Falta
atitude para conter mudanças climáticas
Este ano foi o marco das mudanças climáticas,
com furacões, secas e enchentes de grande intensidade, que
deixaram de ser meras previsões científicas para ocuparem
as páginas dos jornais, em uma clara indicação de
que o planeta está bem vivo e o homem fragilizado diante de
tamanho impacto. Entre os especialistas, não resta mais
dúvidas de que o clima está se modificando, mas os meios
de amenizar ou controlar futuras pioras nas condições de
vida humana ainda são incertos. O Protocolo de Quioto, em vigor
desde fevereiro último, ainda é uma tímida
atitude, embora tenha sido o primeiro passo para discutir o problema
globalmente.
Quando teriam começado as mudanças
climáticas causadas por atividade humana? Muitos atribuem o
início após a invenção da máquina a
vapor, no século XVIII. Mas William Ruddiman, geólogo
marinho da Universidade de Virgínia (EUA), defende que a
contribuição humana é bastante anterior, há
cerca de 11 mil anos, quando houve um aumento nas
concentrações de gás carbônico, enquanto a
tendência natural seria uma diminuição até o
começo da era industrial. Sua hipótese, um tanto
polêmica, baseia-se em amostras de ar aprisionadas em uma amostra
de gelo de dois quilômetros de comprimento extraída, nos
anos 1990, da estação Vostok, na Antártida. Em
artigo publicado na revista Scientific American do Brasil (n.
35, abril de 2005), o cientista explica que o início das
atividades agrícolas coincide com o período de
mudanças na quantidade daqueles gases na atmosfera. O aumento
verificado de metano, por exemplo, resultaria da
fermentação de plantações de arroz em
áreas alagadas na Ásia, há cinco mil anos. A
prática do desmatamento, para abrir novas frentes de
áreas cultiváveis e para habitação da
crescente população, também teria lançado
dióxido de carbono (CO2, ou gás
carbônico) em excesso, há cerca de dois a três mil
anos. Como resultado, Ruddiman prevê, por meio de
simulações, que o planeta deveria ser 2ºC mais frio.
"As temperaturas atuais estariam no caminho das glaciais típicas
se não fossem as contribuições de gases-estufa da
agricultura primitiva e da posterior industrialização",
conclui.
Caso a hipótese do geólogo esteja correta,
ficaria provado que mesmo a atividade humana em menores
proporções teria contribuído para alterar a
composição atmosférica, em um primeiro momento,
tornando-se mais intensa, como se acredita, a partir da era industrial.
Do carvão passa-se ao motor movido a combustíveis
fósseis; a agricultura e pecuária aprimoram-se ocupando
largas extensões de terra e as cidades explodem substituindo
vegetação e leitos de rios por asfalto e concreto. O
resultado foi que mudanças antes percebidas localmente - como a
Londres industrializada cujo céu vivia encoberto de cinzas das
fábricas que nele lançavam partículas de
carvão - passaram a ser percebidas globalmente, em um processo
crescente do qual ainda não existem previsões das
conseqüências futuras.
Estudos ecológicos já dão pistas de que
as populações de animais já estão migrando
em busca de áreas com temperaturas mais amenas. "Muitos dados de
estudos independentes sobre uma grande variedade de organismos (de
borboletas a aves e mamíferos) tem-se acumulado e documentado
migrações de espécies tropicais em
direção Norte, para os EUA", afirma James Patton, curador
do Museu de Zoologia de Vertebrados da Universidade da
Califórnia, em Berkeley nos EUA. Ele e sua equipe estão
revendo uma base de dados centenária sobre as
populações de mamíferos do Parque Nacional
Yosemite, o mais antigo do país. "A maioria, mas não
todas, as espécies de pequenos mamíferos têm
apresentado mudanças na altitude e amplitude de seu habitat
neste último século ao longo de nosso transecto [faixas
territoriais amostradas]", explica Patton. Os especialistas
identificaram uma expansão em 500 metros no habitat de
espécies de altas altitudes, não influenciada por
queimadas, e, portanto, sinalizando influências significativas
associadas à mudança do clima. Os numerosos registros
sobre o Parque, no último século, indicam um aumento
médio de 4º C durante o inverno e de 6º C no
verão.
Outra comprovação dos efeitos da
elevação da temperatura é o aumento no
nível dos oceanos. Observações por satélite
feitas pelo Office of Climate Observation (OCO), nos EUA, desde 1993
até o ano passado, mostram um aumento estável em 2.8
(+/-0.4) milímetros ao ano (mm/ano), bem acima dos 1.8 (+/-0.3)
mm/ano observados nos últimos 50 a 100 anos por meio de
tábuas de marés. As conclusões, publicadas no
recente relatório Estado dos Oceanos, levam a crer que ainda
não se sabe se os dados ilustram um ciclo histórico ou
apenas uma manifestação específica da
década, mas estariam ligadas à expansão da
água, pelo aumento do calor, e degelo da Groenlândia e
Antártica e, em menor proporção, de glaciais
montanhosos. A previsão, segundo o Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês)
é que até o final deste século a temperatura do
planeta deverá aumentar, em média, 2,6º C e o
nível dos oceanos se elevará entre 15cm e 1m, caso as
emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas.
