Petróleo
e seus efeitos no meio ambiente
Na década de 1970, técnicos da Petrobras
procuravam reservas de petróleo na bacia do Rio Jandiatuba,
região do Alto Amazonas, onde viviam grupos indígenas
ainda não contatados. Houve confrontos com os índios que,
empunhando arco e flecha, saíram em defesa de sua terra. Os
funcionários da Petrobras, por sua vez, responderam jogando
dinamite, usada originalmente para fazer pesquisas. Esse é o
exemplo de um dos impactos, talvez dos menos conhecidos, que a
exploração do petróleo pode provocar.
Os mais freqüentes e evidentes são os vazamentos
de óleo. No Brasil, o último derramamento de grandes
proporções ocorreu em 2000, no Rio de Janeiro, quando
foram lançados 1,3 milhões de litros de óleo cru
na águas da Baia de Guanabara. Riscos são inerentes a
todas as atividades relacionadas ao petróleo, do poço ao
posto.
Em 1968, a Petrobras começou a
exploração de petróleo em águas marinhas.
Hoje, essa modalidade representa 84% da produção
nacional. Engana-se, porém, quem acredita que os derramamentos
são a única fonte de riscos e impactos negativos advindos
da exploração e produção de petróleo
no mar. Após 45 dias, um poço perfurado já
representa uma fase de impactos agudos sobre a fauna e flora.
"São descartados fluidos de perfuração, cascalhos
saturados de diferentes substâncias e compostos tóxicos,
incluindo metais pesados como mercúrio, cádmio, zinco e
cobre", explica Guilherme Dutra, da ONG Conservation International
Brasil. Na fase do refino, existe o problema do descarte de efluentes
líquidos, a emissão de gases e vapores tóxicos
para a atmosfera, além dos resíduos sólidos,
normalmente armazenados em aterros industriais.
Já os impactos produzidos pelo derramamento de
óleo na água são mais visíveis.
Especialistas em poluição enfatizam que os acidentes
deixam marcas por vinte anos ou mais e que a recuperação
é sempre muito longa e difícil, mesmo com ajuda humana. O
contato com o petróleo cru causa efeitos gravíssimos
principalmente em plantas e animais. O óleo recobre as penas e o
pelo dos animais, sufoca os peixes, mata o plâncton e os pequenos
crustáceos, algas e plantas na orla marítima. Nos
mangues, o petróleo mata as plantas ao recobrir suas
raízes, impedindo sua nutrição. Além disso,
a baixa velocidade das águas e o emaranhado vegetal nesses
locais dificulta a limpeza. O petróleo, embora seja um produto
natural, originário da transformação de materiais
orgânicos, existe apenas em grandes profundidades, entrando muito
pouco em contato com o ambiente terrestre, fluvial ou marítimo.
É insolúvel em água e tem uma mistura corrosiva
venenosa com efeitos difíceis de combater.
A região da costa do Alasca, por exemplo, continua a
apresentar até hoje problemas resultantes dos resíduos do
óleo derramado pelo petroleiro Exxon Valdez, mesmo após
15 anos do acidente. Em 1989, o navio liberou 42 milhões de
litros de óleo no mar contaminando uma extensão de 1900
quilômetros. Técnicos do Greenpeace acreditam que a
recuperação da área ainda está longe de ser
alcançada. A empresa Exxon, que comercializa produtos da marca
Esso, foi multada em US$ 5 bilhões pelos danos ambientais
causados, mas entrou na justiça recorrerendo da decisão.
Mais segurança e pesquisas para amenizar danos
Depois do acidente na Baía de Guanabara, em 2000, a Petrobras
iniciou a implementação do Programa de Excelência
em Gestão Ambiental e Segurança Operacional -
Pégaso. O objetivo é criar padrões internacionais
de segurança e proteção ambiental na empresa.
Foram instalados nove centros de defesa ambiental no país.
