Veículos
têm futuro com tecnologias limpas e renováveis
O século XX foi marcado pelo uso crescente de veículos automotores. Desde então observa-se com maior freqüência episódios críticos de poluição do ar. Com o aumento alarmante da poluição e a ameaça de escassez das reservas de petróleo, estudiosos de vários países investem esforços na procura de novas fontes alternativas de energia, como hidrogênio e biomassa. De acordo com pesquisadores, a mudança definitiva de século pode ser representada pela revolução nos transportes, por meio de tecnologias que já existem e que poderão estar acessíveis em menos de 20 anos.
Os
impactos sócio-ambientais causados pelos mais de 800 milhões
de veículos que existem em circulação em todo
o mundo, dos quais seis milhões na região metropolitana
de São Paulo, são objetos de estudo de fundamental
importância hoje e pelo menos nos próximos 45 anos,
uma vez que a estimativa para 2050 é que a frota mundial
atinja dois bilhões de automóveis. Diminuir ou eliminar
a emissão de poluentes produzida pelos veículos movidos
a combustíveis fósseis é, portanto, o principal
objetivo das pesquisas, associado à substituição
dos motores de ignição por compressão ou centelha
pelos combustíveis limpos como células de hidrogênio,
biodiesel, gás natural e eletricidade. Os testes acontecem
em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Para
o professor Ennio Peres da Silva, coordenador do Núcleo Interdisciplinar
de Planejamento Energético (Nipe) e do Laboratório
de Hidrogênio do Instituto de Física da Unicamp, o
combustível alternativo para um futuro próximo é
o hidrogênio, a ser utilizado em células a combustível.
Desde 1992, a Unicamp trabalha no projeto do Vega II, o primeiro
carro movido a hidrogênio do Hemisfério Sul. As células
importadas chegaram em março ao laboratório e, em
abril, o carro será exposto em mostra do setor em São
Paulo. Segundo Silva, a tecnologia em si não é nova,
mas a possibilidade de uso em veículos e a alteração
das frotas urbanas representam uma revolução mundial,
possível somente nas próximas décadas e de
forma gradativa. O carro movido a hidrogênio deixa de ter
motor a combustão, não faz barulho e possui um gerador
de energia elétrica com, no mínimo, 10 kW. Porém,
essas vantagens ambientais e a geração de eletricidade
deverão resultar em um carro mais caro para o consumidor
final.
Desenvolvido
primeiramente nos Estados Unidos, o carro a hidrogênio está
sendo apresentado por esse país como alternativa ao Protocolo
de Quioto. Por ser o maior causador do efeito estufa e por não
ter assinado o acordo mundial por meio do qual os países
mais ricos e mais poluidores se comprometem a concentrar esforços
na redução da emissão de poluentes, os Estados
Unidos encontraram na tecnologia do hidrogênio uma justificativa
para a não-adesão ao protocolo. Afinal, Quioto significaria
para eles a obrigatoriedade de reduzir o uso de combustível
fóssil (como carvão, petróleo e gás),
medida fora dos planos do governo Bush. Desta maneira surgiram as
pesquisas em torno das células a combustível de hidrogênio
como alternativa veicular, conta Silva.
As
grandes montadoras de veículos já criaram seus protótipos
com tanques de hidrogênio e motor elétrico, segundo
o pesquisador. Ele conta também que na Califórnia
já existem carros que usam essa tecnologia, uma estrutura
de postos de abastecimento, além de uma legislação
própria. Aviões a hidrogênio, testados nos Estados
Unidos e Rússia, só não circulam ainda por
falta de estrutura de abastecimento nos aeroportos. Essas células
já têm também uso militar em submarinos. Em
grande escala, os ônibus e os caminhões a diesel ganhariam
muito usando essa tecnologia. "Todo o sistema de energia elétrica
pode ser transformado. Estaríamos mudando definitivamente
de século. Teríamos a casa do futuro, toda eletrificada,
com garagem adaptada ao carro de hidrogênio que pode ser um
gerador de energia. Isso quer dizer que o carro permitiria até
que a casa não dependesse da companhia fornecedora",
idealiza Silva. Pelos cálculos do pesquisador, se toda a
frota de São Paulo fosse a hidrogênio e estivesse ligada
à rede, produziria 40GW. Para se ter uma idéia da
dimensão, a potência em todo Brasil hoje é de
60GW.