Para tentar brecar alterações ainda mais
violentas causadas, sobretudo, pelo chamado efeito estufa -
acúmulo de gases como o dióxido de carbono (CO2) e metano na atmosfera, que impedem o calor de sair
- discute-se e planeja-se medidas baseadas, mais uma vez, no problema
já posto e não de forma a preveni-lo.
Medidas
Apenas recentemente, em 1988, estabeleceu-se o IPCC como forma de
reiterar que existe um ciclo sociedade-natureza, cada um influenciando
o outro de maneira complexa e até perigosa. O IPCC publica
freqüentemente relatórios que monitoram as
condições de oceanos, temperatura, degelo, clima etc. Mas
a atenção pública veio apenas a partir de 1992,
com a Eco-92, que delineou, pela primeira vez, metas de
redução de gases de efeito estufa. O Protocolo de Quioto,
estabelecido em 1997, modificou e viabilizou aquelas
estratégias, que apenas neste ano entrariam em vigor. Embora
bastante criticado por não ser uma ferramenta suficiente para
reverter o quadro de aquecimento global, o acordo é uma primeira
tentativa internacional de se agir globalmente.
Desde então, criou-se o chamado mercado de carbono,
onde países, como o Brasil, passaram a negociar na Bolsa de
Valores créditos de carbono para países poluentes (veja notícia sobre o assunto). Em troca o
comprador negocia o bônus pela absorção de carbono,
por exemplo, pela plantação de florestas, que retiram (ou
capturam) carbono da atmosfera (em excesso) e o transformam em
matéria orgânica. O mercado virtual de carbono ainda
não entrou na rotina das negociações
internacionais, mas já é uma alternativa para o controle
desse poluente - enquanto uns poluem, outros certificam que o poluente
é transformado de forma benéfica pela natureza.
A geo engenharia é outra técnica que tem sido
empregada pelos Estados Unidos e países europeus para retirar
gás carbônico do ar. Ainda em desenvolvimento, esse
processo consiste em injetar no solo grandes quantidades de gás
carbônico em alta pressão como meio de extrair
petróleo retido em grandes profundidades, explica Carlos Nobre,
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Novamente,
funciona a gangorra: remove-se o poluente da atmosfera para facilitar a
extração do petróleo, que queimado, libera nova
carga de dióxido de carbono.
No final do mês ocorrerá a Conferência das
Partes da Convenção do Clima, no Canadá, em que se
discutirá novas metas para o controle do aquecimento global a
partir de 2012 quando se encerra a primeira fase de Quioto, entre elas
a continuidade do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Este mecanismo
estabelece medidas compensatórias de emissões de
gás carbônico na atmosfera como os créditos de
carbono. A expectativa é que os países que estão
desobrigados de cumprir as metas de redução de
emissões de carbono com vistas aos índices de 1990, como
Brasil, China e Índia, apresentem metas voluntárias de
autocontrole. O Brasil, com os altos índices de desmatamento da
Amazônia (26 mil km² entre 2003 e 2004) e outros biomas,
garantiu o triste título de quinto maior emissor de CO2 na atmosfera, o que requer medidas imediatas de
controle de focos de incêndio, que, a cada ano, se multiplicam.
Por outro lado, o país, é o segundo no mundo em
quantidade de projetos (84) de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)
que totalizaram uma redução de emissão de 132
milhões de toneladas de gás carbônico e possui
enormes áreas degradadas que poderia reflorestar e, com isso,
lucrar com toneladas de carbono retirados na atmosfera para alimentar o
crescimento das árvores. A estimativa é que uma tonelada
de carbono retirada da atmosfera valha US$10, ou seja, a chance de
garantir bons lucros e a recuperação do meio ambiente.
As políticas de estratégias para minimizar os
impactos da atividade humana na qualidade de vida do planeta
também devem chegar até o plano micro, ou seja, o
indivíduo, que raramente se julga parte envolvida nos processos
de mudança, ainda mais globais. Um exemplo da ausência
dessa preocupação está, ironicamente, nos Estados
Unidos, onde inúmeros governadores se mobilizam para estabelecer
metas de redução de emissão de gases do efeito
estufa, mesmo diante da recusa do presidente George Bush em ratificar o
Protocolo de Quioto. A febre consumista no país revela a
preferência por caminhonetes (movidas a diesel), carros esportes
(que consomem mais gasolina) e espaçosos (como os famosos
Cadillacs), em detrimento da adesão a carros econômicos
(motor 1.0) ou bicombustíveis, como no caso brasileiro.
Leia mais:
- Edição sobre Mudanças Climáticas da ComCiência.
http://www.comciencia.br/reportagens/clima/creditos.htm
(GB)
|