O Dia da Cidade Sem Carro
Liane Born
O processo de urbanização crescente nas últimas décadas provocou impactos sociais e ambientais com profundos reflexos na vida humana. Isto é particularmente presente em países menos desenvolvidos, onde a rapidez deste crescimento foi acompanhada por concentração da pobreza e ampliação das desigualdades sociais.
Se por um lado a democratização da informação, o avanço tecnológico, a disponibilização de bens de consumo materiais e culturais têm ampliado as possibilidades de avanços no desenvolvimento pessoal, por outro, a vida em comunidade tem-se revestido de crescente complexidade. Nesse sentido, o novo modelo de desenvolvimento suscita um debate para a importante questão da mobilidade urbana.
No Brasil a mobilidade obedece a uma política centrada na viabilização do automóvel. O número de veículos que circulam nas principais cidades brasileiras e o volume de tráfego rodoviário no Brasil têm aumentado continuamente, conduzindo à deterioração da qualidade de vida e da saúde dos habitantes das cidades. O automóvel veio proporcionar às pessoas níveis nunca sonhados de mobilidade e liberdade. Mas o seu uso ilimitado nas áreas urbanas tem gerado um efeito negativo na sociedade, na economia e no meio ambiente. Hoje aproximadamente 40% das emissões de CO2 produzidas pelo setor de transportes são originadas da utilização de automóveis particulares nas cidades.
Embora a necessidade de mudança nos padrões de mobilidade urbana seja reconhecida por todos, uma série de fatores dificultam a implementação de medidas que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano. Um exemplo é a abordagem fragmentada dos problemas relacionados ao transporte coletivo, quase sempre dissociada da circulação de veículos particulares e do uso do solo. Não raramente, o sistema viário é planejado para garantir apenas a circulação de automóveis, proporcionando seu acesso irrestrito a todas as áreas da cidade. Da mesma forma, a cidade é projetada para ter um trânsito com fluidez e segurança de carros particulares e não para uma ocupação sob a lógica da qualidade de vida, onde a circulação de pessoas é prioridade.
Este excessivo espaço destinado à circulação dos automóveis nas cidades de todo mundo, tem levado as sociedades a refletir sobre a necessidade de democratizar o uso do espaço urbano e a criar medidas de preservação do patrimônio histórico, constantemente ameaçados pela necessidade de abertura de novas vias. Em conseqüência disso, surge na Europa a Jornada "Na Cidade Sem Meu Carro". Com objetivo de refletir e debater sobre os problemas causados pelo modelo de mobilidade centrado no automóvel, a Jornada foi realizada, inicialmente, pela França em 1998 e contou com a participação de 35 cidades. Já no ano seguinte, com a adesão da Itália, 186 cidades participaram do evento. Mas foi em 2000 no lançamento da campanha do "Dia Europeu Sem Carros" que os países Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Portugal, Reino Unido e Suécia assinaram a Declaração Européia, comprometendo-se a participar da iniciativa.
O Brasil aderiu à Jornada em 2001, juntamente com outros 17 países. Compartilhando com os objetivos europeus, a Jornada Brasileira "Na Cidade Sem Meu Carro" teve como proposta o combate à poluição, o estímulo ao uso do transporte coletivo e ao desenvolvimento de novas tecnologias, informar os cidadãos sobre alternativas de mobilidade sustentável no planejamento urbano e no uso de combustíveis renováveis e não poluentes; incentivar a adoção de alternativas sustentáveis como o transporte a pé e de bicicletas, além de apoiar as iniciativas municipais voltadas à mobilidade sustentável.
A Jornada Brasileira "Na Cidade Sem Meu Carro"
Realizada anualmente no dia 22 de setembro e organizada, no Brasil, pelo Instituto da Mobilidade Sustentável - Ruaviva, a primeira Jornada Brasileira teve o envolvimento de 11 cidades das quais 7 capitais interditaram ruas, praças, áreas centrais e quarteirões aos automóveis e realizaram painéis sobre transporte e trânsito, debates sobre transportes com sistema de combustível não poluentes, pesquisas de avaliação e de níveis de poluição, além de passeios ciclísticos, caminhadas e eventos culturais.
A Jornada consiste no engajamento institucional das prefeituras municipais que, para participar, devem restringir em uma determinada área o tráfego de carros particulares. Neste perímetro podem circular apenas pedestres, veículos dos serviços essenciais além de ônibus, bicicletas e táxis.
No ano de 2002 diversas instituições e entidades da sociedade civil, entre elas universidades, escolas públicas, associações de bairro, associações comerciais, ONGs, grupos de terceira idade e de portadores de deficiência, com apoio das secretarias municipais, participaram do evento comprometendo-se a apoiar as autoridades locais e auxiliar na organização das atividades. 25 cidades brasileiras participaram deste dia. Mas foi no ano de 2003 que a Jornada Brasileira "Na Cidade Sem Meu Carro" conquistou o apoio dos ministérios das Cidades e do Meio Ambiente, do Fórum Nacional de Secretários, da Frente Nacional de Prefeitos - FNM, da Associação Brasileira de Municípios - ABM e da Confederação Nacional de Municípios - CNM e mobilizou 34 municípios.
O ano de 2004 deverá consolidar o Brasil como país integrado à rede internacional da mobilidade sustentável. A sociedade civil, governos federais, estaduais e municipais preparam-se para divulgar ações importantes de fortalecimento de políticas públicas que atendam as necessidades de deslocamento da população e viabilizem um novo modelo de desenvolvimento sustentável, passando, evidentemente, por políticas de restrição ao uso irracional do automóvel.
Liane Born é diretora presidente do Instituto da Mobilidade Sustentável - Ruaviva.