Leis
restringem pesquisas com células-tronco
A
pesquisa com células-tronco é polêmica. Quando
se trata do uso de células-tronco adultas, a legislação
costuma ser a mesma dos transplantes de órgãos. A
grande discussão gira em torno das células-tronco
embrionárias obtidas, normalmente, de embriões descartados
em clínicas de fertilidade.
Não há um consenso mundial sobre a liberação
das pesquisas com células humanas. A Inglaterra foi o primeiro
país a liberar, em agosto de 2000, os experimentos com células-tronco
de seres humanos. Na Alemanha, a criação de embriões
para pesquisa é proibida, embora eles possam ser importados
de outros países. No restante da Europa, o assunto ainda
é motivo de restrições éticas. Países
como Austrália e Israel já se posicionaram a favor
das pesquisas.
Em
agosto passado, o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush,
anunciou sua decisão de permitir o financiamento público
à pesquisa com células-tronco embrionárias,
mas de forma limitada. Serão liberados US$ 250 milhões
para pesquisas em apenas 60 linhas de células-tronco já
existentes, que tenham sido criadas com o consentimento dos doadores,
a partir de excesso de embriões fecundados apenas para fins
reprodutivos. Os cientistas americanos não ficaram muito
satisfeitos. Queriam permissão para cultivar células-tronco
a partir dos 100 mil embriões que estão congelados
em clínicas de fertilidade.
O presidente
dos Estados Unidos se opôs, inicialmente, ao financiamento
público à pesquisa. Em relação ao financiamento
privado não há nenhuma imposição. Pouco
tempo depois de assumir, Bush revogou regulamentações
propostas pelo governo Clinton. Em abril de 2001, cancelou um painel
destinado a analisar projetos de pesquisa. A decisão do financiamento
limitado é considerada um meio-termo entre os que dizem que
a pesquisa com células- tronco vai garantir avanços
na medicina e aqueles que não admitem a destruição
de embriões humanos nessa tarefa.
No
Brasil, a Lei nº 8.974, de 1995, veda a "manipulação
genética de células germinais humanas" e trata
essa prática como crime, fixando pena de detenção
de 3 meses a um ano. A instrução normativa nº
8, de 1997, da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CNTBio), reforça a proibição de experimentos
de clonagem. Para fins terapêuticos é permitida a pesquisa
com células- tronco, desde que não sejam embrionárias
humanas.
A geneticista
Lygia da Veiga Pereira, da Universidade de São Paulo (USP),
lamenta que no Brasil não se possa pesquisar com células-tronco
embrionárias humanas. Desde 1997, ela pesquisa com células
embrionárias de camundongo. "Gostaria de poder usar
células humanas. Já temos resultados positivos com
camundongos, tendo condições de utilizar células
humanas manipuladas em laboratório", afirma.
Salvando
ou destruindo vidas?
Desde
que o primeiro relato de pesquisa em células-tronco embrionárias
humanas foi publicado, em 1998, pela equipe do prof. James. A. Thomson,
da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, o assunto gerou
controvérsias. O ponto central da discussão é
o fato de que para retirar as células-tronco embrionárias
é necessário destruir os embriões. A Igreja
Católica considera a destruição de embriões
equivalente ao aborto.
"A
utilização, a produção e a destruição
de embriões humanos com o simples objetivo de experimentar
e obter células matrizes embrionárias constituem um
atentado ao respeito absoluto da vida e contra a imensidade do ser
humano", escreveu o Papa João Paulo II em mensagem enviada,
em novembro de 2000, aos participantes das Semanas Sociais na França.
Em um comunicado emitido após o anúncio da clonagem
de embrião humano pela empresa norte-americana Advanced Cell
Technologies (ACT), o Vaticano disse que a clonagem "nos leva
a reafirmar que a vida humana começa, na realidade, já
no primeiro instante em que se forma o embrião".
A Lei
Judaica (Halachá) não faz objeção ao
uso de um embrião em estágio tão primário.
De acordo com o presidente da Comissão Bioética do
Conselho Rabínico da América, rabino Moshe D. Tendler,
um óvulo fertilizado in vitro não tem "humanidade".
Sem a implantação em um útero permanece um
zigoto ou pré- embrião, não sendo vista a destruição
do mesmo como um aborto.
A Igreja
Ortodoxa, principal religião da Rússia, condena a
clonagem, mesmo para fins terapêuticos. "Nós condenamos
a clonagem terapêutica, assim como a reprodutiva, porque o
embrião, a partir da concepção, pode ser considerado
um portador da dignidade humana e abençoado com o dom da
vida", disse o padre Antony Lyin, representante do Patriarcado
de Moscou.
Os
que defendem a realização de pesquisas com células-tronco
embrionárias utilizam o raciocínio moral de que um
bem social, que será útil para milhões de pessoas
que sofrem de doenças hoje incuráveis, se sobrepõe
ao de um indivíduo. Para quem a pesquisa é uma esperança
de cura no futuro, a defesa é indiscutível. Foi o
que mostrou Diogo Mainardi. Em um de seus artigos na revista Veja
(edição 1.709 - ano 34 - nº 28), o jornalista
comentou da seguinte forma o trabalho do cientista Evan Snyder,
da Universidade Harvard, que está analisando o efeito de
células-tronco implantadas no cérebro de animais que
sofreram grave asfixia perinatal (o mesmo que aconteceu com seu
filho): "É possível que, um dia, essas pesquisas
envolvam células estaminais retiradas de embriões
humanos. O que fazer? Deixar as pesquisas de lado? Decretar guerra
contra a Igreja Católica?", questionou-se.
(L.
C.)
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