Número de usuário doméstico do GNU/Linux tende a crescer
Para
a maioria das pessoas, ainda "predomina a imagem de que o Linux
é um sistema difícil de se trabalhar, mais voltado
para estudantes e aficionados". A constatação
é de Ronaldo Barbosa, doutorando da Unicamp e sócio
da RCT, uma empresa de desenvolvimento em softwares educacionais.
No entanto, há indícios de que uma mudança
pode estar em início. Além das notícias que
a mídia tem publicado sobre o investimento significativo
de grandes empresas no novo sistema, especialistas garantem que
as melhorias técnicas necessárias para atingir o usuário
comum já foram feitas. E esse processo parece já estar
gerando uma perspectiva inovadora: segundo a empresa norte-americana
de pesquisa e mercado internacional Data Corp., o Linux terá
6% do mercado global de computadores de mesa (desktops) até
2007, um crescimento bastante significativo em relação
aos 2,7% correspondentes ao ano de 2002.
Barbosa justifica sua afirmação baseando-se na realidade encontrada junto aos usuários de softwares educacionais. Ele afirma que tanto alunos, como professores preferem trabalhar com ambientes com os quais já estão familiarizados, visando a praticidade. Um outro preceito reforça a opção pela pesquisa e desenvolvimento de softwares educacionais a partir do Windows: "prevalece a visão de que deve ser abordado na escola algo a ser aproveitado no dia-a-dia. Como não se usa Linux em casa ou no trabalho, não haveria motivos para utilizá-lo na escola.", observa o pesquisador.
No
entanto, algumas barreiras já parecem estar sendo rompidas.
Segundo uma pesquisa da revista Info Exame, em 2003, 64% das cem
maiores empresas brasileiras que investem em tecnologia da informação,
investiram em Linux. Isso representa 12% a mais em relação
ao ano anterior. Para Cesar Brod, da Cooperativa de Desenvolvimento
de Software Livre Solis, esse crescimento se deve ao fato de que
as empresas perceberam a vantagem econômica do sistema Linux
em longo prazo. Ele menciona que, embora hoje o custo inicial para
instalar um servidor com software livre seja semelhante ao software
proprietário, "no máximo em três anos o
custo inicial é compensado, pois o usuário não
tem que gastar mais nada com a renovação de uma licença
do fabricante". Ele ainda acrescenta que esse período
de carência pode ser minimizado se considerarmos que o Linux
pode ser adaptado a hardwares considerados obsoletos para os softwares
proprietários mais recentes. Brod ainda cita que o poderio
da Microsoft, que hoje monopoliza o mercado de desktops,
também está ancorado em uma grande estratégia
de marketing na qual gastaria mais do que em pesquisa e desenvolvimento,
e cujo objetivo é garantir sua hegemonia junto ao usuário
comum.
Entretanto,
se os softwares livres não possuem uma estrutura de marketing
para fazer frente à Microsoft, as barreiras técnicas,
que dificultavam o acesso ao usuário doméstico, já
foram superadas. O analista de sistemas Geison Tel, da Rede Nacional
de Pesquisa (RNP), afirma que hoje o software livre está
bastante simplificado, em condições de suprir todas
as necessidades do usuário com pouca experiência em
informática. Para o pesquisador, existem apenas algumas diferenças
que são inerentes ao próprio sistema operacional,
já que se trata de programas diferentes: "Nunca vai
ser igual ao Windows, mas dificuldades técnicas não
existem mais. É mais uma questão de superação
de barreiras culturais e preconceitos", afirma. No entanto,
o pesquisador, que também trabalha com ensino de informática
e software livre junto à população carente
na ONG Núcleo de Ação Social (NAS), menciona
que essas melhorias são relativamente recentes: "Trabalho
com Linux desde que se tornou uma alternativa viável para
desktop, por volta de 1998. Em 2000 tivemos um 'boom'
na disponibilização de ambientes gráficos bem
mais simplificados e adaptados ao usuário doméstico".
Ou seja, a "cara final" do computador e as operações
básicas passaram a ser bem mais fáceis de serem realizadas
há cerca de quatro anos.
Tel
também destaca que foi nesse período que o KDE se
firmou como uma grande alternativa para uma transição
de outros sistemas operacionais para o Linux, devido à sua
simplicidade: "O KDE possui um sistema de gerenciamento de
arquivos integrado e janelas que permitem ao usuário realizar
operações semelhantes aos sistemas Windows e Mac Os,
como clicar e arrastar ícones", completa. Entretanto,
ele menciona que existem outras opções, como o Gnome
e o WindowMaker, que também podem ser usadas, de acordo com
a preferência do usuário. KDE, Gnome e WindowMaker
são interfaces gráficas, o ambiente em que usuário
insere seus comandos para o computador. Uma das diferenças
do Linux é que ele pode ter várias interfaces instaladas
em um mesmo computador e sem deixar de ser Linux. Na hora de usar,
o usuário escolhe qual delas prefere.
