nunca mais voou. Atualmente, o Buran "enfeita" shows de aviação pelo mundo. A famosa ISS, a Estação Espacial Internacional, da qual o Brasil participa através de um consórcio que inclui outros quinze países, terá o mesmo desempenho da Mir, ou seja, será uma estação espacial permanente, auxiliada por motores de correção de órbita. Evidentemente, o espaço interno da ISS é muito superior ao da Mir. A ISS comportará com muita folga sete tripulantes. Poderia ser mais? Não. Em caso de pane ou de algum mal funcionamento que torne a presença humana ameaçada dentro da estação, existe um módulo de fuga que só é usado em casos extremos... e, como esse só comporta sete astronautas... Pois bem, a participação brasileira nesse projeto é mínima, mas existe e é imprescindível. O Brasil, o único país do terceiro mundo no projeto, vai contribuir com 0,25% do total do preço, orçado em torno de 60 bilhões de dólares. Esses 0,25% dão certos privilégios ao Brasil como, por exemplo, ter 0,25% do tempo útil de pesquisas para o Brasil. Os equipamentos feitos aqui têm sempre um local reservado para experiências puramente brasileiras. Além disso, a presença de um astronauta brasileiro também é cogitada. Assim sendo, o major da Força Aérea Brasileira, Marcos Pontes, está sendo treinado em Houston, Texas, para poder voar para a ISS dentro de alguns anos. Engana-se quem pensa que os astronautas-pesquisadores vão trabalhar sentados numa mesa cercados de equipamentos sofisticados, com microscópios e outras coisa. Na verdade, dos diversos módulos que compõem a ISS, alguns são laboratórios científicos por natureza. Dentro desses módulos estão armazenados em "caixotes" todos os materiais científicos necessários. Um departamento de Física inteiro cabe num desses módulos. Assim, o astronauta só tem que puxar uma caixa, colocar o experimento e esperar pelos resultados. A ISS é o maior complexo já montado no espaço. Será, como já está sendo, facilmente visível a olho nu. Terá 110 metros de comprimento por 88 metros de largura. O seu brilho no céu deve se equiparar ao de Vênus, o astro mais brilhante depois do Sol e da Lua. A altitude da órbita é de 406 quilômetros e a sua inclinação é de 51,6 graus. O valor dessa inclinação permite que todos os países do mundo, no seu devido horário, possam ver a ISS passando e brilhando no céu. Essa inclinação é a mesma da Mir. A construção da ISS começou em 20 de novembro de 1998 e estima-se que esteja pronta em abril de 2006. É esperar para ver. Cada tripulação da ISS deve ficar no espaço de três a seis meses e dificilmente baterão o recorde de permanência no espaço, que pertence aos russos. Mas, depois de pronta e funcionando, quem sabe... Como foi dito, é muito provável que tais esforços estejam sendo dirigidos para se alcançar Marte daqui alguns anos. A espécie humana é uma raça exploradora por natureza e um campo tão vasto quanto o espaço, antes de trazer medo ou aversão, deixa para nós uma esperança de paz e união para todo o mundo. Esse artigo é uma homenagem à Estação Espacial MIR. Ronaldo Garcia é monitor voluntário do Setor de Astronomia do Centro de Divulgação Científica e Cultural da Universidade de São Paulo do campus de São Carlos desde 1989, com especial interesse na Astronáutica e na Computação Gráfica, e responsável por algumas animações multimídia para ilustrar a Astronomia e Astronáutica. |
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Atualizado em 10/02/2001 |
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