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Software livre garante mercado de trabalho

O mercado de trabalho relacionado ao software livre abrange atividades que vão desde o desenvolvimento do software propriamente dito até a prestação de serviços de consultoria, treinamento, documentação e suporte. O modelo empregado pelas empresas que trabalham exclusivamente com software livre se contrapõe àquele empregado em empresas de softwares proprietários: o foco passa a ser o relacionamento com o cliente, ao invés do produto em si. Além disso, surge também uma nova ética no trabalho, em que as relações passam a funcionar de modo cooperativo e a permitir uma interação maior entre a evolução da idéia, os desenvolvedores e os usuários, pois o produto é aberto para quem quiser ver, contribuir e usar.

O lucro das empresas está na captação, no suporte e na personalização do produto para uma necessidade específica do cliente. Já existem algumas empresas que trabalham exclusivamente com software livre. Este é o caso da Conectiva, Red Hat, Novell, Mandrake, LPI (Linux Professional Institute), entre outras. Segundo Arnaldo Carvalho de Melo, um dos fundadores da Conectiva, a empresa iniciou suas atividades em 1995, como iniciativa de um grupo de ex-funcionários do Banco do Brasil: "Nós começamos com a implantação de provedores de internet que, na época, eram uma grande oportunidade de negócios. Depois, tivemos a idéia de fazer modificações no Linux para adequá-lo ao Brasil. Começamos a fazer a inclusão de traduções, acentuação para o português, teclado brasileiro, manual em português etc."

Dessas atividades surgiram outras. Segundo Carvalho de Melo, a Licença GPL permite uma gama de atividades que podem gerar receitas para a empresa. Hoje a Conectiva oferece serviços de suporte, manutenção, treinamento, implantação de sistemas, adaptação de softwares e, além disso, credenciamento de empresas para que possam também fornecer treinamento ("uma espécie de certificação"). Dentre os clientes, estão Lojas Renner, Casas Bahia, Marabrás, Banrisul, entre outros.

Além das empresas de software livre, há outra modalidade de prestação de serviços que segue o modelo de cooperativa. A Solis é um exemplo desta modalidade. É uma cooperativa de serviços formada no início de 2003, com o apoio da Univates (Centro Universitário, localizado no município de Lajeado, na região do Vale do Taqüari - RS,). A Solis é constituída de um grupo de alunos, professores e ex-funcionários da Univates. As atividades praticadas na cooperativa visam a implementação e o desenvolvimento de soluções tecnológicas livres para os mais variados setores da academia, indústria, comércio e serviços. De acordo com Cesar Brod (leia artigo), um dos responsáveis pela Solis, o modelo de produção em cooperativa é muito similar ao modelo de produção do software livre: cada um deve contribuir com o grupo de trabalho para a melhoria da qualidade de vida de todos. "O ganho financeiro acaba sendo um efeito colateral muito bom", conclui Brod.

Desenvolvedores voluntários
Por outro lado, muitos dos desenvolvedores que trabalham com software livre são voluntários e não recebem pelo que fazem. Um exemplo é o de Felipe Damasio, um dos programadores que mais contribuem para o projeto Linux-kernel no Brasil, mas que continua trabalhando em uma empresa de software proprietário. Ele diz que apesar do mercado estar crescendo, ainda falta uma cultura nas empresas para contratação e sustentação de profissionais que trabalham nessa nova área de conhecimento.

No site há links sobre sete modelos de negócios apontados no IT Managers Journal (Jornal dos Gerentes de TI - Tecnologia da Informação) que incluem: otimização, licença dual, consultoria, assinaturas, sistemas embarcados, sistemas hospedados e adoção/patrocínio.

O analista de sistemas responsável pelo website de notícias BR-Linux, Augusto Campos, é uma das pessoas que têm buscado profissionais que trabalhem com software livre, e até mesmo para desenvolvedores. Ele acredita que os desenvolvedores podem recorrer a diversas estratégias que oferecem vantagens competitivas baseadas em software livre. As possibilidades vão desde a venda de versões otimizadas de softwares para clientes até o envolvimento na produção de software embarcado (programa de computador que vem junto com a máquina), comercializando os hardwares nos quais o sistema está embutido.

O Kernel do Linux é um projeto muito grande, no qual milhares de desenvolvedores participam ou gostariam de participar. "Não dá pra todo mundo conhecer a fundo o código todo e dizer o que entra e o que não entra" diz Alexandre Oliva, um dos mantenedores do GNU no Brasil. É impossível o Linus Torvalds (o pai do Linux) avaliar com absoluto cuidado todas as contribuições disponíveis, então ele delega determinadas bases de códigos para outras pessoas ou grupos, que indicarão para ele o que é bom ou não. "Se não fosse assim, o negócio não evoluiria tão rapidamente quanto poderia", argumenta Oliva.