Segundo o departamento de Segurança, Meio Ambiente e
Saúde da Petrobrás, esses centros funcionam como uma
espécie de corpo de bombeiros contra vazamentos de óleo,
com profissionais de prontidão 24 horas, barcos, balsas,
recolhedores e milhares de metros de barreiras de
absorção e contenção de óleo.
Além disso, a Petrobras mantém uma
embarcação na Baía de Guanabara, no litoral de
Sergipe e no canal de São Sebastião, em São Paulo,
especializada no controle de vazamentos. Todas as unidades da companhia
no Brasil tem Certificado ISO 14001, que exige a
manutenção de sistemas de monitoramento do impacto de
suas atividades.
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Fonte:
Departamento de Segurança e Meio Ambiente da Petrobras |
Enquanto isso, no Parque de Desenvolvimento
Tecnológico da Universidade Federal do Ceará, Padetec,
começam as primeiras simulações de campo do uso da
quitosana na remoção de óleo do mar. O objetivo
é desenvolver um produto baseado em uma bactéria
imobilizada em quitosana que biodegrade o óleo. A quitosana
é um derivado de quitina, biopolímero encontrado em
invertebrados marinhos, insetos, fungos e leveduras. No processo
químico de absorção de óleos, a quitosana
envolve as gotas de óleo ou gordura, aprisionando-as. "Nos
últimos ensaios realizados de simulação de
vazamento o percentual de remoção de petróleo foi
calculado em 92%. É provável que com a
utilização do processo possamos reduzir
significativamente os níveis de contaminação em um
tempo muito menor que a biodegradação natural", acredita
o professor Afrânio Craveiro, que coordena os estudos sobre os
polímeros naturais no Padetec. A utilização de
microorganismos nativos da biota é uma alternativa para a
diminuição do tempo de recuperação e para
amenizar os danos. Muitas vezes os métodos utilizados para
remoção do petróleo, como água quente,
vapor e solventes, são tão danosos quanto o óleo.
Clareiras na Amazônia
O Brasil já ocupa o segundo lugar entre os maiores consumidores
de gás natural, com mais de 920 mil veículos adaptados
para utilizá-lo. O GNV apresenta bom rendimento econômico
e sua combustão é limpa, razão pela qual ele
dispensa tratamento dos produtos lançados na atmosfera. Outra
vantagem é que motores movidos a gás apresentam menor
índice de desgaste das peças. Para ampliar o fornecimento
do gás natural no Brasil, a Petrobrás está
investindo no potencial das reservas deste combustível em plena
selva amazônica. O maior obstáculo para a
exploração destes recursos na selva são os
ambientais, já que o escoamento das reservas impõe a
construção de milhares de quilômetros de gasodutos
rasgando a floresta. O gasoduto fica enterrado a uma profundidade de no
mínimo um metro. Seu tempo de vida útil é de 20
anos. As críticas apontam para o risco de
contaminação da água e do solo e a
alteração da vida das populações
indígenas e ribeirinhas. A construção dos
gasodutos demanda a abertura de estradas e de uma faixa de vinte metros
de largura para colocação dos tubos. Muitas
operações tem que ser feitas de helicóptero,
abrindo clareiras na floresta para pousos e decolagens. O desmatamento,
por sua vez, implica no desaparecimento de espécies e
degradação do solo.
