Ferrovias
e rodovias devem trabalhar em conjunto
Em abril deste ano, a primeira estrada de ferro do Brasil completa 150 anos. Idealizada pelo Barão de Mauá, a estrada saiu do Rio de Janeiro rumo a Petrópolis, num trajeto de 18 quilômetros, e ingressou o Brasil no bloco de países que possuíam transporte ferroviário, o maior símbolo de tecnologia da época. Seguindo o ideal de Mauá, outras linhas férreas foram construídas, a grande maioria com capital externo, ligando os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, região agro-exportadora de café, base da economia vigente no período.
Apesar dos investimentos estatais e privados voltados ao desenvolvimento férreo, entre o final do século XIX e início do século XX, o Brasil é atualmente um país de transporte rodoviário. O país possui 28 mil km de malha ferroviária, o que representa um terço do total de linhas do Canadá, e bem menos do que a Argentina, que tem 34 mil km. As ferrovias concentram cerca de 20% do total de cargas transportadas, enquanto as rodovias ficam com quase 70%. O transporte de passageiros a longas distâncias por via férrea é praticamente nulo.
A escolha da rodovia em detrimento do trem, para o Secretário Nacional de Políticas de Transportes do Ministério dos Transportes, Raul de Bonis Simões, traz uma série de problemas econômicos, ambientais e sociais. (veja a reportagem "Rodovias são obras de grande impacto") "Isso não quer dizer que o transporte rodoviário seja ruim, mas é importante aproveitar o potencial de cada tipo de transporte e trabalhar todos em conjunto. O ideal para o Brasil é que se atingisse 50% do transporte de cargas em rodovias e 50% em outros tipos de transporte", afirma.
Para o historiador e pesquisador de ferrovias Célio José Losnak, docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a escolha da rodovia em exclusão à ferrovia, sendo que ambas deveriam se complementar, foi um problema na condução do sistema de transportes brasileiro. De acordo com Losnak, a mudança no caráter dos transportes no Brasil aconteceu ainda na década 30.
"O governo de Kubitscheck é reconhecido como o marco da expansão da indústria automobilística no Brasil e do início da falência das ferrovias, o que já tinha sido iniciado anteriormente, no período getulista, e se acentuou a partir da segunda metade dos anos 50", afirma Losnak. De acordo com o pesquisador, entre 1928 e 1955, a malha ferroviária cresceu cerca de 20% e a rodoviária cresceu em torno de 400%.
"Está
disseminada a idéia de que os empresários do transporte
rodoviário e as multinacionais automobilísticas teriam
impedido a preservação das ferrovias. É provável
a existência de gestões e lobbies, entre políticos
e empresários, mas não há pesquisas demonstrativas
dessa direta interferência. Tenho dúvidas das explicações
sobre conspirações contra a ferrovia, mas é
clara a opção do governo em não investir nelas",
conclui o pesquisador.
Volta dos trilhos
O investimento em ferrovias visando a combinação dos
meios de transporte ferroviário e rodoviário é
uma das idéias do Plano de Revitalização das
Ferrovias, lançado pelo governo federal, em maio de 2003.
De acordo com Simões, o plano trabalha a idéia de
construir pequenos trechos de linha férrea, que liguem a
linha tronco (principal) a locais de produção, além
da revitalização (modernização e reconstrução)
da malha ferroviária já existente.
Desde o lançamento do Plano, poucas medidas práticas foram tomadas no sentido de melhorar o sistema ferroviário do país. Para Simões, a lentidão na resolução dos problemas enfrentados pelo transporte ferroviário está ligada a uma questão legal, já que atualmente as onze empresas que operam as ferrovias brasileiras são concedidas e trabalham com capital privado. "A recuperação está sendo discutida e estudada pelo governo. No caso das ferrovias, parte do capital para revitalização deve vir da Parceria Público-Privada (PPP) e também do Tesouro", afirma. "A ferrovia pode ser, também, uma fonte de lucro", complementa Simões.
No início do ano, o governo federal anunciou uma estimativa de 3 bilhões de reais destinados ao setor de transportes para 2004, cerca de 25% a mais do que o total dispensado no ano passado. Parte desse montante deve ser voltado à recuperação de linhas férreas que estão subutilizadas ou desativadas, um dos trabalhos que está sob a responsabilidade da Agência Nacional de Transporte Terrestre (Anit).
De acordo com Marcus Quintella, um dos consultores da Anit e professor do Instituto Militar de Engenharia (IME), existem muitos projetos de construção de linhas férreas, como o férreo-anel de São Paulo e a Transnordeste; além de linhas que precisam ser concluídas, como a ferrovia Norte-Sul, no Tocantins, que está parada desde 1986. "O colapso no sistema de transporte rodoviário fez com que a malha ferroviária voltasse a ser destacada como uma possível alternativa ao sistema de transporte atual", afirma Quintella.
Transporte de passageiros
Dentre alguns dos projetos atuais voltados ao transporte de passageiros, destaca-se a linha do Trem de Alta Velocidade (TAV), que deve seguir de Campinas ao Rio de Janeiro, passando por São Paulo e Santos. Com custo estimado em US$ 6,5 bilhões, o trem está previsto para 2005, apesar dos estudos, inicialmente realizados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), na unidade de Monitoramento por Satélite, estarem parados.
De acordo com o historiador Losnak, pouco se acredita na possibilidade da ressurreição do trem de passageiros, mesmo que, com devidas retificações para eliminar curvas, encurtar trechos e agilizar o fluxo, muitas das malhas ainda possam ser utilizadas. "Falta vontade política e dinheiro", afirma.
Para Simões, o transporte urbano via férrea, principalmente nas grandes cidades, é necessário e o investimento no setor é uma tendência mundial. "Em 2000, fizemos um estudo e descobrimos que existiam 300 linhas de metrô sendo construídas naquele momento, em todo o mundo", afirma. "O metrô é necessário não só pelos seus belos carros, mas porque não há mais espaço para outro tipo de veículo nas grandes cidades", complementa Simões.
Indústria ferroviária
A construção de ferrovias resulta na demanda de material permanente (como trilhos) e rodante (como locomotivas), o que faz ressurgir a indústria de equipamentos ferroviários. "O setor ferroviário sofreu uma redução em termos de investimento, e a indústria foi se acomodando nesse quadro. Mesmo com uma recente retomada e algum crescimento da indústria, o setor não conseguiu, em alguns casos, fazer frente à demanda", afirma Simões.
Um exemplo que ilustra a afirmação do Secretário é o caso da Cia. Vale do Rio Doce, responsável por 14,2% da movimentação de cargas no país. De acordo com matéria veiculada em julho de 2003 pela revista ferroviária, principal veículo de comunicação especializada no setor, a Vale importou 2.370 vagões no ano passado, a maioria da China, por falta de produção interna. Atualmente, só existe um fabricante ativo de vagões no Brasil, a Amsted-Maxion.
"Nós deixamos até de produzir trilhos e locomotivas para reaproveitar esse material usado de outros países, o que não tem sentido, considerando a indústria metalúrgica que possuímos", afirma Simões, que acredita que "sem dúvida" a produção interna de equipamentos ferroviários deverá aumentar, já que hoje o setor é demandante.
(SR)
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