Editorial:

Clones e medos crônicos
Carlos Vogt

Reportagens:
Clonagem ainda é técnica em desenvolvimento
Clonagem terapêutica ainda é promessa
Leis restringem pesquisas com células-tronco
Quem defende a clonagem humana
Polêmica também envolveu primeiro bebê de proveta
Clonagem humana é debatida por juízes brasileiros
Políticos tentam regulamentar mundialmente a clonagem
Clonagem já tem amplo uso na agropecuária
Técnica não é novidade na agricultura
Clonagem sob o olhar da religião
Artigos:
Nada contra a clonagem
Bernardo Beiguelman

Clones na mídia
Hélio Schwartsman

Humanos ao amanhecer
Ulisses Capozoli
Seres Híbridos & Clones: da literatura para as telas, das telas para a realidade
Edgar Franco
Poema:
Clone
Carlos Vogt
 
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Clonagem ainda é técnica em desenvolvimento

A clonagem tem causado inflamadas discussões em toda sociedade, principalmente quando essa técnica, já empregada em bactérias, plantas e animais, passou a vislumbrar o ser humano. Originada da palavra grega klón que significa broto vegetal, essa técnica é basicamente uma forma de reprodução assexuada (sem a união do óvulo e do espermatozóide) e que origina indivíduos com genoma idêntico ao do organismo provedor do DNA. A medida que a técnica foi se aproximando da árvore geneológica da evolução humana passou a representar uma ameaça dada a possibilidade de serem geradas crianças idênticas ao pai ou a mãe.

A idéia de clonagem surgiu em 1938 quando Hans Spermann, embriologista alemão (Nobel de Medicina, 1935) propôs um experimento que consistia em transferir o núcleo de uma célula em estágio tardio de desenvolvimento para um óvulo. Em 1952, Robert Briggs e Thomas King, da Filadélfia, realizam a primeira clonagem de sapos a partir de células embrionárias. Em 1984, Steen Willadsen da Universidade de Cambridge clonou uma ovelha a partir de células embrionárias jovens. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Wisconsin clonou uma vaca a partir de células embrionárias jovens do mesmo animal (1986). Em 1995, Ian Wilmut e Keith Campbell, da estação de reprodução animal na Escócia, partiram de células embrionárias de 9 dias para clonar duas ovelhas idênticas chamadas de "Megan" e "Morag". No ano seguinte surgiu "Dolly", clonada pelas mãos destes mesmos pesquisadores a partir de células congeladas de uma ovelha. Esta foi a grande inovação - e que criou a grande repercussão do caso-, um clone originado não de uma célula embrionária, mas sim de uma célula mamária. Em 1997, Dolly teria seu nascimento anunciado, sendo o marco de uma nova era biotecnológica.

Posteriormente à ovelha mais famosa do mundo surgiram clones de bezerros, cabras, camundongos, porcos e macaco rhesus. Hoje a corrida tecnológica da clonagem tem como países líderes os Estados Unidos, Escócia, Inglaterra, Japão, Nova Zelândia e Canadá.

Os procedimentos mais utilizados em animais e que começam a ser usados em clonagem de humanos são dois: um deles consiste em utilizar o material genético (núcleo) extraído de uma célula não reprodutiva ou somática (diferente do óvulo ou espermatozóide) de um indivíduo e inseri-lo em um óvulo cujo núcleo com DNA tenha sido retirado. Essa célula pode ser originada de um embrião, feto ou adulto que estejam vivos, mantidos em cultura em um laboratório ou de tecido que esteja congelado.

A outra técnica consiste na fusão de uma célula inteira com um óvulo sem material genético. Foi essa justamente a técnica utilizada em Dolly. Sua fase crítica - em que o experimento pode não dar certo -se dá na etapa de fusão das células, feita através de corrente elétrica ou com um vírus chamado Sendai (veja esquema abaixo).

