Clonagem
terapêutica ainda é promessa
O
anúncio feito, no dia 25 de novembro de 2001, pela empresa
norte-americana Advanced Cell Technology Inc. (ACT), de que havia
concluído a primeira clonagem de um embrião humano,
reacendeu a discussão sobre o tema em todo o mundo. Os cientistas
produziram um embrião a partir de células da pele
de um paciente. Se implantado em uma mulher, o embrião clonado
teoricamente poderia dar origem a um ser humano.
O objetivo
da clonagem, no entanto, não foi a reprodução,
mas sim a obtenção de células-tronco com fins
terapêuticos (para serem extraídas do embrião
e implantadas no paciente). A vantagem dessa técnica seria
a de não oferecer risco de rejeição, pois as
células-tronco teriam exatamente as mesmas informações
genéticas que o paciente. Mas o transplante não chegou
a ser realizado porque o embrião sobreviveu apenas 72 horas.
O que
torna a célula-tronco particularmente importante é
a sua capacidade de se transformar em diferentes tipos de células.
Os cientistas vêem nessa "metamorfose" o potencial
tratamento de doenças que afetam milhões de pessoas
no mundo. As pesquisas representam uma nova esperança para
portadores de doenças neurológicas, diabetes, problemas
cardíacos, derrames, lesões da coluna cervical e doenças
sangüíneas.
As
células-tronco podem ser embrionárias (formadas no
interior do embrião nos primeiros cinco dias após
a fertilização do óvulo) ou adultas (encontradas
em tecidos maduros, tanto no corpo de crianças quanto de
adultos). A diferença entre elas está na capacidade
de se transformar em outros tipos de células. Enquanto as
embrionárias transformam-se em praticamente qualquer célula
do corpo (por isso são as mais promissoras para pesquisas),
as adultas são mais especializadas e dão origem a
tipos específicos de células.
No
estágio inicial, as células do embrião ainda
não "decidiram" se vão virar célula
de sangue, pele, músculo e etc. As células-tronco
embrionárias podem ser induzidas a se transformar em células
sangüíneas, musculares, hepáticas, de pele, células
secretoras de insulina e até em neurônios. Os pesquisadores
geralmente obtêm células-tronco embrionárias
de embriões descartados em clínicas de fertilidade
(embriões que não são implantados num útero
e nem destruídos).
Na
opinião do professor em Hematologia da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), Fernando Costa, a contribuição
da clonagem de embrião humano seria a de fornecer células-tronco
para diferentes tipos de transplantes. A geneticista Lygia da Veiga
Pereira, da Universidade de São Paulo (USP), considera válida
a experiência de clonar um embrião para a retirada
de células-tronco. "É uma ótima alternativa
para evitar a rejeição no transplante, mas que não
se justifica para a reprodução", acrescenta.
O uso
de células-tronco substituindo células de áreas
danificadas não tem nenhuma relação com a clonagem.
O transplante de medula óssea, utilizado no tratamento de
algumas formas de câncer, é o exemplo mais comum de
transplante de células-tronco. Neste caso, as células-tronco
são retiradas da medula óssea ou do sangue periférico
do cordão umbilical de doadores ou do próprio paciente.
Preferencialmente o doador deve ser compatível com o receptor.
A exigência da compatibilidade e o reduzido número
de pessoas dispostas a fazer doação fazem com que
muitos pacientes fiquem um longo período na fila de espera
por um transplante. O Registro Nacional de Doadores Voluntários
de medula óssea tem 16 mil pessoas inscritas. Um banco, para
ser eficiente, deve ter no mínimo 50 mil doadores.
Potencial
das células-tronco adultas
O processo
de rejeição à célula-tronco é
o mesmo que ocorre em qualquer transplante. O corpo do receptor,
a menos que seja tratado com drogas imunossupressoras, rejeitará
anova célula. Neste caso, as células-tronco adultas
apresentam maior vantagem do que as embrionárias. Elas oferecem
a possibilidade de ser retiradas do próprio paciente, evitando
o risco de rejeição.
"Do
ponto de vista ético é excelente. Não precisar
de clone de embrião ou uso de células embrionárias.
Só que, por enquanto, não se sabe exatamente quais
os fatores que as fazem diferenciar-se", diz a neurocientista
Rosália Mendes Otero, da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), que integra o projeto Instituto do Milênio de Bioengenharia
Tecidual, apoiado pelo CNPq. O grande desafio é fazer com
que as células-tronco adultas se transformem em células
de outros órgãos, como fazem as embrionárias.
Essa nova área de pesquisa trata de conseguir separar as
células imaturas (com pouco compromisso de diferenciação
e por isso mais semelhantes com as embrionárias) das maduras.
Em laboratórios, com uso de determinados marcadores poder-se-ia
mobilizar as células adultas imaturas e tentar transformá-las
em células de diferentes tecidos ou órgãos.
