Urânio
brasileiro é estratégico
Em outubro deste ano, o prêmio Nobel da paz foi
destinado ao diplomata egípcio Mohammed ElBaradei, diretor-geral
da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, sigla em
inglês), criada em 1957. Ele é responsável por
tornar cada vez mais difícil o acesso à bomba
atômica. Diante de tal fato, e de uma demanda mundial de energia
cada vez maior - o que abre possibilidades para a energia nuclear, um
personagem volta a chamar atenção: o urânio.
Descoberto no século XVIII e isolado pela primeira vez no
século seguinte, esse metal radioativo tem retomado a sua
importância e, de acordo com especialistas, já há
um "renascimento da industria do urânio". O Brasil, dono da sexta
reserva de urânio no mundo pode ter um papel estratégico
nesse mercado.
De acordo com Alcídio Abraão, pesquisador
emérito do Instituto de Pesquisa em Energia Nuclear (IPEN) e um
dos criadores do insituto, existe uma idéia disseminada sobre os
possíveis danos causados pelo urânio por causa de
tragédias como as bombas de Hiroshima e Nagasaki, atiradas pelos
Estados Unidos em 1945, e de acidentes como o de Chernobyl
(Ucrânia), de 1986, onde uma explosão em um reator matou
pelo menos 30 mil pessoas e deixou 3 milhões feridas. "O
urânio é muito menos radioativo do que o rádio, por
exemplo, mas causa mais temor porque está associado com a
produção de bombas nucleares", afirma Abraão. O
rádio é retirado das usinas durante o processamento do
urânio e depositado em lagoas de rejeito. Só então
o concentrado de urânio (urânio bruto), chamado de yellowcake,
é levado para enriquecimento. Para Abraão, o risco de
poluição ambiental em áreas de
exploração do urânio é muito baixa, devido
à segurança proporcionada pela tecnologia atual.
Mesmo com segurança, sobram motivos para a
preocupação com o metal. O engenheiro químico
Horst Richard Fernandes, do Departamento de Proteção
Radiológica Ambiental, da Comissão Nacional de Energia
Nuclear (CNEN), explica que o urânio e seus compostos são
altamente tóxicos, tanto pela atividade química quanto
pela radioatividade. "Do ponto de vista da radioatividade, há
risco de desenvolvimento de câncer em indivíduos expostos
mesmo a baixas doses de radiação ionizantes", conta.
Existem dois grandes problemas que podem ser destacados na
exploração de urânio: a possibilidade de
contaminação interna - mais grave, ocorre pela
inalação de particulados contendo urânio e do
gás radioativo radônio (que é um produto do
decaimento radioativo do urânio) - e a contaminação
externa, que acontece pela deposição do urânio e
seus produtos na pele e cabelo dos trabalhadores. O câncer de
pulmão, de pele e do sistema gastro-intestinal são os
mais comuns.
Por causa dessas e de outras preocupações, e
diante da volta dos olhares para as usinas nucleares como a
solução para suprir a demanda de energia, o Greenpeace
lançou, em abril deste ano, um relatório sobres os riscos dos reatores
nucleares. A ONG concluiu, dentre outros, que todos os reatores em
operação possuem falhas inerentes muito graves, que
não podem ser eliminadas com atualizações
tecnológicas no sistema de segurança. De acordo com o
documento, um acidente de grande porte num reator de "água leve"
(tecnologia usada na maioria dos reatores em operação)
pode causar um vazamento de radioatividade centenas de vezes maior que
o de Chernobyl, resultando em mais de um milhão de mortes por
câncer e na remoção de pessoas em grandes
áreas (até 100 mil km²). O Greenpeace é
contra o funcionamento das usinas Angra 1 e Angra 2 e contra a
construção da Angra 3, que denomina de "aventura nuclear
brasileira". Uma das principais críticas do relatório
é a vulnerabilidade das usinas em casos de atos de terrorismo ou
guerra.