1) As células somáticas são retiradas do doador 2) Essas células são cultivadas em laboratório 3) De uma doadora colhe-se um óvulo não fertilizado 4) O núcleo contendo DNA é retirado do óvulo 5) A célula cultivada é fundida ao óvulo por meio de corrente elétrica 6) Agora temos o óvulo fertilizado com nova informação genética 7) Este óvulo vai se desenvolver até a fase de blástula (embrião com mais de 100 células) onde estão as células tronco.

A clonagem de animais no Brasil foi iniciada em março de 2001 com o nascimento de Vitória, uma bezerra da raça simental desenvolvida pela equipe de Rodolfo Rumpf, coordenador do projeto de biotecnologia de reprodução animal da Embrapa. De lá pra cá, nenhum outro animal foi clonado, embora alguns grupos venham desenvolvendo pesquisa, principalmente em clonagem de bezerros. Esses animais são escolhidos por terem apelo comercial e por terem um período de gestação longo o que gera, normalmente, apenas um indivíduo. O fato de originar, através dos métodos naturais, apenas um indivíduo por gestação dificulta a perpetuação de algumas características que são interessantes para o comércio, como por exemplo uma maior produção de leite ou a alta taxa de músculos. A clonagem de bovinos poderia facilitar a reprodução de animais com certas características genéticas. Para os galináceos, que podem se reproduzir em um período curto de tempo e gerar inúmeros indivíduos, a clonagem não seria tão interessante.

Mas existe também a possibilidade de animais serem clonados para fins terapêuticos, servindo para a experimentação ou visando a produção de órgãos compatíveis com o ser humano - animais poderiam ser, um dia, produzidos em série para transplantes. Algumas empresas, como a Advanced Cell Technology (ACT), a mesma que alegou ter clonado o primeiro embrião humano da história, já dispõe de um banco de tecidos para quem quiser guardar amostras de seu bichinho de estimação ou de animais com grande potencial pecuário. Quando a técnica de clonagem estiver bem estabelecida esse material poderia ser utilizado.

O Missyplicity Project reúne cientistas que estão tentando clonar a cadela Missy (foto). O Genetic Savings & Clone é um banco de DNA criado especialmente para animais.

A idéia de produzir clones de animais de estimação por enquanto só é possível em filmes como O Sexto Dia, estrelado por Arnold Schwarzenegger. Na história, o cachorro do personagem de Schwarzenegger é clonado por uma empresa chamada Re-pet, especializada em animais de estimação.

No entanto, bancos como esses começam a ser formados também para animais em extinção como o Centro de Reprodução de Espécies em Extinção do Zoológico de São Diego (EUA) e o Centro para Pesquisa de Espécies em Extinção do Instituto Audubon (EUA). A idéia é que, no futuro, o material genético de animais ameaçados de desaparecer possa ser usado para cloná-los e reproduzí-los.

A ACT chegou a clonar, em 2000, um gauro, espécie em extinção semelhante ao boi, natural da Índia, Indoshina e parte da Ásia. O animal fora clonado a partir de células da pele de um gauro fundidas com óvulos de vacas. Mas após nove meses de gestação o animal morreu, pouco depois de nascer, devido a complicações no sistema respiratório.

A espectativa é que a clonagem seja a única alternativa para recuperar espécies já extintas como o tigre da Tasmânia (desaparecido desde 1930) e o bode bucardo da montanha (desaparecido desde 2000). Outras espécies em vias de extinção como a ararinha-azul, o mico-leão-dourado, o peixe-boi, o pirarucú, a sussuarana, o lobo-guará, a lontra e o tamanduá-bandeira também poderiam ser clonados. Existe, porém, a preocupação para que o material armazenado desses animais tenha variabilidade genética para que não sejam originadas populações tão homogêneas que correriam o risco de serem dizimadas por vírus e bactérias. O armazenamento de amostras de células do maior número de animais de uma espécie que ainda estejam disponíveis no mundo, poderia garantir indivíduos com menor igualdade genética.

