Desafios para a capacitação e ensino
A substituição dos softwares proprietários por livres nos órgãos públicos tem sido defendida pelo governo federal, com base em argumentos como a qualidade equivalente ou superior dos softwares livres, custo reduzido, autonomia de gestão e maior segurança. Algumas grandes modificações já estão em curso. Ministérios como o de Minas e Energia e o do Meio Ambiente já estão em fase final de planejamento para a migração de seus sistemas. A Caixa Econômica Federal também pretende mudar todo o seu sistema computacional e tem como meta investir 10 milhões de reais em software livre este ano contra 62 mil investidos em 2003.
Apesar do incentivo do governo, a migração de um sistema operacional para outro ainda depende da superação de outras dificuldades. Sérgio Amadeu, presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, ressalta que "a maior barreira para o uso do software livre ainda é cultural". Amadeu afirma que o desconhecimento dos aplicativos existentes em software livre e as suas potencialidades, além do hábito de utilizar os programas já conhecidos pode levar a uma resistência à mudança. Portanto, não bastam investimentos nas tecnologias, é preciso uma capacitação dos servidores públicos para essa mudança.
Com intuito de superar esse entrave, foi realizada em abril deste ano, em Brasília, a Semana de Capacitação em Software Livre que, segundo Amadeu, contou com a participação de mais de 5.000 servidores de 124 instituições municipais, estaduais e federais distribuídos em 98 cursos. O investimento de 300 mil reais teve como objetivo principal capacitar os servidores para implantar e gerenciar, em suas instituições, plataformas e aplicativos baseados em códigos abertos. "A avaliação dos participantes foi bastante positiva" destaca Amadeu, "o evento foi avaliado entre bom e ótimo pela maioria dos alunos, assim como a qualidade dos professores selecionados e a programação técnica". Os cursos foram divididos em eixos temáticos como gestão e suporte em software livre, bases de dados, infraestrutura e desenvolvimento de software.
Até o momento, esse evento foi o único voltado para a capacitação. Amadeu enfatiza que esse foi "um primeiro passo para preparar os funcionários públicos para receber as novas tecnologias advindas da adoção do código aberto". Os servidores capacitados nesses cursos, segundo a programação do evento, devem servir como multiplicadores da proposta em suas instituições de origem. Uma proposta que tem como foco a busca pela inserção da discussão sobre a importância e benefícios do software livre nos diferentes níveis do governo. Essa inserção é considerada pelos organizadores como um dos grandes desafios do governo federal para a mudança dos órgãos públicos em todo o Brasil. Não existem, entretanto, incentivos financeiros para a adoção desse novo modelo.
Mudanças no sistema público de ensino
A mudança cultural para a utilização do software livre passa, ainda, por outro espaço: a escola. O ensino de informática em escolas é, atualmente, baseado no uso de sistemas e programas proprietários. Nesse modelo vigente, os alunos não aprendem informática, mas sim a utilização de um produto específico. No ensino de informática baseado em software livre, os alunos devem aprender os conceitos envolvidos em um editor de textos ou de planilhas, por exemplo.
O Rio Grande do Sul é pioneiro no uso de software livre na administração e no sistema público de ensino. A "Rede Escolar Livre" foi implantada tendo como base o uso do Linux em seus servidores. Segundo José Francisco Fernandez, da Central de Apoio Tecnológico à Educação, o projeto abrange, no momento, 46 escolas e 10 núcleos de tecnologia educacional voltados para a capacitação de professores.
Nos
computadores instalados nas 46 escolas, o sistema operacional
utilizado ainda é o Windows. Segundo Fernandez, essa escolha
foi feita porque o uso do Linux exige um plano de capacitação
muito maior dos professores. "Temos uma carência no
estado e no país de recursos humanos capacitados para a
utilização do software livre", ressalta ele,
"por isso estamos planejando com cuidado o uso dessas ferramentas
nas escolas e a ampliação para todo o estado".
Já a inserção no mercado de trabalho de alunos
formados por meio do software livre não preocupa Fernandez.
"Essa inserção não depende apenas de
aprender a utilizar um sistema operacional ou outro", lembra
ele, "mas de toda a história educacional desse aluno".
A
"Rede Escolar Livre" foi implementada em parceria com
o programa federal ProInfo,
voltado para a aquisição de equipamentos e softwares
e capacitação de professores. Criado em 1997, o
ProInfo não tinha como um de seus objetivos o uso de software
livre. Isso se refletiu, de certa forma, em obstáculos
visualizados por professores na avaliação do programa
em 2002: a falta de licenças de softwares foi considerada
um grande problema para o desenvolvimento das atividades nos laboratórios
de informática montados. Um obstáculo que não
existiria caso o software livre fosse adotado nesses espaços.
Segundo dados do Departamento de Informática na Educação
à Distância do Ministério da Educação,
de 1997 a 2002, o ProInfo equipou mais de 4 mil escolas com cerca
de 54 mil computadores, um investimento de 207 milhões
de reais entre aquisição de equipamentos e softwares
e capacitação de professores.
Outra
iniciativa federal que envolve a informatização
de escolas é o Fundo de Universalização dos
Serviços de Telecomunicações (Fust). O Fust
é constituído por 1% da receita das operadoras de
telefonia, de TV por assinatura e outros serviços de telecomunicações,
e, em 2001, parte desses recursos foi destinado à compra
de equipamentos e instalação de acesso à
internet em mais de 12 mil escolas de ensino médio no país.
Na época, a exigência de um sistema computacional
proprietário na maioria das máquinas levou à
paralisação judicial do projeto por 2 anos. Segundo
dados da Agência Nacional de Telecomunicações,
o Fust possui, hoje, R$ 3 bilhões acumulados para a implantação
de pontos de acesso à internet em todo o país. Entre
outras instituições contempladas, está prevista
a instalação de computadores em 185 mil escolas
e 300 mil pontos de conexão para internet em escolas e
bibliotecas públicas por todo o país. Dessa vez,
a compra de softwares proprietários não está
incluída.
(ES)