Mineração tem impactos econômicos e sociais
Ao
se tratar dos problemas ambientais atuais, pouco se fala do papel dos recursos
minerais e das questões relacionadas à sua exploração. O conhecimento sobre
a disponibilidade desses recursos é escasso, assim como a exploração dos mesmos,
se considerarmos o tamanho total da chamada litosfera, a camada do globo terrestre
composta de rochas. No entanto, um planejamento para a exploração é tão necessário
quanto aos diretamente relacionados à hidrosfera (água) e à atmosfera (gases).
Além de estarem relacionados ao meio ambiente como um todo, também possuem uma
dimensão social e econômica.
Segundo
o geólogo Celso Ferraz, ex-diretor do Instituto de Geociências da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp), uma comparação é bastante ilustrativa para indicar
a proporção da litosfera e da atividade direta do homem sobre ela: "Se o planeta
Terra fosse reduzido ao tamanho de uma bola de futebol, a mina mais profunda
já construída seria equivalente a uma pequena rasura no couro da bola, praticamente
imperceptível a olho nu", afirma. No entanto, ele complementa que a relevância
dos recursos minerais no dia-a-dia do ser-humano é incalculável: "Para se ter
uma idéia, dos 105 elementos químicos conhecidos, dos quais a grande maioria
é produzida pela mineração, só um chip de computador tem 60 deles. Os recursos
minerais estão associados a todos os eletrodomésticos, aos meios de transporte,
e à grande maioria dos utensílios que usamos", afirma. Desse modo, estão também
na maioria dos processos extrativos e industriais atuais.
Mas
as consequências dessa atividade não são poucas. Para o biogeógrafo norte-americano
Jared Diamond, os recursos minerais estão associados a três dos doze graves
problemas ambientais com os quais o planeta convive na atualidade (veja resenha
do livro Colapso
de Jared Diamond) : o despejo de produtos químicos no meio ambiente, entre os
quais estão os rejeitos de mineradoras; a dependência de combustíveis
fósseis; e o esgotamento de recursos hídricos.
Com relação aos rejeitos de mineradoras, Celso Ferraz diz que
eles têm um impacto pequeno em relação a outros existentes: "os rejeitos de
mineradoras e de usinas metalúrgicas são, proporcionalmente, bem inferiores
do que os rejeitos de outras indústrias e resíduos urbanos", afirma. O problema
estaria, segundo o geólogo, na mineração ilegal, como no caso do garimpo do
ouro, que lança resíduos de mercúrio no meio ambiente. Outro problema estaria
em um "passivo ambiental", ou seja, uma poluição gerada pela atividade mineradora
de grandes empresas quando inexistia uma legislação reguladora, o que ainda
precisa ser aferido detalhadamente. Atualmente, o problema está sendo administrado,
até porque a legislação obriga: "Uma mineração que se inicia hoje tem que ter
um impacto ambiental negativo 60% a 70% menor que uma mineração que começou
a operar há 20 anos atrás", afirma Ferraz. Casos em que é diagnosticado um "saldo
ambiental negativo elevado", ou seja, que gera danos elevados ao meio ambiente,
só são autorizados mediante medidas mitigadoras e compensatórias que garantam
uma efetiva melhora das condições ambientais.
Mas
uma legislação rígida pode não ser suficiente, segundo um relátório
preparado pelo pesquisador Carlos Eugênio Gomes Farias, no final de 2002, para
o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) e para o Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O documento, considerado uma referência
em termos de dados consolidados sobre o setor, menciona que o perfil do setor
mineral brasileiro é composto por 95% de pequenas e médias minerações. Entre
as pequenas minerações, o cálculo do número de empreendimentos é considerado
"uma empreitada complexa devido ao grande número de empresas que produzem na
informalidade, aliada às paralisações frequentes das atividades, que
distorcem as estatísticas" (p. 3). Desse modo, a superação dos problemas dos
dejetos passa também por um maior controle dessas atividades, cuja parcela significativa
está na informalidade.