Na primeira fase de exploração dos recursos
minerais da Amazônia a solução encontrada para os
problemas de escoamento da produção tinham menor impacto
na região. Quando a produção de petróleo
atingiu os três mil barris diários foi construído
um pequeno oleoduto de Urucu até o Rio Tefé. De
lá, o óleo seguia em em barcaças até o Rio
Solimões onde a Petrobras construiu um terminal com uma grande
embarcação chamada de "navio-cisterna" para
armazenamento. Outros navios então buscavam o óleo para
levá-lo para a Refinaria de Manaus (Reman). "Quando você
abre um estrada ou uma clareira longa no meio da mata, especuladores
começam a ocupar as laterais. É um processo
inevitável sob o qual não se tem controle e que detona
ainda mais o processo de desmatamento", explica o professor titular do
departamento de geografia da USP Aziz Nacib Ab'Saber. Na sua
opinião, para solucionar a complicada logística para o
transporte, em hipótese alguma deveriam ser estabelecidos os
dutos de longa distância, já que esta estratégia
seria o caminho para uma expansão fundiária
previsível. "Melhor seria usar um ponto na estrada Porto Velho-
Amazonas e fazer uma instalação com reservatórios
grandes para o óleo e o gás extraídos de Coari.
Destes reservatórios eles seguiriam para Manaus, Roraima e Acre,
sem precisar abrir outras estradas", sugere Ab' Saber.
A pequena cidade de Coari, a 600 quilômetros de Manaus,
já dá sinais de mudanças depois do início
da exploração do petróleo e do gás natural
pela Petrobras. Como a cidade passou a receber muito dinheiro com os
royalties da exploração, começou também a
atrair outras populações, tanto das redondezas como de
outras regiões, em busca de emprego. O novo perfil trouxe
problemas como aumento da prostituição e da
violência, por exemplo. A população ribeirinha
também sente o afastamento dos peixes devido à
movimentação das embarcações no terminal
construído pela Petrobras no Rio Solimões. A jazida de
Coari foi descoberta em 1986. Estima-se que tenha 50 bilhões de
metros cúbicos de gás natural ou 10% das reservas
nacionais. Urucu tem ainda 100 milhões de barris de óleo
de boa qualidade.
Para
recuperar as áreas desmatadas pela exploração do
gás foi criada a rede Clareiras na Amazônia:
avaliação, prevenção e
recuperação
dos danos causados em áreas de prospecção e
transporte de gás natural e petróleo na Amazônia
Brasileira, projeto coordenado pelo Instituto Nacional de
Pesquisas na Amazônia (Inpa). Composta por nove
instituições
de ensino superior, a Rede desenvolve tecnologias para recuperar
áreas abertas na floresta. Segundo o coordenador da Rede, Luiz
Antonio de Oliveira, cerca de 300 hectares foram desmatados até
agora. Destes, menos de 30 ainda estão em fase inicial de
recuperação. Antes dos desmatamentos é feita
caracterização da flora e da fauna das regiões.
"Esse
trabalho tem permitido catalogar novos insetos, pássaros e
plantas já que o local é de mata virgem e controlado
pela Petrobras, que proíbe a caça e a pesca", conta
Oliveira. O trabalho teve início em 2003. Já
foram investidos R$ 1,5 milhão financiados pela Finep
(Financiadora e Estudos e Projetos), órgão do
Ministério da Ciência e Tecnologia, através do
Fundo Setorial do Petróleo. A Petrobras também
mantém
um viveiro com mudas de plantas para recobrir as áreas o mais
rapidamente possível
já que a abertura de
clareiras na floresta retira a vegetação e a camada
superficial do solo, expondo-o à chuva e ao sol, o que pode
provocar a erosão. Através de sensoriamento remoto
é
possível acompanhar o estágio de reflorestamento das
clareiras. A equipe do projeto faz visitas diárias às
clareiras e jazidas. "Sabemos que uma clareira está
efetivamente recuperada quando a vegetação cobre toda a
área e há a formação de matéria
orgânica sobre a superfície do solo", explica o
coordenador.
