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Resultados das concessões de transportes ainda são incertos

O Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído em 1990, abriu a perspectiva da retomada dos investimentos nos transportes, que vinham sofrendo com a falta de recursos. O setor foi responsável por 2% dos US$ 105,3 bilhões arrecadados com o PND de 1990 a 2002. Ainda não se sabe, entretanto, quais serão as conseqüências das concessões. Se por um lado, a decisão do Governo pode ter sido a única saída, por outro, a forma como foi conduzida é questionada até hoje.

No início, o Ministério dos Transportes disponibilizou 854,5 km de suas rodovias. Paralelamente, houve um processo de delegação de estradas aos estados, no qual foram transferidos, sob concessão, 1250 km de rodovias federais ao Rio Grande do Sul e 1750 km ao Paraná. Atualmente, 1680 km estão sob concessão. O programa prevê ainda a abertura de licitação para outros 10,7 mil km.

Concessionárias do Transporte Rodoviário Federal:

Empresa
Rodovia
Percurso
Nova Dutra
BR116/RJ/SP
Rio de Janeiro - São Paulo
PONTE S.A.
BR 101/RJ
Rio de Janeiro - Niterói
(Ponte Presidente Costa e Silva)
CONCER
BR 040/MG/RJ
Juiz de Fora - Petrópolis - Rio de Janeiro
CRT
BR 116/RJ
Além Paraíba - Teresópolis
(entroncamento c/ BR 040)
CONCEPA
BR 290/RS
Osório - Porto Alegre
ECOSUL
BRs 116, 392
e 293/RS
Pólo Rodoviário de Pelotas

As concessionárias tiveram como obrigação realizar trabalhos nos seis primeiros meses. Sempre que necessário, devem executar obras emergenciais e de recuperação. Em contrapartida, ganharam o direito de cobrar tarifas de pedágio após o primeiro semestre. Os valores podem ser alterados a qualquer momento, de acordo com as regras de revisão de tarifa ou o reajuste anual, ambos previstos em contrato.

Falta de controle
As condições das rodovias sob concessão melhoraram bastante, mas muitos problemas permaneceram. Em 2000, o Brasil tinha somente 165 mil quilômetros de estradas pavimentadas, menos de 1/10 do total da malha rodoviária, que é de 1,725 milhão de quilômetros.

Não há consenso sobre o valor das tarifas de pedágio. "Não há dúvida de que as rodovias estão em melhores condições. O grande problema é que o poder público não tem controle sobre os dados financeiros das concessionárias. Pode ser que as tarifas estejam abusivas, mas o governo não tem como verificar isso. Juridicamente, não há instrumentos para se comprovar ou contestar o abuso", afirma o engenheiro civil e cientista político Joaquim Aragão, coordenador do curso de mestrado em Transportes da Universidade de Brasília (UnB).

Segundo Aragão, houve muitos erros técnicos no processo de concessões. Um deles foi o fato de não haver um órgão regulador antes dos leilões. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) foi criada apenas em 2001. Além disso, o professor critica a divisão das competências sobre o setor em duas agências, a ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ).

"Além do órgão regulatório vir tarde demais, quando não havia mais o que se fazer, houve o descalabro de se criar duas agências. Isso gerou a desintegração das políticas de transportes. As agências foram mal montadas e com poucos recursos. Organismos estatais foram desmontados e, em seu lugar, foram colocadas duas agências sem política e capacidade técnica. O arranjo institucional resultante foi catastrófico", ressalta Aragão.

O professor reconhece, entretanto, que as concessões foram a única solução viável para o Brasil: "Tendo em vista a camisa-de-força macroeconômica em que o Brasil se encontrava, devido ao acordo com o FMI, que impõe regras muito restritas às atividades estatais, este era o único caminho possível".

Ferrovias
A Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) foi incluída no PND em 1992, mas os primeiros leilões só foram realizados quatro anos depois, juntamente com as concessões rodoviárias. No processo, a RFFSA foi dividida em sete malhas regionais: oeste, centro-leste, sudeste, Tereza Cristina (sul de Santa Catarina), sul, nordeste e paulista. Ao todo, foram concedidas 25895 km de linhas ferroviárias.

As concessionárias vencedoras das malhas oeste, centro-leste, sudeste, Tereza Cristina e sul foram a Ferrovia Novoeste, a Ferrovia Centro-Atlântica, a MRS Logística, a Ferrovia Tereza Cristina e a América Latina Logística do Brasil (ALL), respectivamente. Um ano depois, a Companhia Ferroviária do Nordeste ganhou o direito de concessão sobre a malha nordeste e, em 1998, a Ferrovia Bandeirantes (Ferroban) ficou com a malha paulista.

Em junho de 1997, o Governo Federal outorgou à Companhia Vale do Rio Doce, no processo de sua privatização, a exploração da Estrada de Ferro Vitória a Minas e da Estrada de Ferro Carajás, usadas basicamente no transporte de minério da companhia. Fora da RFFSA, foram feitas concessões para a Ferrovia Norte Brasil (Ferronorte) e as estradas de ferro Mineração Rio do Norte, Jari, Amapá, Trombeta, Votorantim, Paraná Oeste S.A.(Ferroeste) e Valec Engenharia, Construções e Ferrovias.