Embora
com limitações, as células-tronco adultas também
têm plasticidade. Estudos experimentais em animais já
comprovaram a possibilidade de transformar uma célula-tronco
adulta do sangue em células de outros tecidos, como fígado,
músculo e vasos. Na Alemanha, um paciente infartado teve
o miocárdio (músculo do coração) recuperado
após transplante de células-tronco retiradas de sua
medula óssea.
"As
células-tronco adultas são uma grande promessa. Imagine
um paciente com leucemia em que as células neurológicas
estivessem perfeitas. Poderíamos pegar aquela célula
neurológica, transplantá-la e ela se transformaria
em células sangüíneas", comenta Costa. "Já
sabemos que as células-tronco adultas não vão
originar células de todos os órgãos. Mas mesmo
que sirvam para poucos órgãos já será
um grande avanço", acrescenta.
Durante
três anos, vários grupos do Instituto do Milênio
de Bioengenharia Tecidual estudarão o uso de células-tronco
adultas em tecidos do sistema nervoso, ósseo, cardíaco,
entre outros. Nos próximos meses terão início
os estudos clínicos com pacientes portadores de doenças
crônicas do coração. De acordo com a pesquisadora
Mendes Otero, a demanda clínica por uma solução
a curto prazo é muito grande, principalmente de pacientes
com doenças cardíacas e neurológicas.
Células-tronco são estimuladas para transplante
Todos
os indivíduos têm células-tronco circulando
pelo corpo. Porém o percentual é baixo e sem capacidade
de restaurar um tecido. Para transplante de medula óssea,
os médicos podem estimular, com alguns fatores de crescimento,
o aumento das células-tronco, utilizando-as para restaurar
o tecido hematopoiético (do sangue) ou o sistema imunológico.
O primeiro grupo no mundo a apresentar um trabalho sobre o transplante
experimental a partir de estimulação de células-tronco
foi o da Unicamp. Desde 1994, já foram realizadas mais de
50 cirurgias deste tipo na Universidade.
O professor
em Hematologia da Unicamp, Cármino de Souza, explica que
as células do doador são estimuladas a aumentarem
de quantidade durante cinco dias com o uso de fator de crescimento
(G-CSF). Em seguida são transplantadas no receptor. A restituição
da célula da medula óssea do paciente acontece entre
quatro a cinco dias antes do transplante convencional da medula
óssea. Nesse processo, o doador não sofre nenhum efeito
colateral. No Japão e na Espanha, existem associações
de doadores que acompanham o procedimento.
As
células-tronco do próprio paciente que necessita de
transplante de medula óssea também podem ser estimuladas
a crescer. Nesse caso, o doente passa pela quimioterapia para tratar
o tumor maligno e pela estimulação das células-tronco.
Este tipo de transplante foi consolidado na década de 90.
Estima-se que 98% dos transplantes com células-tronco periféricas
são feitos dessa forma. A escolha entre a estimulação
das células-tronco de doador ou do próprio paciente
depende do tipo da doença.
Outra
forma de se obter células-tronco para transplante de medula
óssea é a retirada do sangue periférico do
cordão umbilical do doador. O primeiro problema é
o pequeno volume dessas células no sangue. Geralmente ela
é benéfica para transplantes em crianças, mas
para adultos a quantidade de células-tronco não é
suficiente para restaurar a medula óssea ou o sistema imunológico.
O procedimento ainda exige a formação de uma equipe
específica para entrar em contato com a gestante (que deve
autorizar a retirada), avaliar suas condições clínicas
e colher o material no momento do parto. Depois de colhidas, as
células-tronco devem ser manipuladas em laboratório
e congeladas em condições especiais (em nitrogênio
líquido abaixo de 180º), formando um banco para futuras
doações.
O Brasil
criou um programa para normatizar este tipo de transplante, o Brasil
Corde, baseado num programa europeu. De acordo com Souza, existe
domínio tecnológico, pessoas treinadas para o acompanhamento,
mas ainda não há prática. O programa brasileiro
deverá englobar os maiores hemocentros do país com
o objetivo de formar um banco com 15 mil amostras de células-tronco
retiradas do sangue de cordões umbilicais.
"Hoje
é possível você ter acesso às células-tronco
para transplantes com relativa facilidade. Essas células
já são conhecidas e usadas na prática, mas
ainda não foram totalmente exploradas. Temos outros meios
de fonte sem precisar de clonagem de embriões. Parece que
estão tentando tornar ético algo que é muito
polêmico", afirma Souza.
Células-tronco apresentam resultados promissores
A pesquisa
com células-tronco traz promessas para tratamentos de uma
ampla variedade de doenças. Dois grupos diferentes de cientistas
americanos, um da Universidade Harvard e outro dos Institutos Nacionais
de Saúde (NIH, em inglês), por exemplo, testaram com
sucesso transplantes de células-tronco em ratos e camundongos
com o mal de Parkinson (que havia sido induzido artificialmente).