Entre
os combustíveis alternativos existentes, o hidrogênio
é a tecnologia mais limpa. A emissão de poluentes
na atmosfera é zero, pois o carro emite somente água.
Mas é também uma tecnologia de alto custo, por ser
produzida a partir de materiais caros e por ter ainda pequena escala
de produção. O Brasil não produz as células
de hidrogênio, o que encarece ainda mais o produto, uma vez
que essas células precisam ser importadas. Mas o Instituto
de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen), em São
Paulo, desenvolve pesquisas para fabricar a célula, que podem
ser feitas utilizando-se a platina ou material cerâmico, por
exemplo.
Paralelamente,
o Laboratório de Hidrogênio da Unicamp desenvolve pesquisas
sobre a aplicação da célula com equipamentos
e tecnologia já existentes. Um dos testes de aplicação
tem sido no carro. Os pesquisadores dessa universidade também
desenvolvem o reformador de etanol, para produção
de hidrogênio por meio do álcool, o que deve gerar
um outro tipo de veículo, que será abastecido com
álcool e não com hidrogênio.
Outras alternativas
Para o professor Luiz Pereira Ramos, do Centro de Pesquisa em Química Aplicada do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o uso de hidrogênio requereria investimentos bastante significativos, porque a tecnologia precisa ainda ser refinada e simplificada ao nível do operador local. Como no caso do hidrogênio, os carros elétricos ou movidos a baterias ainda carecem de maior desenvolvimento tecnológico para atingirem uma condição de operacionalidade e competitividade econômica comparadas aos atuais, que utilizam combustíveis fósseis. "Os sistemas de fornecimento de energia elétrica para veículos ainda precisam ser minimizados em suas dimensões físicas, tamanho e número de baterias que sirvam ao sistema; aumentados em sua eficiência e aperfeiçoados quanto aos métodos de reabastecimento, incluindo a vida útil da bateria e o tempo e logística de recarga em unidades apropriadas e estrategicamente localizadas", diz o pesquisador.
Ramos vê mais vantagens no biodiesel em relação aos outros combustíveis alternativos, principalmente por sua aplicabilidade. Ele pode ser implementado rapidamente, sem a necessidade de qualquer atualização tecnológica ou ajuste do motor que equipa o setor de transportes coletivos, cargas e insumos.
Também
na opinião do pesquisador da Unicamp, a tecnologia do biodiesel
tem vantagens que não se limitam às questões
ambientais. "O biodiesel não chega a ser um combustível
verde nem é uma tecnologia de baixo custo, mas a vantagem
é que com ele se pode desenvolver atividades agrícolas
em regiões que hoje não têm nada. Pode ser que
valha a pena pagar mais por este combustível por ele gerar
empregos e por ser renovável", acredita Silva. O governo
brasileiro já tem políticas voltadas para essa tecnologia,
mas as verbas para o seu desenvolvimento não estão
sendo liberadas como deveriam, diz Silva. Em relação
à tecnologia do biodiesel, uma das novidades no Brasil é
o uso do etanol no processo de produção, no lugar
do metanol, pois emite menos enxofre (SOx). Os tipos de poluentes
são os mesmos da gasolina do diesel, mas em menor quantidade.
Além disso, o CO2 que se elimina é capturado da atmosfera
pelas plantas.