Além disso, o relatório também aponta problemas na legislação
que regula a exploração dos recursos minerais: "os mineradores e especialistas
entrevistados apontam que a legislação ambiental é extensa e avançada, porém
conflitante, criando dificuldade para sua aplicação" (p. 20) . Entre os fatores
que comprometem a sua aplicabilidade, estão os conflitos com a legislação mineral,
de 1967; o aumento desnecessário de restrições do Conselho Nacional do Meio
Ambiente (Conama); a carência de estrutura e aparelhamento de determinados órgãos
de fiscalização envolvidos; a atuação conflitante de alguns órgãos municipais,
estaduais e federais; e a atuação do Ministério Público, que tem emitido pareceres
sem embasamento técnico e conflitantes com os órgãos de meio ambiente. Sendo
assim, segundo o relatório, o setor minerador acaba prejudicado: "O grande minerador,
que em geral dispõe de corpo técnico e de recursos financeiros, apesar de alguns
atropelos e atrasos, tem conseguido administrar esses conflitos. Com relação
ao pequeno minerador resta, na maioria dos casos, o descumprimento da legislação"
(p. 21)
No
que diz respeito aos combustíveis fósseis, Celso Ferraz concorda com a gravidade
apontada no livro de Jared Diamond: "O uso de combustíveis fósseis para geração
de eletricidade, como óleo e carvão, é talvez o problema mais sério de poluição
associado aos recursos minerais", diz. Além de pesquisas tecnológicas para reduzir
os efeitos negativos da geração de eletricidade, o pesquisador defende uma solução
controversa: o uso da energia nuclear, hoje responsável por 78% da energia produzida
na França, 31% da Alemanha, 29% do Japão e 19% dos EUA. Quanto à escassez da
água, o geólogo concorda que se trata de um grande problema no mundo atual.
No entanto, o problema reside não apenas na dificuldade para sua obtenção, mas
no acesso reduzido de um grande número de pessoas: "Segundo a Unesco, 1,2 bilhões
de pessoas não têm acesso à agua potável hoje no mundo e 2,4 bilhões não dispõem
de nenhum tipo de serviço de tratamento de água", afirma. Desse modo, a exploração
dos recursos minerais deve levar em conta também o acesso a esses recursos.
No que diz respeito às atividades de extração, o pesquisador
entende que as problemáticas sociais também devem ser consideradas e a legislação
já contempla esses aspectos. Hoje já é possível saber com exatidão quando será
a exaustão de uma mina antes do início da sua exploração. A autorização para
que a mesma ocorra só é dada mediante a apresentação e aprovação de um plano
de aproveitamento que, nas suas últimas etapas, estabelece o que será feito
após o esgotamento do minério. Estas últimas etapas podem, inclusive, se estender
por vários anos.
Tal
exigência se explica pelo fato da atividade mineradora gerar um impacto profundo
nas regiões onde ocorre. Um exemplo recente é o município de Canaã dos Carajás,
que teve sua população aumentanda de aproximadamente 11 mil para mais de 15
mil pessoas em cerca de dois anos (veja notícia sobre Canaã dos Carajás na revista
Patrimônio)
devido à instalação de uma das unidades da mineradora Vale do Rio Doce. Segundo
explica Ferraz, "de maneira simplificada, pode-se dizer que os problemas causados
pelo fechamento de uma mina para a região circunvizinha, devido a sua exaustão,
podem ser comparados ao fechamento de uma grande fábrica, frigorífico ou de
uma grande obra.". Desse modo, cabe ao poder público e à empresa de mineração,
cientes de tal fato, desenvolver um planejamento minimizar os efeitos da redução
da atividade econômica, do desemprego gerado, queda da arrecadação de impostos,
entre outros.
Neste sentido, Celso Ferraz conclui que a resolução de problemas
relacionados à exploração mineral e ao meio ambiente como um todo passa por
uma abordagem sistêmica, levando em consideração a relação entre a atroposfera
(a esfera das atividades humanas), com as outras esferas terrestres, que são
a litosfera (rochas), a hidrosfera (água), a atmosfera (gases) e a biosfera
(vida). Para o geólogo, é necessário equacionar dois graves problemas: o crescimento
demográfico e o crescimento da urbanização, pensando a sustentabilidade da exploração
dos recursos disponíveis.
O
relatório preparado por Carlos Eugênio Gomes Farias também vai ao encontro dessas
preocupações e do paradigma da sustentabilidade, pensando a especificidade da
atividade mineradora e suas contribuições para o desenvolvimento do país. Ele
reproduz uma entrevista dada pelo engenheiro Gildo Sá em 2002, então diretor
do Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), órgão ligado ao Ministério da Ciência
e da Tecnologia (MCT): "quanto à relação entre mineração e meio ambiente, julgo
imprescindível um permanente entrosamento entre o órgão normalizador da mineração
e os órgãos ambientais fiscalizadores. A mineração, diferente de outras atividades
industriais, possui rigidez locacional. Só é possível minerar onde existe minério.
Esta assertiva, apesar de óbvia, sempre gera polêmicas entre mineradores e ambientalistas.
A solução da questão passa por estudos que contemplem os benefícios e problemas
gerados pela mineração (...)" (p.12)
(DC)
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