As mulheres no Software Livre
Sulamita Garcia
Uma das mais freqüentes perguntas que ouço, até mesmo de muitas mulheres que trabalham com Linux é "porque existem tão poucas mulheres trabalhando com Linux?". Realmente, não podemos negar que é uma realidade. Embora eu saiba que existem muitas, elas ficam quietinhas nas listas, só ouvindo. Mas mesmo assim somos minoria. Por quê?
Algumas pessoas acreditam que mulheres têm uma predisposição genética para não gostarem de computador. Isso é reforçado pelas mães, secretárias, namoradas que repetem, com orgulho, que não entendem nada e odeiam computadores. Digamos que é, no mínimo, uma amostragem inválida, pois meu professor de inglês também diz que odeia computadores. E se existem mulheres que não apenas gostam, mas são assumidamente viciadas em computadores, deve existir algo além disso.
Neste artigo, vamos tentar mostrar alguns fatos a respeito disso. Também veremos o que é software livre e como isto pode ajudar a trazer mais igualdade também na área.
Outras realidades
O governo da Malásia, num projeto para alavancar a economia, teve uma iniciativa simples, porém brilhante: introduziu o ensino de informática nas escolas federais. Não apenas cursinhos de editoração de textos, mas de lógica, programação, noções de hardware. Isso gerou uma reação em cadeia, com escolas particulares seguindo a tendência, cursos técnicos e faculdades. Um dos resultados observados, após alguns anos, foi o equilíbrio entre o número de mulheres e homens na área e em todas as sub-áreas - programação, análise, suporte, gerência. Hoje, a Malásia enfrenta a situação inversa: existem mais mulheres do que homens na informática.
O que tiramos desse exemplo? Que se mulheres tivessem alguma predisposição genética contra computadores a apresentação da área de informática para elas não alteraria o comportamento. Porém, quando desde cedo as pessoas têm igualdade de oportunidades, o comportamento tende a se equilibrar. No nosso país, até 1962, perante a lei uma mulher só poderia trabalhar fora se tivesse autorização por escrito do marido ou do pai. Se levarmos em conta o aumento do número de mulheres no mercado de trabalho, de lá para cá, veremos que foi um enorme avanço. Porém, essas mesmas mulheres, na maioria, não tinham incentivo para estudarem e se especializarem, o que é essencial para qualquer área profissional. Muito pelo contrário, as gerações anteriores foram educadas para apenas cuidarem da casa e dos filhos, como empregadas não remuneradas. Ao mesmo tempo em que respeitamos a decisão de quem escolhe ter esse papel, o que não pode acontecer é a imposição e o condicionamento das mulheres para seguirem esse papel.
O papel da sociedade
O exemplo da Malásia mostra o quanto a educação condiciona as pessoas para o trabalho: o que foi apresentado logo cedo como um trabalho natural para ambos os sexos teve uma resposta positiva dos dois gêneros. Porém, a sociedade brasileira insiste em apresentar trabalhos de homem e trabalhos de mulher, limitando o próprio crescimento.
Mulheres não são minoria na área por não gostarem de computador, pois não se pode dizer conscientemente que não se gosta de algo que não se conhece. O que defendo - e meu grupo, as LinuxChix - é que computadores sejam apresentados às meninas da mesma forma como são apresentados aos meninos, e não como se eles tivessem um interesse natural por computadores. As mães precisam parar de educar suas meninas para serem empregadas do lar. Defendemos a igualdade, deixar o computador na sala e não no quarto do menino. Não tem nada de bonito em se afirmar completamente ignorante numa atividade que é uma necessidade de mercado, e que certamente será necessária para competir por um trabalho.
O que é software livre?
Agora que já passamos da parte de evangelização, que serve não apenas para a área de informática, mas para todas as outras profissões, vamos falar do que gostamos, software livre. O que é software livre? O que é Linux?