Além de ser um dos fundadores da Conectiva, Arnaldo Melo é também mantenedor do Linux no Brasil. Isso significa "ser responsável por resolver problemas de uma área específica, além de validar modificações feitas por outros desenvolvedores para essa área", explica. A alteração no código-fonte segue uma hierarquia: "por exemplo, eu sou responsável pelos protocolos de rede IPX, LLC e Appletalk, mas estou subordinado ao David S. Miller, desenvolvedor da Red Hat que é o "arquiteto" de rede do Linux que, por sua vez, se subordina ao Linus Torvalds, que é o arquiteto geral do kernel Linux. Assim, quando um desenvolvedor envia uma boa sugestão de modificação para uma área que eu esteja mantendo, eu a valido e passo para o David. Ele, então, a valida e passa para o Linus, que a inclui em seu repositório, usando uma ferramenta de controle de versões, o BitKeeper, e eventualmente, libera uma nova versão do kernel."

Na verdade, o desenvolvimento, nesse caso, segue uma "meritocracia", afirma Melo. Se alguém se dispõe a manter algo e prova que é capacitado, através de participação em listas de discussão de desenvolvedores, canais de IRC (Internet Relay Chat), entre outros, ele se torna de forma "ad-hoc", referência sobre o assunto e eventualmente ele mesmo envia uma modificação (patch) para o arquivo MAINTEINERS, se tornando "de fato" o mantenedor para tal área.

Damasio acrescenta ainda que, num projeto grande como o kernel Linux, existem até mais níveis nessa hierarquia: "um líder não sabe tudo. A principal característica de um líder é ser um caça-talentos, delegar a coordenação de uma parte do projeto para uma pessoa capaz se torna essencial para garantir a qualidade e inovação do projeto." Damasio menciona uma premissa do software livre: não pode haver a "síndrome de gollum", referindo-se a um personagem do filme Senhor dos Anéis, que fica obcecado pelo anel, ao qual chama "my preciooous" (ou "minha preciosidade"). Na sua concepção, para se trabalhar com software livre, é preciso "se desapegar de sua idéia, do seu programa para não sufocar pessoas mais capazes de levar a idéia adiante."

No caso do projeto GNU, é Richard Stallman, seu criador, quem escolhe os mantenedores e estes podem escolher terceiros como conselheiros também. Oliva conta que depois de anos participando como voluntário no desenvolvimento de software livre foi convidado pela Red Hat para trabalhar em dos programas que ele mais utilizava, o compilador. "Eu me sentia bem em colaborar", acrescenta.

O software livre afeta a empregabilidade da indústria de software?
A questão da empregabilidade está no cerne do debate sobre as conseqüências da adoção desse novo modelo de desenvolvimento de software para o mercado de trabalho da indústria de software. Uma das críticas que são feitas pelos adeptos do software proprietário é que o software livre acabaria com um mercado considerável que emprega milhões de pessoas em todo o mundo. Damasio acredita que "a empregabilidade baseada em mérito assusta muitas empresas, pois acaba com o nepotismo, fator QI (Quem Indica), entre outros métodos empregados atualmente".

Campos pensa que o software livre afeta positivamente a empregabilidade da indústria de software: "a meu ver, o software livre reduz as barreiras de entrada e permite que o conhecimento seja aplicado até mesmo por quem não tem os recursos financeiros para adquirir uma ferramenta de desenvolvimento, um SGBD (Sistemas de Gerenciamento de Banco de Dados) ou mesmo ERP (Enterprise Resource Planning - sistemas integrados de gestão de empresas) caros e de origem importada."

Rubens Queiroz, do Centro de Computação da Unicamp, acredita que a demanda de trabalho com software está aumentando cada vez mais. Com a popularização do computador e a redução do custo de aquisição de softwares propiciada pelo modelo do software livre, haverá, na verdade, um crescimento do mercado de trabalho ao invés de retração. Porém, haverá uma redistribuição no mercado: aqueles que estão envolvidos com o desenvolvimento de software para a indústria dentro do modelo proprietário terão que migrar para atividades de manutenção, suporte, treinamento etc. Com uma redução da necessidade de investimentos para a aquisição do software em si os empresários acabarão investindo mais na implementação de melhorias, inovação e criação de novas aplicabilidades para a sua estrurura informacional.

(MP e AT)

 
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Atualizado em 10/06/2004
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