Para
o matemático da Universidade de São Paulo (USP) Imre
Simon, a escolha por alguns modelos de programas que utilizam o
sistema operacional GNU/Linux é algo que ainda não
está consolidado: "Um 'gargalo' que dificulta a popularização
do sistema é o fato de que o Linux é geral demais
e, em conseqüência disso, envolve uma quantidade enorme
de escolhas, opções e configurações
por parte do administrador do sistema", afirma. Segundo o pesquisador,
que foi presidente da Comissão Central de Informática
da USP e coordena um projeto para aperfeiçoamento de uma
Incubadora Virtual de Conteúdos para a Fapesp, a penetração
maciça do Linux no mercado de desktop (o popular
"computador doméstico") implica que as empresas
ou cooperativas de voluntários façam escolhas, opções
e configurações pelo usuário, de forma que
o resultado seja algo muito atrativo.
Porém,
Simon menciona que esse processo já está em curso
e existem boas opções para o usuário comum.
Um exemplo concreto é o Kurumin, uma distribuição
de Linux feita no Brasil, totalmente em português. Geison
Tel também concorda com a contribuição Kurumim
para a popularização do Linux: "O Kurumim permite
que você instale o programa, direto do CD, e ele automaticamente
configura todos os dispositivos do seu computador". Segundo
ele, o programa "acabou com aquela história de instalar
o Linux e precisar fazer configurações para fazer
funcionar o modem, a rede etc", completa.
Geison
Tel também realça que o Kurumim foi resultado de um
processo iniciado principalmente pela empresa norte-americana Red
Hat, que desenvolveu uma grande quantidade de ferramentas disponíveis
ao usuário, assim como outras distribuições
como o SUSe ou Mandrake. No trabalho desenvolvido na ONG Núcleo
de Ação Social (NAS), Tel optou por trabalhar com
a distribuição Conectiva, que
ele entende ser a mais adequada e rápida instalação
e configuração em micros para pessoas que nunca tiveram
contato com computador aprenderem, basicamente, a trabalhar com
uma interface gráfica e internet.
Como
no software livre ninguém pode proibir ou direcionar as alterações
nos programas, existe uma grande diversidade de "sabores"
para o sistema. Empresas como a RedHat, a Mandrake, a Suse ou a
brasileira Conectiva montam pacotes que contam com certos aplicativos
configurados para funcionarem, em conjunto, em cima de uma base
Linux. Esses pacotes são chamados distribuições.
Debian e Kurumin são ainda outras distribuições,
mas montadas por pessoas físicas, pela comunidade e não
por empresas. Existem distribuições que são
criadas com fins específicos como a Sacix, desenvolvida para
funcionar nos Telecentros do município de São Paulo.
Para Fernanda Freire, do Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp (Nied), a mudança no perfil do usuário já começou, mas ainda existem alguns obstáculos importantes a serem vencidos. Ela afirma que as resistências às mudanças de hábito sempre acontecem, mesmo dentro da universidade. A pesquisadora compara a transição para o software livre com a que ocorreu, em meados da década de 80, quando surgiram os computadores de mesa. Embora ressalte que, na época, a inserção e o uso de novos softwares tenha chegado junto com uma grande mudança na estrutura de hardware, a praticidade dos novos programas também foi questionada em nome do hábito que as pessoas tinham: "Usávamos um editor de texto da Itautec, completamente diferente, que utilizava um grande número de teclas de atalho e um menu textual. A migração para o Windows também foi muito difícil para todo mundo".
No entanto, ela também reforça que os recursos técnicos para facilitar o uso pelo usuário comum já estão, em grande parte, desenvolvidos: "É como se usássemos um carro antigo e tivéssemos que mudar para um modelo novo. A gente apanha no começo, mas depois passa a gostar da mudança", afirma. Outro aspecto que justifica o uso de software livre nas pesquisas do núcleo é o fato de ser imprescindível para atingir um público amplo, desde a escola pública até a universidade, que não teria acesso a ferramentas educacionais prontas, fechadas e caras, além de impossíveis de serem adequadas a demandas específicas de cada público.
Quanto
à estimativa de tempo para uma popularização
maior do software livre junto ao usuário comum, os pesquisadores
acham difícil fixar um número aproximado de anos.
Porém, Imre Simon afirma que o usuário doméstico
provavelmente será o último filão a ser abarcado
pelo Linux: "O usuário doméstico, em larga escala,
é um objetivo formidável, pois ele é, em geral,
ignorante sobre aspectos técnicos de computação
e quer permanecer assim. Então, é natural que seja
uma das últimas etapas da eventual escalada do software livre",
completa.
(DC)
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