Todo computador precisa de um sistema, programas que o façam funcionar. A parte que controla o hardware, a parte física do computador, é o sistema operacional, é o kernel. Na verdade, o usuário final dificilmente vai entrar em contato com ele. Este é o Linux. Ele fala apenas com o hardware, seu disquete, seu cd-rom, sua placa de rede e com uma série de pequenos programas intermediários. Quando você utiliza um correio eletrônico, um navegador, um tocador de músicas, esses programas falam com estas ferramentas, que repassam para o kernel o que você está querendo fazer. Essas ferramentas são o conjunto GNU, então o correto é utilizar o termo GNU/Linux quando vamos falar da parte mais essencial do computador, que é a base de tudo.
E o que é software livre? Há algum tempo, quando computadores eram artigos de luxo, o hardware era muito, muito caro. Porém, com o tempo o custo foi baixando. A forma natural de todos os programadores aprenderem era a troca de informações. O que um descobria, passava aos outros, então todos aprendiam e, com base no que tinham aprendido em conjunto, continuavam a evoluir. Porém algumas pessoas começaram a achar que poderiam ganhar dinheiro com isso. Então tudo mudou...
Para entendermos o software livre, precisamos saber o que é software proprietário. Software proprietário é um software onde alguém lhe vende o direito de usar o que ele fez. Você não pode saber como ele fez, não pode mudar, mesmo que seja para melhorar. Não há como saber se ele está fazendo apenas o que deveria, nem de você ganhar conhecimento com ele.
Por outro lado, quando o software é livre, você tem todas essas liberdades e mais algumas. Você pode olhar como foi feito, para aprender como se resolve o problema que você tinha. Você pode melhorar, ou simplesmente adaptar, modificar, acrescentar, tirar. É livre. Você pode escolher estudar uma linguagem e se tornar programador. Você pode escolher estudar vídeo e imagem, e trabalhar na área. Você pode decidir auxiliar alguém que está fazendo um projeto muito legal que você adorou, e assim ganhar experiência. Mas, mais que isto, você está ganhando conhecimento, e isso não se perde.
O que as mulheres andam aprontando no software livre?
Em 1999, Deb Richardson fundou o LinuxChix, uma comunidade que pretendia ser mais amigável que a maioria dos grupos já existentes, famosos pela intolerância com novatos. Dois anos mais tarde, ela passou a coordenação do grupo para Jenn Vesperman. Hoje em dia, o LinuxChix Internacional tem dezenas de listas de discussão, cursos online, documentação publicada em um site bastante visitado, aumentou muito o número de participantes e se tornou uma bem sucedida comunidade internacional, totalmente mantida por voluntários.
Em 2001, Fabiana Flores criou a lista LinuxChix Brasil, com um site onde contava os objetivos do grupo. Nesse ano, também o Fórum Internacional de Software Livre, em Porto Alegre, contou com a presença de representantes do LinuxChix Internacional, o que motivou um grupo de gaúchas a se empenharem pela causa do software livre. As Gnurias começaram então trabalhos envolvidos na área social e, desde então, têm desenvolvido continuamente cursos baseados em software livre para crianças, adolescentes e pessoa da terceira idade. Diversas oficinas sobre Gimp, Linux, OpenOffice. As Gnurias acreditam na "mulher participando da construção de um mundo mais livre".
Atualmente, em 2004, a lista das LinuxChix tem mais de 250 participantes, entre homens e mulheres. Este ano o II Encontro Nacional LinuxChix Brasil contou com cerca de 300 participantes, que assistiram 2 dias de palestras exclusivamente técnicas. Nossa lista de discussão e a documentação publicada no site servem de referência e guia para diversos assuntos, desde configuração de desktop à resolução de problemas de conectividade e segurança. Por termos um perfil mais técnico, essa é nossa forma de contribuir para o progresso do software livre. Como eu disse a um amigo, "uns escrevem o código, outros documentam, outros testam, sugerem, divulgam, fazem palestras, eventos, e assim o Linux vai crescendo". Logo pretendemos oferecer mais opções à comunidade, aguardem. Gostaríamos muito de oferecer oficinas e treinamento para projetos sociais. Quem puder nos ajudar, entre em contato!
Sulamita Garcia é consultora em sistemas Unix, trabalha desde 1999 com Linux e, desde 2001, com Slackware, uma de suas paixões. Atualmente é projetista de software na Cyclades Corporation e integra a LinuxChix Brasil.
Links
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Gnurias
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