Hidrogênio: forte candidato para substituir o
petróleo
Considerado o melhor candidato para substituir os combustíveis
fósseis em veículos automotores, o hidrogênio
é abundante no planeta e sua combustão só gera
água pura. Pode ser produzido a partir de diversas fontes:
álcool, biogás, água, gás natural,
biodiesel. Ainda é um combustível mais caro do que o
petróleo, mas está sendo considerado a
solução dos problemas ambientais associados aos
combustíveis fósseis, principalmente quanto às
emissões de dióxido de carbono, o CO2. A partir de 1999,
o Ministério da Ciência e Tecnologia passou a avaliar a
reforma de etanol como alternativa para produção de
hidrogênio para abastecer o mercado interno e a América
Latina. Em 2001, foi criado o Centro Nacional de Referência em
Energia do Hidrogênio (Ceneh) e, em seguida, o Programa
Brasileiro de Sistemas de Célula a Combustível (Procac).
No Segundo Encontro sobre Célula a Combustível, realizado
no mês de outubro no Ipen, em São Paulo, Adriano Duarte
Filho, coordenador adjunto do Procac, afirmou que o objetivo do
programa é tornar o país um produtor internacionalmente
competitivo nessa área.
A tecnologia das células a combustível converte
a energia química do hidrogênio em eletricidade e tem como
resíduo a água. Um carro com célula a
combustível e abastecido com hidrogênio praticamente
não vaza óleo, não emite ruído e poluentes,
além de ser entre duas e três vezes mais eficiente que um
carro com motor a combustão. Na opinião do professor e
físico Ennio Peres da Silva, representante da Unicamp no Ceneh,
no início da próxima década já
estarão nas ruas alguns veículos comerciais. Hoje eles
já existem, mas são fornecidos apenas em
condições especiais. Frotas de veículos só
a partir de 2020. "Isso vai depender de muitos fatores, como o
agravamento das questões ambientais associadas ao efeito estufa,
lideranças políticas, influências de grupos
econômicos etc.", completa ele. O gás natural, mesmo com
os melhores sistemas de redução de emissões, ainda
emite o CO2. Com o hidrogênio a emissão é
praticamente nula, desde que ele seja obtido de fontes
renováveis de energia, segundo Silva. Do ponto de vista de
segurança, ele tem o mesmo nível de periculosidade do
gás natural. "Hoje em dia as normas de segurança para o
manuseio de combustíveis são muito rigorosas e,
atendendo-se essas normas, não deve haver maiores problemas com
o uso do hidrogênio", acredita o físico.
Enquanto tecnologias seguras para a exploração
de petróleo não são disponibilizadas, a
solução para os inúmeros problemas derivados dessa
atividade pode ser a exclusão de áreas mais
sensíveis. A região de Abrolhos na Bahia conseguiu ser
poupada da exploração. O Banco de Abrolhos é uma
área rasa com cerca de 56 mil quilômetros quadrados, ao
largo da costa sul da Bahia. É a região com maior
biodiversidade no Atlântico Sul onde, por exemplo, ocorre a
reprodução de baleias jubarte no Atlântico.
Abrolhos tinha sido incluída nas rodadas de
licitações para exploração de
petróleo marinho da Agência Nacional de Petróleo,
ANP. A ONG Conservation International Brasil liderou um estudo com
outras instituições para avaliar os impactos da
exploração e produção de petróleo no
Banco de Abrolhos e adjacências. Do estudo resultou um banco de
dados com registros de tartarugas, cetáceos, peixes, plantas,
corais, além de informações sobre o uso
turístico e pesqueiro da região que foi confrontado com
os impactos potenciais e efetivos das operações com
petróleo. "A versão final do documento gerou um processo
de discussão que resultou na exclusão de 162 blocos dos
processo de licitação pelo governo brasileiro. Outros 81
blocos foram excluídos por medida cautelar pela justiça
federal", conta Guilherme Dutra, biólogo e diretor do programa
marinho da CI-Brasil. Ele defende a exclusão de áreas
mais sensíveis do foco da exploração de
petróleo. "As complexas implicações
ecológicas, sociais e econômicas da
exploração de óleo e gás natural em
áreas de recifes de corais ainda necessita de maior
atenção por parte dos governos, ambientalistas, da
academia e do setor privado", completa.
(PM)
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