Os impactos radiológicos no meio ambiente destacados
pelo Greenpeace resultam em aumento das concentrações de
poluentes no ar, na água e nos solos. "A água e o ar
são considerados meios primários de transporte. Já
o solo é meio integrador (ou acumulador), assim como os
sedimentos", explica Fernandes. A partir desses compartimentos, os
radionuclídeos chegam ao homem por inalação,
consumo de água, ingestão de produtos
agro-pecuários e ingestão de itens da biota
aquática (como peixes). De acordo com o pesquisador da CNEN, uma
instalação nuclear só tem
autorização de entrar em operação quando
todas as vias de exposição foram devidamente
quantificadas. "O operador é obrigado a conduzir um programa de
monitoramento ambiental e de efluentes", explica.
Preocupante, como todo minério
Apesar das preocupações dos ativistas, quase sempre
reforçados na mídia, alguns pesquisadores garantem que
problemas de radioatividade em atividades de mineração
não estão restritos à mineração do
urânio. Para Luiz Paulo Geraldo, doutor em tecnologia nuclear
pela USP e pesquisador da Unisantos, os problemas decorrentes da
exploração de urânio são "usuais da
exploração de qualquer outro minério". É o
caso das minas de carvão, que, de acordo com Fernandes, da CNEN,
já têm registros de aumento do risco de câncer de
pulmão devido à inalação de radônio.
Ele lembra ainda que algumas pesquisas apontam o manganês, um
metal não radioativo usado em alguns processos de beneficiamento
de minério de urânio, como um poluente mais crítico
do que qualquer outro elemento radioativo. "O urânio, que
é um elemento radiotivo, traz riscos relacionados com a sua
toxicidade química mais significativos do que seus riscos
radiológicos", explica.
Devido aos riscos à saúde principalmente do
mineiro, minas de urânio no mundo inteiro tem no aumento da
ventilação das galerias (ocasionando uma
renovação de ar mais efetiva) uma maneira de reduzir
esses riscos "a níveis aceitáveis". Mas a
ventilação das minas não é uma
preocupação universal, já que ainda não
existe um sistema único de normas de radioproteção
(proteção do homem contra os efeitos indesejáveis
das radiações ionizantes). "A tendência mundial
é de que todos os países adotem um único sistema
nas suas legislações nacionais, contribuindo para a sua
credibilidade e aceitação pública", explica
Fernandes. A própria IAEA, que recebeu o Nobel da paz,
reúne diferentes países (Estados Membros) que discutem
constantemente as mais recentes informações sobre
segurança, entre vários outros temas. "Tais
discussões acabam levando a publicação de guias de
segurança, recomendações e demais documentos
técnicos", informa Fernandes.
O Brasil é integrante da IEAE e, de acordo com
especialistas, tem total condição de estar atualizado com
os mais recentes aspectos e requisitos de segurança. No
país, a CNEN é a responsável pela
normatização e a fiscalização do
cumprimento dessas normas, que estão disponíveis no seu site. Cabe a INB (Indústrias Nucleares
Brasileiras) - empresa de economia mista subordinada à CNEN e ao
MCT - a exploração do urânio, desde a
mineração e o beneficiamento primário até a
produção e montagem dos elementos combustíveis que
acionam os reatores de usinas nucleares.
Para Abraão, do IPEN, a exploração
realizada no Brasil é segura. O pesquisador cita como exemplo de
segurança em matéria de extração de
urânio no Brasil, as usinas de Poços de Caldas (MG),
atualmente paradas pois a quantidade de urânio está muito
baixa. Lá, nunca houve nenhum tipo de acidente. Além de
Minas Gerais, as principais regiões do Brasil onde há
ocorrência de urânio são Bahia, Ceará e
Paraná. Atualmente, as explorações se concentram
em Itataia (Ceará) e em Caetité (Bahia).