Atualmente, é impossível utilizar DNA extraído de organismos preservados em âmbar (como sugere o filme de Steven Spielberg O Parque dos Dinossauros), de células congeladas em condições diferentes às exigidas por condições laboratoriais, células de cadáveres ou de material fossilizado.

Entre os grupos brasileiros atuantes no campo da clonagem animal estão, segundo Rodolfo Rumpf, da Embrapa, o coordenado por José Antônio Visintin na Veterinária da USP; o de Joaquim Mansano Garcia na Unesp de Jaboticabal; o de Flávio Meireles na USP de Pirassununga e outros que ainda estão se estruturando, além do grupo liderado pelo próprio Rumpf. Entre os que estão em processo de estruturação está o grupo liderado por Reginaldo Fontes na Universidade Estadual Norte Fluminense, o coordenado por Otávio M. Ohashi na Universidade Federal do Pará, e grupos no Rio Grande do Sul.

No que se refere à clonagem humana, os maiores benefícios esperados pela comunidade científica estão no campo da terapia de órgãos e tecidos. É através dessa técnica que pesquisadores esperam estudar as chamadas células-tronco (células primordiais no embrião que têm multipotencialidade para gerar os mais de 200 tipos celulares do nosso corpo) que poderiam gerar células cardíacas, hepáticas, hemácias, epiteliais e resolver ou amenizar problemas causados por enfarto, cirrose, leucemia e queimaduras da pele. Embora a impressão que se tem através dos jornais é que esse processo é relativamente simples, Paulo Marcelo Perin, do Centro de Reprodução Humana de Campinas, garante que a técnica ainda não existe: "não sabemos o que vai ser necessário para reconstituir um rim inteiro".

No Brasil, muito se tem feito no ramo de pesquisas com células-tronco adultas, extraídas do cordão-umbilical de bebês ou da nossa medula mas, segundo informa Perin, essas células já sofreram algum processo de diferenciação e, portanto, têm potencial restrito para se transformarem em outros tipos celulares. Por isso as células-tronco cultivadas a partir de células retiradas de embriões despertam mais interesse, embora sejam muito mais polêmicas. "Esse é o grande dilema ético, porque estaríamos produzindo embriões exclusivamente para fins terapêuticos", explica Perin. O que é vida para grupos religiosos é apenas um emaranhado de células para os cientistas.

Mas a polêmica mais efervescente é aquela que permeia a reprodução humana. Se ela hoje depende fundamentalmente de um espermatozóide e um óvulo, poderá se tornar independente ao ponto de qualquer célula de nosso corpo poder fecundar um óvulo e gerar um descendente. Claro que contando com o auxílio de um bom laboratório e alguns milhares de reais. Para Perin, a clonagem humana parece interessante para casais que não produzem células reprodutivas (óvulos ou espermatozóides). Ele acredita que as técnicas de clonagem serviram muito mais para resolver outros problemas de fertilidade do que para gerar cópias de seres humanos. Cita como exemplo uma técnica realizada por um grupo de pesquisadores do Centro de Monash, na Austrália, que a partir de uma célula somática de um camundongo (que possui dois conjuntos de cromossomos ao invés de apenas um como em uma célula reprodutiva), deixou apenas um conjunto de cromossomos e fertilizou um óvulo, de uma doadora da mesma espécie, com a célula que funcionou como um espermatozóide.

A técnica de clonagem ainda está em aperfeiçoamento. A alta taxa de mortalidade em experimentos com animais - cerca de 90% -, diagnósticos pré-implantacionais (antes do útero) e pré-natais, ainda em definição, alarmam para o fato de ninguém saber determinar a normalidade dos embriões. "Do ponto de vista científico a clonagem humana é inevitável, mas não sei se a sociedade como um todo vai permitir que isso aconteça, porque a ciência avança e não pensa nas consequências, o avanço é feito. Mas quem impõe os limites é a sociedade. Os aspectos jurídicos, morais, religiosos vão ser determinados pela sociedade", conclui Perin.


(G. B.)

 

Atualizado em 10/12/2001

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