A Ferronorte detém a concessão para construir e operar uma ferrovia que passará pelos estados do Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Pará, num total de 5228 quilômetros; a Ferroeste, empresa do estado do Paraná, detém os direitos para prestar o mesmo serviço entre as cidades de Guarapuava e Cascavel, mas subconcedeu sua malha à Ferrovia Paraná (Ferropar); a Valec, por sua vez, tem a concessão para ramais ferroviários em Tocantins e Goiás. As demais são pequenas ferrovias privadas, com a função principal de escoar a produção de minérios.

Desempenho
O sistema ferroviário nacional é o maior da América Latina em termos de carga transportada. Em 2002, a movimentação de mercadorias foi de 320,838 milhões de toneladas úteis (TU) tracionadas (medida da carga movimentada na malha ferroviária), segundo o Relatório Anual de Acompanhamento das Concessões Ferroviárias, publicado em setembro de 2003. A quantidade de TU multiplicadas pela distância de transporte (tonelada quilômetro útil ou TKU) chegou a 170,177 bilhões.

Entretanto, 60% do total de TU transportadas corresponde a apenas um produto: o minério de ferro. Dos 192,851 milhões de TU da matéria-prima movimentados em 2002, quase a totalidade (192,037 milhões) percorreu somente 3,5 mil quilômetros de ferrovias sob concessão. O percurso está nas mãos de três concessionárias: a MRS Logística, a Estrada de Ferro de Vitória a Minas e a Estrada de Ferro Carajás, as duas últimas atendendo exclusivamente à Cia. Vale do Rio Doce.

Outro problema é que, ao longo dos anos anteriores às concessões, as ferrovias perderam importância no transporte de cargas. A falta de investimentos, de manutenção e de atualização tecnológica levaram a um quadro que permanece até hoje. Em 1997, quando as concessionárias começaram a operar, o sistema ferroviário movimentou 20,72% das cargas, enquanto que o rodoviário, 62,91%. Em 2000, os trens ficaram com 20,86%, contra 60,5% dos caminhões.

"O país está cada vez mais dependente do transporte rodoviário. Além do aumento do custo das mercadorias, há uma deterioração mais rápida das estradas. Aumenta a necessidade de investimento e isso causa impacto nas tarifas de pedágio. As ferrovias deixam de exercer seu papel, o que afeta a competitividade das exportações", comenta Aragão.

Perspectivas
Na opinião do engenheiro civil Hostilio Ratton Neto, professor do programa de Engenharia de Transportes do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ, ainda é cedo para uma avaliação definitiva sobre as concessões, mas, apesar dos contratempos, há uma perspectiva positiva para as ferrovias no Brasil.

"O transporte depende do desempenho econômico. O processo de concessão das ferrovias e rodovias previam uma evolução positiva da economia do país, que não ocorreu. No caso das ferrovias, uma série de objetivos não foi alcançada porque a economia não evoluiu adequadamente. Em vez de conquistar novos mercados, as concessionárias tiveram de reconquistar os antigos", explica Ratton Neto.

Segundo ele, outro ponto negativo das concessões ferroviárias foi a aprovação de empresas despreparadas para operar as ferrovias. Um exemplo seria o Noel Group, que veio à falência depois de ganhar parte da concessão da malha oeste.

"É difícil saber quando, mas o processo tende a ser bem sucedido no futuro. As linhas estão estruturadas em malhas, então há uma tendência para que operem como redes. Quase todos os estados do nordeste, por exemplo, podem se ligar à Estrada de Ferro de Carajás. A maneira como a malha está estruturada aponta para uma perspectiva positiva", aposta Ratton Neto.

Sinal positivo
O resultado das ferrovias em 2002, divulgado pelo Ministério dos Transportes, pode ser um sinal positivo. A movimentação de mercadorias medida em TKU subiu 4,9% em relação a 2001. Os principais grupos de mercadorias responsáveis pelo aumento, de acordo com o documento, foram o petroquímico, de containers, adubos e fertilizantes; o de madeira; e o de soja e farelo de soja.

As empresas que apresentaram os melhores resultados percentuais foram Ferronorte (52,4%) e a Novoeste (16,53%); as que mais movimentaram cargas, entretanto, foram a Estrada de Ferro Vitória a Minas (56,989 bilhões de TKU) e a MRS Logística (29,431 bilhões de TKU).

Para que esse crescimento se acentue, entretanto, é preciso integrar todos os meios de transporte disponíveis, afirmam Ratton Neto e Aragão. "Não é a transformação de um modelo para outro (rodoviário para ferroviário) que vai abaixar o custo e resolver o problema do transporte de cargas no Brasil. É a integração dos meios disponíveis. A racionalização é necessária até para que se possa conquistar novos mercados", destaca o professor da Coppe.

Entretanto, lembra Ratton Neto, o Governo precisa agir nesse sentido. O Conselho Nacional de Integração de Política de Transportes Terrestres (Conit), criado em 2001 com a finalidade de traçar um planejamento estratégico nesse sentido, até hoje não se reuniu. O Plano Nacional de Transportes, que orienta a política de transportes no Brasil, é de 1973. Desde então, nunca foi revisto.

(SH)

 
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Atualizado em 10/04/2004
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