De acordo com Fernandes, um dos principais motivos para a
retomada da indústria do urânio foi a
diminuição dos estoques do metal na ex-União
Soviética, quando o mundo se voltou novamente para o suprimento
primário (representado pela mineração e
beneficiamento de urânio). Para o pesquisador, o Brasil, que
possui cerca de 300 mil toneladas de urânio, precisa
compatibilizar de forma precisa os aspectos de produção
com os de segurança, o que leva a necessidade de
capacitação de pessoal, tanto no setor de
produção quanto no setor de segurança.
Polêmico enriquecimento
Mas a indústria de urânio brasileira não quer se
contentar com o suprimento primário do metal. A técnica
de enriquecimento do urânio por centrifugação no
Brasil foi desenvolvida pelo consórcio Marinha-IPEN (Instituto
de Pesquisas Energéticas e Nucleares) na década de 1980
e, em 2000, o governo anunciou que o Brasil entraria para o seleto
grupo de países que enriquecem urânio em escala comercial,
junto com Rússia, China, Japão, Holanda, Alemanha e
Inglaterra. Até então, o Brasil explorava o metal, que
era enviado a países como a Holanda para seu enriquecimento. O
processo de enriquecimento de urânio resulta também no
urânio enfraquecido, que pode ser usado para bloquear
radiação, assim como o chumbo. De acordo com
Abraão, o Brasil paga caro por enriquecer urânio no
exterior, já que precisa pagar a manutenção de
depósitos de urânio enfraquecido no exterior.
O urânio na natureza é constituído por 3
isótopos radioativos com as porcentagens: 99,27% de
urânio-238, 0,72% de urânio-235 e 0,0055% de
urânio-234. Enriquecer o urânio é extrair
átomos ou isótopos de urânio-238 da amostra, que
correspondem a sua composição marjoritária, de
forma a aumentar a porcentagem do urânio-235. Esse processo
é realizado nas usinas de enriquecimento, por meio de
ultracentrífugas. O urânio em armamentos nucleares,
conforme informa Luiz Paulo Gerlado, da Unisantos, contém
geralmente 85% ou mais do isótopo 235.
A polêmica sobre o enriquecimento do urânio
está diretamente ligada à produção de bomba
atômica, tanto que, em 2004, o Brasil recebeu, depois de um longo
processo de negociação, auditores da IEAE para
inspeção das usinas nacionais. De acordo com
Abraão, o IPEN já chegou a receber visitas de
políticos desconfiados das atividades do Instituto. "Sabemos que
a bomba atômica não afeta apenas o local atingido, mas o
mundo todo. Por isso, países como Israel possuem a bomba, mas
não a utilizam", conta. E garante: "O Brasil não tem
interesse nenhum em produzir a bomba atômica. Se fizermos,
precisamos de um foguete para lançá-la. E vamos
lançar em quem?", conclui.
Principais
depósitos de urânio no Brasil *
|
Tipo
|
Depósito
ou Ocorrência
|
Reservas
(tU3O8)
|
Localização
|
Brecha
Vulcânica
|
Campo de Cercado
|
21.800
|
Minas Gerais
|
|
Campo do
Agostinho
|
5.000
|
|
Arenito/Carvão
|
Figueira
|
8.000
|
Paraná
|
|
Amorinópolis
|
5.000
|
Goiás
|
Metassomático
|
Itataia
|
142.500
|
Ceará
|
Metassomático
Albitito
|
Lagoa Real
|
94.000a
|
Bahia
|
|
Espinharas
|
8.480
|
Paraíba
|
|
Campo Belo
|
500
|
Goiás
|
Meta
conglomerato Quartzoso
|
Quadrilátero
Ferrífero
|
12.720
|
Minas Gerais
|
|
*Dados
fornecidos pelo pesquisador Horst Richard Fernandes, da CNEN. |
Leia mais na ComCiência:
- Áreas sensíveis são controladas
internacionalmente
http://www.comciencia.br/reportagens/2004/11/02.shtml
- Brasil é alvo de críticas internacionais por
proteger tecnologia nuclear nacional
http://www.comciencia.br/reportagens/2004/11/03.shtml
-Edição sobre Energia Nuclear
http://www.comciencia.br/reportagens/nuclear/nuclear01.htm
(SR)
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