A pesquisa realizada por Ramos e sua equipe utiliza óleos de fritura como fonte para produção de combustível alternativo ao diesel convencional. O trabalho é um dos exemplos mais recentes sobre a utilização de produtos de fonte de energia renovável em substituição ao óleo diesel e outros derivados do petróleo. O óleo, depois de usado, é reciclado como biocombustível alternativo, que não só retiraria do meio ambiente um poluente, mas também permitiria a geração de uma fonte alternativa de energia. Testado como combustível alternativo há quase um século, ainda apresenta gargalos tecnológicos como os relacionados com a eficácia de ignição em relação ao diesel convencional. A produção de biocombustível, a partir de óleos vegetais, tem sido alvo de diversos estudos. Os principais óleos em teste são os derivados de macaúba, pinhão-manso, indaiá, buriti, pequi, linhaça, mamona, soja, babaçu, soja, cotieira, tinguí e pupunha.
Algumas
prefeituras já desenvolvem programas experimentais, para
substituição de combustíveis nos sistemas de
transporte coletivo urbano. Curitiba foi a primeira cidade brasileira
a realizar testes preliminares em sua frota de transporte coletivo
com a utilização de biodiesel de óleo de soja,
doado pela American Soybean Association. Com o objetivo de avaliar
a redução da poluição ambiental, foram
realizados testes em 20 ônibus de diferentes marcas, durante
três meses. Quando utilizados 20% de biodiesel misturados
com o diesel, o resultado foi de redução média
de fumaça de 35%. Com o biodiesel de óleo de fritura,
a emissão de fumaça foi reduzida em 41,5%. Quanto
ao desempenho dos veículos com essa mistura, foi considerado
normal, e o único problema apresentado foi um leve odor de
óleo de fritura expelido pelo escapamento. Financiados pela
Hewlett Foundation, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São
Paulo e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas receberam recursos
para a compra de 10 ônibus híbridos (diesel e sistema
elétrico) da empresa brasileira Eletra. A Secretaria dos
Transportes, responsável pelos testes com os ônibus
na cidade de São Paulo até o final de 2004, espera
comprovar a redução de emissões, que se estima
que seja de 50 a 60%.
Quanto ao gás natural, Ramos diz que é menos poluente que o diesel de petróleo, mas suas reservas também são finitas e sua utilização em motores do ciclo diesel exige adaptações que podem dificultar a implementação de um programa de utilização em larga escala. "Adaptações inadequadas de motor podem gerar emissões piores que o próprio petrodiesel, é uma fonte não renovável e sua eficiência energética e emissões de gases nitrogenados não são irrelevantes. Há, obviamente, questões políticas envolvidas nessa opção tecnológica", diz Ramos.
Segundo
Silva, a curto prazo a nova alternativa é o automóvel
bicombustível (gasolina e gás natural). Outra alternativa
é o motor "Flex Fuel", que permite usar gasolina
ou álcool em qualquer composição. Eles têm
uma chave no painel que permite ao usuário optar entre gás
e gasolina. A vantagem maior do gás natural está no
preço para o consumidor. Desenvolvida totalmente no Brasil,
Silva acredita que esta tecnologia beneficiará a produção
de álcool. Em 2010, a indústria automobilística
brasileira deverá produzir dois terços dos automóveis
com motores bicombustível. "Investir nessa tecnologia
não foi uma iniciativa do governo, mas das próprias
empresas que perceberam uma necessidade do mercado. Para o país
é um novo alento para o programa pró-álcool,
que gera empregos, movimenta a economia e ajuda o setor agro-industrial",
comenta Silva.
Os benefícios das energias renováveis são inquestionáveis, mas algumas se mostram mais atrativas, como a propulsão elétrica, que possibilita a criação de veículos de poluição zero. Para avaliar a real eficiência e viabilidade desses combustíveis alternativos, será necessária a realização de teste de longa duração para que se possam avaliar as conseqüências mecânicas que os combustíveis alternativos efetivamente acarretam em motores lacrados previamente aferidos.
(AM
e MF)
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