Implantes
das células-tronco poderiam substituir as áreas do
cérebro afetadas pelo mal de Parkinson e de Alzheimer, que
provocam distúrbios motores e demência devido à
degeneração de certas áreas cerebrais. Outro
uso seria substituir tecidos cerebrais destruídos em derrames.
Os cientistas acreditam que implantes de neurônios embrionários
poderiam reverter paralisia e distúrbios de fala provocados
por derrames.
Pessoas
que sofrem de diabetes melitus (dependente de insulina) têm
problemas num tipo especial de células do pâncreas,
chamadas de ilhotas. Acredita-se que com células-tronco embrionárias
é possível produzir ilhotas, provendo uma cura definitiva
para a doença.
O transplante
de células-tronco pode ser também uma chance de cura
para algumas formas de cegueira. Em doenças tanto da retina
como da córnea, células-tronco derivadas de animais
adultos ou recém-nascidos indicam excelente habilidade em
substituir as células danificadas que possam ser a causa
do problema.
Nos
laboratórios do Instituto de Pesquisas Schepens Eye, os cientistas
utilizam células-tronco de roedores recém-nascidos
para tentar substituir os foto-receptores danificados da retina
de roedores adultos. As células-tronco adultas transplantadas
na retina se tornam células retinais e fazem conexões
através do nervo óptico até o cérebro.
Embora ainda não se saiba se realmente a função
será restaurada, a descoberta é de grande importância.
Células-tronco transformadas em hemácias
Cientistas
da Universidade de Wisconsin (instituição que detém
a patente sobre a maioria das linhagens de células-tronco
humanas nos Estados Unidos) transformaram células-tronco
embrionárias humanas em células sangüíneas.
Trabalho semelhante foi feito no Brasil por pesquisadores do Laboratório
de Biologia Molecular do Instituto de Biofísica Carlos Chagas
Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Só
que com células-tronco de embriões de cobaias.
Essas
pesquisas são um passo importante para a criação
de suprimento de sangue para terapias médicas. Desenvolver
células sangüíneas a partir de células-tronco
pode, algum dia, ajudar a amenizar a escassez de sangue necessário
para transfusões e tratamentos ou fornecer células
para transplante de medula .
O processo
utilizado pelas pesquisas americana e brasileira foi praticamente
o mesmo. As células-tronco foram estimuladas a se diferenciar
em células precursoras do sangue através de substâncias
conhecidas como fatores de crescimento. Ao serem expostas a essas
substâncias, as células-tronco formaram colônias
de glóbulos vermelhos (transportadores de oxigênio),
glóbulos brancos (de defesa) e plaquetas (responsáveis
pela coagulação) idênticas àquelas produzidas
na medula óssea adulta.
Músculo
cardíaco recuperado após implante de célula-tronco
Médicos
do hospital da Universidade Heinrich Heine, em Dusseldorf (Alemanha),
conseguiram recuperar o músculo cardíaco de um homem
de 46 anos que havia tido um infarto. O miocárdio foi tratado
com células-tronco retiradas da medula do próprio
paciente. "O resultado mostra o tremendo potencial das células-tronco
adultas", disse o especialista Bodo Eckehard Strauer, chefe
da equipe.
Dois
meses e meio após receber o implante de células-tronco,
o músculo cardíaco do paciente havia se recuperado.
O paciente teve um infarto e grande parte das paredes do ventrículo
esquerdo de seu coração foi danificada. Quatro dias
depois do infarto, foram extraídas células-tronco
da medula do paciente, que foram injetadas nas partes danificadas
do miocárdio.
Os
médicos da equipe acreditam que a recuperação
do miocárdio foi resultado do transplante, que favoreceu
a regeneração do músculo cardíaco. O
processo foi semelhante ao que é feito no transplante de
medula com a diferença de que as células-tronco se
especializaram em células do músculo cardíaco,
regenerando a região afetada pelo infarto.
Na
Alemanha, os cientistas não têm permissão para
pesquisar células-tronco de embriões coletadas no
próprio país, mas nada impede que estudem e pesquisem
com células importadas. Por isso, a pesquisa com células-tronco
adultas, obtidas da medula, é mais freqüente, já
que não é proibida por lei.
Uma
pesquisa semelhante à do grupo alemão está
sendo desenvolvida no Brasil, pelo Laboratório de Genética
do Instituto do Coração (Incor), de São Paulo.
Os pesquisadores pretendem retirar células-tronco da medula
óssea e implantar no músculo cardíaco do paciente
com o objetivo de recuperar a capacidade contrátil do coração,
conforme explica José Eduardo Krieger, do Laboratório
de Genética.
(L. C.)
|